quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Lágrimas?

foto de: A&M ART and Photos

O comboio sonolento deserta e foge dos carris lençóis de água que embrulham as mãos das locomotivas embriagadas, algumas tombadas como crianças depois de descer a tempestade sobre os telhados de vidro que cobrem os cobertores da inocência,
Farto-me de mim, farto-me deles, delas, farto-me das palavras e dos pequenos grandes voos de areia sobre as árvores invisíveis,
Farto-me do silêncio disfarçado de sofrimento, farto-me deste (sofrimento) quando se veste de insónia e rompe noite adentro, deita-se sobre mim, como se eu fosse um corpo prostituto, camuflado, como se eu fosse uma personagem sem nome, idade desconhecida, uma personagem sofrida, comestível, comiam-me se eu deixasse..., e os palhaços de porcelana sombreados na janela das estações com paragem obrigatória, bebíamos vodka pensando que eram melódicas palavras abraçadas a poéticos lábios de sémen,
O comestível comboio com rodas de algodão...
Nascia o poema, o amor, a paixão, nascia o corpo, o teu corpo vagão carruagem correndo léguas de searas com espantalhos vestidos de palheiro solitário, choravas, choravam, gritavam, gritavas, gemias, gemiam... e acabavam sempre por regressar ao Tejo, rio acima, comíamos a ponte de aço, fumávamos os cigarros com sabor a dunas de areia esbranquiçada, alimentávamos-nos de suor e carícias desenhadas pelas mãos calejadas dos homens e das mulheres filhas e filhos, dos socalcos, olhando, brincando, sei lá... o rio que só termina na cidade com pronúncia do norte,
O comestível comboio com rodas de algodão..., e silêncios de medo,
E
Amanhã não saberás o meu nome, levantar-te-ás, vais à janela e vais perceber que o rio, o rio sou eu..., eu, e
Lágrimas?
E os barcos, sim, também sou os barcos, de papel, de esferovite... os barcos em madeira, eu, levantar-te-ás... olharás os meus olhos
E
(não te conheço)
E lágrimas, e nada, e escuridão dentro das algibeiras dos anzóis comestíveis... e eu? Eu, eu e lágrimas, e tréguas, de silêncios, de medos, de janelas encerradas e de esplanadas como vodka derramada sobre o teu corpo de amêndoa,
Amar-me-ás?
(não te conheço)
Não,
Não sei se...
E
Amanhã não saberás o meu nome, levantar-te-ás, vais à janela e vais perceber que o rio, o rio sou eu..., eu, e
Lágrimas?
Navegáveis mãos as milhas nos teus seios de madrugada, cabelos embebidos no vento da paixão, zangado, eu? Navegáveis mãos, preciosos palheiros guardando as sementes do teu púbis que o triste pôr-do-sol inventa nas tuas coxas, e
Quem és, tu, mulher de tecido marinho?
E
(não te conheço)
Amar-me-ás? Nunca o saberei..., (como se eu fosse uma personagem sem nome, idade desconhecida, uma personagem sofrida, comestível, comiam-me se eu deixasse..., e os palhaços de porcelana sombreados na janela das estações com paragem obrigatória, bebíamos vodka pensando que eram melódicas palavras abraçadas a poéticos lábios de sémen),
E apenas sou um barco, e apenas sou um rio... um rio sem nome, idade... com paragem obrigatória, bebíamos vodka pensando que eram melódicas palavras abraçadas a poéticos lábios de sémen, Amanhã não saberás o meu nome, levantar-te-ás, vais à janela e vais perceber que o rio, o rio sou eu..., eu, e
Lágrimas?

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha

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