sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Equações, palavrões & trambolhões

 

Milimetricamente falando,

Sou uma simples quadrícula sem memória,

Nas mãos de uma criança.

Sou uma flor

Dançando,

Sou estória,

História morta à nascença.

Semeio palavras na eira madrugada,

Quando das nuvens acordam os pássaros vagabundos,

Milimetricamente falando,

Sou uma página cansada,

Cansada das palavras sem rumo,

Sou uma velha enxada,

Enxada que transforma o mundo.

Tenho na mão

A equação do adeus ingrime da solidão,

Tenho na mão, a mão da minha mão,

À mão do meu coração.

Sou, então, uma velha página a arder,

No corpo da serpente,

Sou uma página de escrever,

Escrever o que ela sente.

Tenho na mão,

Milimetricamente falando,

Todo o cansaço de viver.

Tenho na mão,

Na minha mão,

Palavras para escrever,

Escrever para não sofrer.

Sofrendo, ela percebe que pertenço aos números primos.

Sou estátua que dança na neblina,

Sou equação que brilha na escuridão;

E todos nós sentimos,

A cidade menina,

À cidade minha canção.

Tenho nesta mão,

Um pedacinho sorriso beijar,

Tenho na outra mão,

O desejo simples de amar.

Escreves-te entre uma recta paralela

E finas lâminas de geada,

Escreves-te quando nasce o sol na nossa triste aldeia;

E sabes, rosa amarela?

Do teu jardim vem até mim uma rosa cansada,

Cansada e tão bela…

Tão bela essa Sereia.

E, entre equações

E palavrões,

Deus não mete a colher.

Não se importa,

Nem quer…

Não quer que eu abra esta triste porta.

Sendo assim,

Todas as equações,

Todos os palavrões

E todos os trambolhões,

São cremados

E sepultados,

No meu alegre jardim.

(o jardim das ilusões)

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 5/11/2021

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Corpo sofrido

 

Das fragas selvagens da vida cansada,

Sentadas na sombra infinita do luar,

Às fragas invisíveis desta madrugada,

Agachadas junto ao mar.

 

Dos limites incompreendidos do anoitecer,

Quando um menino sentado à lareira,

Não se cansa de escrever,

Escrever à sua maneira.

 

Ele, só, semeia as palavras da alvorada,

Dentro das nuvens em vidro adormecido.

São canções à desgarrada,

 

São canções de amar,

Amar o corpo sofrido,

Sofrido antes de falar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4/11/2021

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Todas as noites, são noites de viver

 

Todas as noites

O corpo desajeitado

Desce a montanha da solidão,

Todas as noites

O corpo mutilado

Agarra-se à espingarda que poisa na sua mão.

 

Todas as noites

Brinca uma criança traquina

Na palma de sua mão,

Todas as noites

Vejo a alma que ilumina

As palavras de uma canção.

 

Todas as noites

São noites de adormecer

No silêncio de sua mão,

Todas as noites

Que não posso esquecer,

As palavras da minha mão.

 

Todas as noites

Nos versos cansados

Na minha mão,

Todas as noites

Há corpos envenenados

Envenenados pela minha mão.

 

E todas as noites,

Sinto o cansaço do anoitecer

Antes de dormir,

Todas as noites, são estas noites

Noites de viver

Viver antes de partir.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 01/11/2021

Flores do meu jardim

 

Tenho as flores do teu olhar,

Da saudade em construção,

Tenho rosas as rosas do mar,

As rosas do teu coração.

 

Tenho as flores dos teus lábios madrugada,

Quando em mim vive a liberdade,

Tenho as flores do teu olhar, teu olhar minha amada,

Minha amada de verdade.

 

Tenho em mim, a tua boca de beijar,

Tenho no meu jardim,

As flores de te amar,

 

Tenho em mim, o beijo desejado,

Das tuas mãos de cetim,

Às tuas mãos neste corpo cansado.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1/11/2021

domingo, 31 de outubro de 2021

As palavras de amar

 

Tenho na mão

A mais bela flor do anoitecer,

 

Tenho na mão

A mais bela palavra para escrever,

 

Tenho na mão

A mais bela pintura de se ver,

 

Tenho na mão,

A tua mão de viver.

 

Tenho na mão

O mais belo poema de amor,

O mais belo silêncio em flor,

Tenho na mão a tua mão,

Na tua mão, meu amor.

 

Tenho na mão

A noite a crescer,

Enquanto na tua mão,

A minha mão não se cansa de dizer;

De dizer

Que na minha tua mão,

Existe um poema a crescer,

Existe um poema que adormece no chão.

 

Tenho na mão

Todos os beijos de beijar,

Todas as palavras de amar,

Tenho na mão,

Na minha tua mão,

Os olhos do mar.

 

Tenho na mão,

Na minha tua mão,

As palavras de amar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 31/10/2021

A enxada da vida

 

Descia a calçada de cigarro na mão.

Empunhava a espingarda

Como se ela fosse uma canção,

Ou apenas o nascer da alvorada.

 

Sentava-se no chão. Desenhava na algibeira

Lágrimas com a enxada da vida adormecida,

Subia aos montes e às montanhas e à ribeira…

A ribeira da vida.

 

Sentado no chão.

Cruzava as pernas em direcção ao mar,

Mas o mar era apenas uma canção,

Uma canção de embalar.

 

Descia a calçada de cigarro na mão.

Sentia na garganta a lampejou-lha dos pássaros envenenados,

Alguém lhe gritava; Alto. No ar a sua mão.

A sua mão dos dias envergonhados.

 

Descia.

A calçada em demanda.

E, escrevia

Com a mão que não anda.

 

Descia a calçada em construção.

Puxava de um cigarro que se alimentava do desejo,

Descia a calçada de cigarro na mão,

E com a mão se constrói o beijo…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 31/10/2021

As flores em tua mão

 

À sua volta, poisava uma fina pelicula de silêncio, dentro de um cubo de vidro, habitava a nuvem de saudade que ao longo dos anos se tinha deixado adormecer, sem perceber que entre os socalcos e as amendoeiras, nas terras profundas do desejo, uma pomba desejava crescer e voar.

Chamavam-na de liberdade.

Trazia na algibeira o eterno beijo que todas as noites se sentava junto à lareira, mais parecendo um cadáver em movimento, rumo às planícies desconhecidas que jaziam sobre uma pequena folha em papel.

Havia uma porta com acesso ao quarto escuro, aposento que apenas ela conseguia entrar e por lá ficava até que a morte a chamava, ensonada, muito ensonada, regressava ao jardim depois de um longo passeio pelas montanhas de algodão.

Sempre que não precisava de chuva, esta vinha-o visitar, e ele, de mau-humor, porque odiava a chuva, vestia a gabardine, calçava as galochas e ia brincar para a rua, aos poucos, entre sombras, descia as ténues luzes do degredo, onde crianças e mulheres, famintas, desenhava no pavimento do medo a palavra

Musseque.

Nada à sua volta existia apenas por existir e, no entanto, sentia saudades dos tempos de fome que passara lá do outro lado do rio.

Assim seja, gesticulava para as ardósias cansadas da escola.

A tabuada escrevia-se nas paredes até casa, mas quando chegava a vez da tabuada do seis, bem, melhor não dizer anda,

Fazia contas mentalmente até que descobriu as séries se algo se repetia,

Deixamos as séries, pois era na poesia que ela era campeã de sofrimento e dor, até ao dia que verificou que dentro do poema habitava o beijo mais belo da aldeia.

Tínhamos acabado de passar a linha do Equador e, o puto empoleirado na grade do navio, acreditava ver com os próprios olhos essa mesma linha, mas ainda hoje não entende a razão de ser apenas simbólica, pois os avós e os pais falavam nessa dita linha e, dizem

Em cada rua que atravessa, olha fixamente para o chão triste e, linha nenhuma, ao que conclui que tanto os avós como os pais lhe mentiram, pois, essa linha não existe.

Escreveu um dia, ela, que se dividisse o tempo por beijos, certamente no dia seguinte, obteria desejos e, por sua vez, se calculasse a raiz quadrada do desejo, obteria a saudade, matemática esquisita, esta, a dos beijos e a dos desejos e a dos abraços.

Ela desconhecia que tinha no jardim a estátua do capitão de mar e guerra e tio

Deus o salve, tio João Alecrim.

Comandava um paquete decadente e ensonado, que para atravessar o rio, precisava na melhor das hipóteses de cerca de cinco dias, pois há quem diga que a velocidade dele é de zero vírgula zero cinquenta nós por dia.

À noite, quando acendia a candeia, regressava através da janela uma lâmina de tristeza que a acompanhava desde que percebeu que o menino nunca mais se sentaria no seu colo, ele cresceu, tornou-se mendigo e hoje deambula pelas ruas da cidade à procura de lábios doces e rebuçados.

E, dizem

Amanhã, pela madrugada, vais perceber o significado das séries e da repetição de termos.

Uma tragédia.

Uma tragédia anunciada, a guerra das flores e das lápides adormecidas.

 

 

As flores em tua mão

 

Há flores cansadas

Que habitam na tua mão,

Há lápides envergonhadas,

Envergonhadas desta canção.

 

Há corpos, ossos e, lábios em papel,

Há palavras que se semeiam no chão,

Há jardins e torres de Babel,

E há as palavras do coração.

 

Há as flores da tua mão,

As mesmas que iluminaram a minha vida sentida,

São flores e são canção,

 

São versos perdidos na madrugada.

Há uma lágrima em despedida,

Há uma lágrima em demandada.

 

 

Hoje faz-se passear pelas ruelas da saudade de bicicleta pela mão, no ombro esquerdo leva a pomba que desde miúda apelidou de vergonha e, há quem diga que irá permanecer por estas bandas por muitos e longos anos.

Um dia deixará de chover, acredita ele enquanto puxa de um cigarro…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 31/10/2021