Tínhamos duzentas mil palavras sem razão
E uma espingardada de
desejo,
Tínhamos a voz incendiada
da madrugada
No cortinado beijo,
Tínhamos na mão a triste
enxada
No grito de uma canção,
Tínhamos o silenciado
Cansaço dos socalcos ao Douro
mergulhado,
Tínhamos a luz em demanda
tristeza
Correndo montanha abaixo,
Tínhamos o rio crucificado
Na paisagem beleza,
Da paisagem alimento.
Tínhamos a uva invisível
amanhecer
Que entre mãos emagrecia,
Tínhamos as palavras de
escrever,
Tínhamos a alegria…
Tínhamos duzentas mil
palavras sem razão
Nos seios teu maldizer,
Tínhamos poesia,
Tínhamos as flores em
papel cremado
Nas cinzas que ele sentia…
Tínhamos as duzentas mil
palavras de viver,
No viver encarcerado,
Do viver adormecido.
Tínhamos o vinho lunar
No poema desamado,
Tínhamos no corpo
escondido
A lâmina triste mar…
Deste vinho embriagado.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 26/07/2022