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foto: A&M ART and Photos
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O corpo como o cansaço da solidão, submerso nos
cadeados braços dos beijos encostados aos arbustos teus lábios,
sentia-se a penumbra fria pele silenciosa como um texto acabado de
escrever, ouvia-se ainda o cheiro da tinta, negra, derramada da
caneta de tinta permanente, velhinha mas ainda de excelente saúde,
como os teus olhos, quando me olhas e perdes a voz, ficas afónica,
perdes-te nas palavras, desorganizas-te como textos escritos sobre os
joelhos de um qualquer vagabundo, encerras os olhos, desces o
cortinado do escritório, sentas-te no sofá e inventas mil desculpas
para não me ouvires,
Percebo-te, claro, havíamos um dia de descobrir o
buraco de minhoca que nos separou, é evidente que para o comum dos
mortais não nos entende, às vezes, eu mesmo não consigo
entender-te, e quando pego no livro de equações de Einstein para
nos entendermos, mesmo assim, fico sem saber... quem sou eu? E tu,
ainda existirás como mulher? Não serás hoje apenas um pequeno
ponto de luz na distância mais longínqua? Pergunto-me enquanto
fecho o livro, esqueço as equações e recordo-te conforme uma flor
quando nasce, nua, viril, semicondutor os teus seios em púrpura de
novos desenhos esquecidos no frio betão de ontem,
O amor, o amor desperdiçado, por medo, vergonha,
timidez, por falta de luzes ou porque as estrelas deixaram de
brilhar, parvoíces, medos sem significado, o amor desperdiçado
entre as silvestres manhãs de neblina que absorviam os Sábados de
Novembro, eras tua ainda, e depois de abrirmos a janela virada para o
Tejo, uma golfada de ar entrava-nos e iluminava-nos o quarto ainda
desarrumado, lá fora, apenas sentia o fumo do meu cigarro em curvas
para depois se dissipar contra os fios de aço que prendiam um
petroleiro à calçada, mesmo debaixo da nossa janela...
Ai o amor,
E era Sábado em ti,
A despedida do rio e as lágrimas minhas como
desejos em voos de madrugada amanhecer, deixaste de ocupar o lado
esquerdo da almofada, e as gaivotas nunca mais poisaram no peitoril
da tua janela, aquela, a única que tínhamos com acesso ao rio,
depois, veio a chuva, o granizo, as geadas, o frio, o inverno
disfarçado de ódio, quando ódio nunca viveu nas nossas pequenas
mãos, depois as palavras, as palavras que teimas em não pronunciar,
por medo, vergonha, sofrimento, por amar, o mar, entender-te como
entendo os barcos, não, não sentado
A alvorada de ti sobre mim, os dias tristes antes da
chegada do Natal, passeava-me na rua e esquecia-me dos néons
correndo a cidade, à solta em cada rua que eu entrava, olhava-os e
quase que me pareciam cadáveres sem esqueleto, corpos, corpos como
cansaços da solidão,
Ai o amor,
E era Sábado em ti,
Hoje, procuro a tua mão entre os escombros da
saudade, não a encontro, vejo-me através do espelho da minha amiga
Maria, sentado, triste, procurando um jardim para me aportar, lançar
âncoras ao fundo, e entre fumo e luzes invisíveis, contar as
gaivotas de sorriso igual ao teu e quantos apitos por minuto se ouvem
dos engasgados barcos de porcelana, velhos, que sobre a mesa da sala
de jantar, navegam, como moscas e abelhas, à procura de ti, como eu,
entre escombros e falsos cinzeiros, e de ti, nada, nem um sorriso
observo à entrada da barra, e lembro-me que deixaste de ser barco, e
hoje, não sei, nunca o soube, depois dos Sábados de Novembro
E era Sábado em ti,
E tu, ainda existirás como mulher? Não serás hoje
apenas um pequeno ponto de luz na distância mais longínqua?
Era sábado de luz...
(não revisto)
Francisco Luís Fontinha