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foto de: A&M ART and Photos
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Embalavas o teu alegre piano como se ele fosse o teu
próprio filho, abraçavas-lo e embrulhava-lo com os braços
pendentes de caules verdejantes como as lâmpadas que a noite inventa
nos teus olhos, ouvíamos-te longamente sentada num pequeno banco
alegremente feliz, sentavas-te nele, rodavas o tronco e a cabeça,
esticavas os longos dedos de porcelana... e saíam das tuas mãos os
mais lindos melódicos sons,
Chamo-te A Pianista, sem o saber, sem sequer
perceber se realmente sabes tocar piano, se realmente... algum dia
tocaste com os teus dedos em algum, se realmente algum dia
acariciaste algum, e sabes? Não o sei, talvez nunca tenhas tocado
piano, talvez nunca tenhas adormecido ou acariciado algum piano, mas
eu, eu imagino-te sentada num banco simples, feliz, voando dentro da
sala de estar,
Ela vagueando como corpo sobre as teclas húmidas do
piano em voz poética quando das manhãs ouvíamos-te saltitar entre
os ramos cerâmicos dos teus abraços cúbicos nas equações
complexas dos sons invisíveis do corpo teu piano..., havíamos
inventado as janelas com vista para o mar, embalavas o teu alegre
piano como se ele fosse o teu próprio filho, feliz, descendente do
Sol, filho da nuvem cinzenta e da gotícula número mil quinhentos e
vinte e três, gostava de ti, nua, sobre o teclado em tons de negro,
descia sobre ti a tempestade, o ciúme, descia sobre ti o medo, e tu,
rosa bravia, caminhas desordenadamente junto ao desejo, olhavas-nos,
e sabíamos que nos teus olhos
Chamava-te A Pianista, sem o saber, sem sequer
perceber se realmente sabes tocar piano, se realmente..., os teus
olhos, vagabundos, escrevias nas pálpebras as notas musicais,
deixavas adormecer nas tuas mãos os tão desejados silêncios dos
beijos ainda não acordados, dormias, nua, eu, eu fumava
desalmadamente cigarros que me cerravam os meus olhos, deixava-te de
ver, apenas um sombreado ténue realçada o teu corpo deambulando
entre o travesseiro e a cabeceira da cama, os teus cabelos soltos
pelo imenso areal, a areia branca, silenciosa, e quando acordavas
Olá sisudo,
E quando acordavas, se ele fosse o teu próprio
filho, feliz, descendente do Sol, filho da nuvem cinzenta e da
gotícula número mil quinhentos e vinte e três, gostava de ti, nua,
sobre o teclado em tons de negro, descia sobre ti a tempestade, o
ciúme, descia sobre ti o medo, e tu, rosa bravia, caminhas
desordenadamente junto ao desejo, tu vestida de desejo, e sentia-te
nas minhas mãos antes de entrarmos mar adentro, o teu silencioso
piano, o teu invisível teclado ténue...
Olá sisudo
Ténue como os teus dedos, ténue como os teus
soltos cabelos escrevendo poemas sobre as rochas desassossegadas das
palavras abelha que voavam debaixo dos velhos plátanos, deitada, tu,
tu não propriamente, deitado o teu corpo, eu, eu fumava
desalmadamente para não te ver, porque quando te via, eu, eu
desejava-te loucamente como versos brincando numa calçada de Lisboa,
ouvia, ouvíamos-te os sussurros sonhos,
Sisudo,
E a noite entrava nos teus mamilos cor de chocolate,
uma borboleta poisava como se de uma folha de papel se tratasse, e
sabíamos que não era uma folha de papel qualquer, e sabíamos que a
noite não era uma noite qualquer, e sabíamos que o teu piano
dançava no corredor entre o teu quarto e a casa de banho, e a
borboleta que não era borboleta, mas apenas a imagem reflectida num
espelho de uma folha de papel, a mesma
Sisudo,
A mesma folha de papel onde escondias as notas
musicais, a mesma onde escondias o meus lábios e me proibias de te
beijar, e era nessa mesma folha de papel onde guardavas as minhas
mãos, para que eu, para que eu não te acariciasse o teu copo
sonolento com sabor a melódicos sons e a poéticos suspiros, e os
teus lábios acabavam, já de madrugada, por morderem-me o meu
pescoço e o meu peito,
Sisudo eu, sisudo eu,
E fumava desalmadamente para não te morder os
lábios e os teus seios poisados sobre o teclado sombreado de um
piano, de um piano, que nunca ninguém viu, que ninguém sabe a
idade, nome, ou a localidade onde habita, mas sinto-o, mas sinto-te
na minha cama debaixo dos meus lençóis...
(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó