terça-feira, 28 de janeiro de 2014

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Saturno

foto de: A&M ART and Photos

Saturno nas tuas trémulas mãos de sede,
o infinito que habita nos teus olhos despede-se da maldição madrugada,
há um livro em desgraça,
uma fogueira inventada que consome a tua fúria no centro da praça,
há uma calçada com braços e mais nada,
e... e Saturno que teima em viver dentro de ti,
assim,
como vivem as plantas nos charcos das sanzalas de prata...
como tu desenhando cigarros de lata nos vidros da janela azul,
Saturno sempre nos teus lábios,
comendo Primaveras,
aos Sábados... em tristes sábios,

Saturno saturado da cidade,
da chuva,
do vento que teima em desabitar os teus cabelos das nuvens cinzentas...
Saturno é como as árvores que cobrem as tuas pálpebras de solidão,
e sempre que uma gaivota grita o teu nome em vão...
Saturno não se cala,
se revolta,
se revolta como os homens de uma canção,
Saturno nas tuas trémulas mãos de sede,
correndo cinzeiros,
escrevendo palavras no corredor da morte...
Saturno... Saturno sem sorte... sorte que nunca teve porque de feiticeiro nasceu o texto com beijos de avião...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 27 de Janeiro de 2014

domingo, 26 de janeiro de 2014

A dita tranquila paixão...

foto de: A&M ART and Photos

Sentíamos os pinheiros de papel voando nas planícies pinceladas em vermelho inventado,
havia um pulmão de Inverno nos teus olhos de disco voador,
gaivota sonhadora, havia em ti um tímido silêncio de dor,
uma travestida mágoa conversando nas eiras com palheiros de granito,
ouvíamos, às vezes, o ranger das ripas entre os pregos ao aço dorido,
e sentíamos os triângulos isósceles quando ainda existia em nós... a dita tranquila paixão...

Ainda sinto as tuas tristes mãos onde habitavam palavras com medo,
segredos sem sentido,
amores proibidos... beijos que nunca conheceram o diáfano cansaço da noite,
sentíamos os alforges engolindo pedras e outras coisas sem nome,
e ainda sinto,
e ainda tenho... a dita tranquila paixão...

Sabíamos que a saudade era apenas uma palavra perdida no meio da seara envenenada,
sabíamos... sentíamos... sabíamos que os nossos corpos jamais se separariam das janelas com grades em vidro,
e no entanto... deixamos adormecer todas as imagens a preto-e-branco que tínhamos encerrado dentro dos nossos corações de manteiga,
o amor desperdiçado em voláteis vozes em fumo e banho-Maria,
e... e nós... a dita tranquila paixão...
em poderosos parquímetros com paquetes em dóceis apitos do desejo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Janeiro de 2014

… e todos os sábados existe uma amoreira por beijar...

foto de: A&M ART and Photos

(Tinha prometido que nas próximas semanas não publicaria nada, poesia, textos... mas as palavras são mais fortes do que a dor...)


Converso com as vozes inaudíveis das montanhas ínfimas em ti
e percebo que o medo absorve-te como se fosses um alimento comestível na boca do Inferno,
oiço as sílabas distorcidas que brincam nos teus lábios de sebe envergonhada como eu,
oiço das montanhas ínfimas em ti os segredos nossos vividos entre o silêncio e a preguiça do desassossego,
habitas as transversais listras negras do temido sono que acordam todas as manhãs na garganta do sofrimento,
vives porque pareces um mendigo travestido de mendigo,
vives porque és o verdadeiro mendigo de mim... que ficou em ti de quando éramos poetas vagabundos sobre as árvores dos jardins sem braços em prata,
postais e revistas,
livros e pornografia barata, simples, submersas as tuas mãos em veludo fino,
cortinados que abanam e cintilam nas vozes nocturnas do amor,
amar-te como se ama uma lareira poética nos seios das finas lâminas da tristeza,
deixamos ficar a alegria nas sarjetas do póstumo amanhecer...

(… e
e fazemos de conta que em todos os sábados existe uma amoreira por beijar...
tu),

E fazemos de conta que as estradas que me levam a ti são em puro chocolate,
e fazemos de conta que dos teus beijos saltitam mãos de espuma,
areais de seda e janelas com olhos de vidro,
e...
… e fazemos de conta que em todos os sábados...
que hoje não existe vida nos teus brancos cabelos,
que hoje a noite parece um mórbido cobertor de Inverno sobre os joelhos teus quando ainda acreditas nos desejos pergaminhos da laranjeiras,
as palavras são propositadamente embriagadas para esquecermos a cinzenta estória sem livros para pintarmos,
temos em nós os vestígios carris do aço disfarçado de recta paralela,
a trigonometria da dor quando do envidraçado muro da desgraça uma rosa se submete aos teus encantos,
és lindo, és tu que albergas as minhas desventuras montanhas ínfimas em ti...
… e todos os sábados existe uma amoreira por beijar... tu... o pai que sempre quis ter.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 25 de Janeiro de 2014

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Caligrafia

foto de: A&M ART and Photos

Desço da tua árvore em desejo como uma serpente sem veneno...
sou a tua caligrafia quando a noite se perde em ti
e tu
tu pareces um pedaço de papel sem palavras
paixões de areia que voam com a tempestade
amores de gelo que acordam entranhados em geada
saudades e saudades e saudades...
saudades de não ter saudade...
de ti...
… de ti quando eu era o teu corpo mergulhado no cacimbo desempregado
triste...
tão triste como os candeeiros da cidade do mendigo embriagado...

Desço da tua árvore
visto-me de caligrafia gaivota sobre os telhados da penumbra madrugada
oiço-te em gemidos vagabundos e das alegres naftalinas que o dia contempla... sofres
e finges que a Primavera inventou a caligrafia das tuas mãos envelhecidas,

Vai e sente a deslumbrante areia branca com janelas de xisto viradas para os socalcos da dor
e que em ti cresçam e se alimentem as ardósias tardes em literatura
não
não te revoltes
não
não tenhas medo das gaivotas em caligrafia desgovernada... quando das flores cardumes de abelhas
invadem os enxames de peixes que a manhã constrói depois dos pingados beijos descerem...
descerem da tua árvore em desejo
em silêncio
o medo
a boca que arde e em jeito de meia-caligrafia...
oiço-te em torradas e chás de menta... eis o desejo como uma serpente sem veneno...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 24 de Janeiro de 2014

(por razões de ordem pessoal, nas próximas semanas, não publicarei... poesia, texto...)

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Verbos cinzentos


Tudo se perde nas profundas nádegas da saudade,
Se amanhã acordarem lágrimas nos teus olhos,
Não, não hesites em pegar na minha mão,
Se amanhã nos teus braços saltitarem gaivotas,
Não, não tenhas medo,
Sou eu, eu...
Eu... vestido de árvore em pedaços de sombra sobre ti...
Se amanhã na janela dos teus sonhos não entrar o sofrimento diáfano da sinfonia madrugada...
Não, não sou eu...
São as pedras da calçada,
São os verbos cinzentos nos lábios da sonâmbula enciclopédia desgovernada que esconde o teu fino rosto de amêndoa...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 23 de Janeiro de 2014

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

... que acorde então a madrugada

foto de: A&M ART and Photos

As suas siglas perfumadas subindo as escadas do desejo
abraçando as singelas sílabas abandonadas que espreitam a madrugada entre o cortinado e a alvorada
sinto o bater das pérolas negras que caminham corredor abaixo... e na paragem do eléctrico
junto à porta que dá acesso à biblioteca
os teus seios mergulhados na argila manhã de triste neblina
criança ainda
perfumada
a sigla de ti acompanha as outras siglas deles até que acorde o Pôr-do-Sol
que venha a noite e traga muitos amigos
feiticeiros e feiticeiras
janelas e abrigos
bandeiras... portas e luares sem Janeiro...

As suas siglas perfumadas subindo... coitadas as derreadas canções de Abril
(Ora aí está... que acorde então a madrugada, que se abram todas as janelas, e que o dia finja ser um belo domingo, sol, muito sol... e ao longe... ao longe a praia, os coqueiros...)
os silêncios de mim entranhados nas tuas mãos
sentia-te saltitar sobre as finas areias da Baía...
os barcos nossos lançavam-se nos teus seios... e sabia-te sentada sobre as mangueiras do amanhecer...

O fogo permanece na tua alma inconstante
o fogo alicerça-se nos teus olhos de sincelo... e sem o saberes uma flor quadriculada dança nas pálpebras húmidas da paixão
dormes sem mim porque o infinito acontece todas as noites depois dos dispersos horários se debruçarem no varandim com telhados de prata
a tua pele fervilha e arde
e o fogo em ti é como as palavras em mim
nada de especial
o papel simples e informal...
sem gravata
sem... sem as apaixonadas mulheres nas borboletas de veludo que a luz ilumina
quero gritar não consigo
consigo gatinhar sobre a geada Aurora e não o quero
quero... e não percebo porque morrem todas as siglas perfumadas subindo as escadas do desejo.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 22 de Janeiro de 2014