quinta-feira, 13 de junho de 2013

Claro que isto é poluição dizia-me ela

foto: A&M ART and Photos

Também como eu, ele perdido nas aranhas nauseabundas das flores campestres que alguém resolveu trazer do interior mais longínquo à aldeia deixada ficar adormecida na montanhas dos cabelos castanhos, os olhos vestiam-se-lhe de púrpura como restos de comida transformados em vestidos de gala, nos lábios um leve sorriso a bâton em tom de encarnado, sobre as mandíbulas coxas um exuberante perfume de areia com sabor a hidratos de carbono, e quando lhe pedia para me emprestar o isqueiro, com voz de rinoceronte, dizia-me... há muitos a vender no café,
Claro que havia, também havia lâminas de vodka embalsamadas em colheres de sopa, sem sopa, como tinha a hora marcada para o temido xarope para a tosse, o médico que era dos cigarros, eu, não, para mim o problema estava na poluição que se fazia sentir à nossa volta, e bastava darmos as mãos, descer a calçada... e uma pasta negra começava a ser expelida através das narinas...
Claro que isto é poluição dizia-me ela,
E eu quando regressava às consultas queixa-me ao meritíssimo doutor que o meu problema era devido à poluição, e ele, olhava-me, olhava-me... e entre dentes
Tem juízo rapaz, e deixa os cigarros,
Trezentos corações de argila perdidos pela cidade dos sonhos, confesso, hoje, que nada me faz recordar os jardins dos teus olhos, aqueles que me olhavam à distância, e eu, dentro de um cavalo de ferro em direcção a um rio sem nome, ia-me perdendo, aos poucos caiam-me os dentes de leite, e quando assentei arrais sobre as laje verticais em pequenas folhas de alumínio, minúsculas, às vezes tremendo de frio quando na rua a temperatura rondava os quarenta graus centígrados, e curiosamente, vestia-me com o sobretudo castanho e sentava-me num banco do velho jardim à espera que regressassem os barcos vindos do outro lado da avenida, cansado, sentia-me perdido dentro de uma caixa de fósforos, e
E eu quando regressava às consultas queixa-me ao meritíssimo doutor que o meu problema era devido à poluição, e ele, olhava-me, olhava-me... e entre dentes
Tem juízo rapaz, e deixa os cigarros,
(olho-os)
E no meio do caos, sobre tijolos de argila, o amor surge como asas de uma gaivota regressada do distante Tejo, um homem e uma mulher, beijam-se enquanto um deles segura a Bandeira Turca, tamanha beleza é pouco, e é mais do que isso, é poesia, é loucura, é a paixão... e firmemente espera pela chegada do dia, da liberdade, e não há prisão que acorrente a paixão e o amor,
Porque os sonhos dos trezentos corações de argila, saltitam sobre as árvores em redor da Praça Taksim, e o prazer estremece os amedrontados, e excita os velozes homens e mulheres, destemidamente livres como os pássaros de Favarrel – Carvalhais – S. Pedro do Sul, e
(olho-os)
“Também como eu, ele perdido nas aranhas nauseabundas das flores campestres que alguém resolveu trazer do interior mais longínquo à aldeia deixada ficar adormecida na montanhas dos cabelos castanhos, os olhos vestiam-se-lhe de púrpura como restos de comida transformados em vestidos de gala, nos lábios um leve sorriso a bâton em tom de encarnado, sobre as mandíbulas coxas um exuberante perfume de areia com sabor a hidratos de carbono”..., e descobri o verdadeiro amor que vive na cidade dos rios de prata...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

marés nocturnas de um quarto de pensão

foto: A&M ART and Photos

Não desistas cidade adormecida
em procurar o mar perdido
não não desistas dos rios submersos e das esplanadas inventadas
por mulheres embriagadas
homens cansados mergulhados em marés nocturnas de um quarto de pensão
não desistas dos sexos embainhados e prontos à janela
esquecendo que dos pobres candeeiros a petróleo sofrem as mãos do poeta
batendo teclas e acorrentado a um edifício em formato de cadeira de vime,

Não desistas beijos aos socalcos rio entranhado nos seios da montanha
ruas desertificadas desertas amontoadas como lixo sobre a areia molhada
não desistas de brincar
e de desenrolar os lençóis em linho pergaminho
mulher da vida invertida
como uma pequena equação sobre a pele polaroid dos teus círculos de prazer...
luzes de esferovite começam das lágrimas sobre a copa das árvores imaginárias
e dos barcos teus lábios eu sinto-te dentro de mim como um vulcão estonteante,

E nobre
perdidamente apaixonado pelas pedras veias dos xistos encarnados
ente os dias de solidão
e as nádegas húmidas dos torrões de açúcar sobre a mesa-de-cabeceira
farto-me da tua voz parecendo uma galinha implorando a chegada de um qualquer Sábado
de uma infinita semana
e nobre
teu meu corpo de serpente envenenada...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Tínhamos um bibe com pintinhas

foto: A&M ART and Photos

Ouvíamos as poucas migalhas que a insónia deixava em nós como acontecia com os candeeiros em alumínio debaixo da nossa janela da casa de banho, durante a noite um corredio de chinelos entre o corredor e o Hall de entrada, que muitas das vezes, a porta ficava num estado de medo, assustava-se o corrimão de acesso ao nosso andar, e nunca percebemos a razão de tanta desgraça, e se havia fome entre as caixilharias, nunca o percebemos,
Os cobertores e os espelhos da velha escada de madeira, dormiam já, eu e ela, de mão dada, tropeçávamos nas sombras que do penumbro silêncio vindo da clarabóia ia aos poucos desenhando círculos de luz no gesso em pequenas frestas que nos conduziriam até ao terceiro andar, embriagados, nós, cambaleávamos como trapezistas sobre um arame que atravessava a rua não muito larga, em frente à casa onde tínhamos um quarto alugado, havia uma igreja, ante de introduzir a chave na ranhura da fechadura, benzia-me, e perdia a Deus que me acompanhasse na derradeira viagem sobre a noite até a um quarto com uma velha cama estreita e sem janela, e um vidro sobre uma chaminé invertida, mostrava-me o céu quando rompia a manhã,
Éramos crianças com bibe no recreio da escola, quando chegava a casa, acompanhava-me a comichão do bichos do velho pinheiro, e do outro lado da rua, mesmo em frente à escola, tínhamos o mar, o cais ficava a uns quinhentos metros, e eu, em vez de olhar a professora com as explicações de geometria, preferia contemplar a felicidade dos barcos, apreciava-lhes a liberdade, e sobre o oceano, ninguém, ninguém lhes interrompia os grandes voos de gaivota de motor a diesel,
Subíamos encostados aos cordéis das esplanadas da calçada inclinada, ombro com ombro, eu amparava-te, e tu, imaginavas segurar-me a mão como dálias do mesmo canteiro olhando o sol, em pedaços de milímetro desperdiçados nos paralelos solitários, pegava-te e erguia-te, e já dentro do pequeno cubículo, despia-te, e ficava assim..., como quem observa uma tela acabada de pintar, olhava-te, e no teu corpo, escrevia poesia com o meu olhar, e com as minhas mãos, desenhava-te o mar, sentia-te respirar e sabia que estavas viva, dormias, sonhavas com carcaças de velhos petroleiros deambulando durante a noite corredor fora, debaixo de nós ouvíamos o bater de asas dos barcos em pequenos voos rasantes, éramos novos ainda
Tínhamos um bibe com pintinhas,
Brincávamos no recreio, ouvíamos as poucas migalhas que a insónia deixava em nós como acontecia com os candeeiros em alumínio debaixo da nossa janela da casa de banho, durante a noite um corredio de chinelos entre o corredor e o Hall de entrada, que muitas das vezes, a porta ficava num estado de medo, assustava-se o corrimão de acesso ao nosso andar, e nunca percebemos a razão de tanta desgraça, e se havia fome entre as caixilharias, nunca o percebemos, como hoje, não percebo o teu nome murmurado enquanto dormes, e apenas sei que o teu cabelo ocupa a minha almofada, alimenta-se dela, vive nela, como viviam as palavras engasgadas da tua garganta recheada com melódicas canções e poemas por declamar,
Estávamos no recreio, sentia a tua voz, éramos do tempo do Bar um (em Vila Real) e os dois, de bibe, ficávamos até que toda a gente se evaporasse, até que tu e eu ficávamos frente a frente, mergulhados em vapores de iodo, como velhos sonhos em velhas camas, elas, rangiam, e percebíamos que dos orgasmos delas, uma apenas almofada, guardava o perfume do teu cabelo,
A professora chamava-nos, saíamos do Bar Um e voltávamos às lições de geometria, e um dia, aprendemos que o teu corpo era como os poemas de AL Berto; quantas mais vezes os líamos, mais apetecido ele era, é, e hoje, nós, sem os bibes, limitamos-nos a
Olá, estás bom?
Olá, como estás!
Vou, vou andando...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

o amor envergonhado

foto: A&M ART and Photos

imagino o amor envergonhado
aquele que procura nas palavras os abraços prometidos
o amor às vezes não desejado
que acontece como o granizo em plena tarde de Primavera

imagino e percebo
o desassossego dos olhos envenenados pela íris das sebentas
aos gemidos frios sonhos que inventavas

o amor
o raio do amor travestido e cansado
embrulhado num velho cobertor
entre palhas e silêncios
das janelas do abismo
os beijos
sem sentido
quando uma mão poisa sobre mim
sinto-a a argamassar-me como dentaduras em marfim
no meu pobre esqueleto de vidro
comendo-me ossos e sentimentos
e o amor zangado e perdido

o verdadeiro amor
de joelhos
junto ao mar
percebo das imagens reflectidas pelos espelhos do prazer
que zarpaste em direcção a uma ilha sem nome
idade
coração nem falar...
o amor
em ti
de ti
eu desejar
sonhar

o amor
fictício como lâminas de barbear
o amor sofrido sobre as árvores em flor
o amor...
aquele eterno amor
perdido numa calçada da Ajuda.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 11 de junho de 2013

A dactilógrafa em lápis de cor

foto: A&M ART and Photos

“Precisa-se de menina com o curso de dactilografia, experiência em teclados HCESAR, AZERTY e QWERTY, excelente apresentação, e terá como função desenterrar manuscritos de três velhas caixas de cartão onde jazem cerca de mil (textos e poemas), horário compatível com o vencimento, entrada imediata,”
Está frio, cercam-se os animais de encontro ao curral, as ovelhas paralelamente à linha do comboio com destino a Lisboa, Santa Apolónia, parecem substâncias amorfas, empobrecidas e levianas, levava comigo uma pequena mochila, pouca roupa, um par de sapatos, alguns papeis em branco, uma caneta e um lápis e uma velha borracha, no fundo, dormitava o único livro que me acompanhava, lembro-me como se fosse hoje, e podia eu lá esquecer, “Douto Jivago” de Boris Pasternak, Russo, ex-URSS, Prémio Nobel da Literatura em 1958, que infelizmente, e por razões políticas, não lhe foi permitida a deslocação a Oslo para receber o respectivo Prémio, coisas da vida, vida enfadada de coisas, no entanto, chego a Santa Apolónia com a esperança de ressuscitar o grosso volume em pedaços de cereja, e saboreados à beira Tejo, quase que o consegui, não fosse, eu não por razões políticas, mas meramente porque me distraía com o entrar e sair da barcos que quando voltava à leitura, já as páginas do meu livro tinham zarpado, levantando âncoras e desaparecido no horizonte, apenas tinha comigo mil escudos,
Havia montes e vales que eu desconhecia, havia árvores que eu nunca tinha observado em toda a minha vida, e claro, como podia eu esquecer-me das minhas ovelhas, quem sabe, perdidas, ao Deus dará, entre chuviscos e pequenas candeias de gesso que cambaleavam-se-lhes com o silêncio dos guizos, às vezes tinha medo por mim, quando acordava, olhava-me no espelho minúsculo e perguntava-me
Sonhaste com quê, hoje?
(e eu recordo-me que durante meses não sonhei)
Encontrava-me no final do dia com homens que se vestiam com plumas castanhas e com mulheres que se encharcavam em vodka até que o Tejo desaparecia do pôr-do-sol, e elas, começavam a voar em direcção à margem Sul, o Fernando cismava que queria um par de botas da tropa, e eu cismava que brevemente estaria novamente com as minhas queridas ovelhas, nem uma coisa nem a outra, apenas me lembro de ter aberto os braços...
Velhos ciúmes que um velho televisor a preto-e-branco inventa às mãos da dona Teresa, do rádio os gemidos sons da “Simplesmente Maria”, ouvia-a. Ouvia-a... e que nunca a percebi, confesso que era ignorante, e acreditava que os sons que entravam em mim vinham de um conduta como vinha a água potável, e em criança, apenas em calções, brincava com o arrefecimento lento da torneira do quintal, ouvia o galo desesperado por volta das cinco da madrugada, e mesmo ainda não conhecendo as horas e para que serviam os relógios, todos eles e que não eram muitos, desiludi-me quando descobri que o rio que eu olhava tinha deixado de existir,
Não acredito, dizia-me ele,
E quando acordo, sinto-me no fundo de uma planície de areia, sobre mim, hélices várias em movimentos vãos, como as páginas do livro de Pasternak que ainda eu vivo, lia vagarosamente, tão vagarosamente... que me esquecia de adormecer, que me esquecia que tinha terminado o dia, começado a noite,
E
Imaginava-a sentada a uma secretária, e conforme eu ia falando, ela silenciosamente teclava os silêncios do meus lábios, e percebi que tinha morrido,
Precisa-se de menina com o curso de dactilografia, experiência em teclados HCESAR, AZERTY e QWERTY, excelente apresentação, e terá como função desenterrar manuscritos de três velhas caixas de cartão onde jazem cerca de mil (textos e poemas), horário compatível com o vencimento, entrada imediata, e por motivos de GREVE os muros em betão do recreio da escola
O Fernando cismava que queria um par de botas da tropa, e eu cismava que brevemente estaria novamente com as minhas queridas ovelhas, nem uma coisa nem a outra, apenas me lembro de ter aberto os braços..., e tombado livremente como uma andorinha depois de fazer amor como o cacimbo,
E os muros em betão, estão lá, esperam-vos, como eu espero que apareças vestida de branco em movimentos circulares sobre o teu branco também cavalo, e apenas te peço, imploro, que me deixes ficar a olhar-te, poiso os cotovelos sobre o portão de entrada e imagino-te hoje a dactilografar este texto...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Corpos como cansaços da solidão

foto: A&M ART and Photos

O corpo como o cansaço da solidão, submerso nos cadeados braços dos beijos encostados aos arbustos teus lábios, sentia-se a penumbra fria pele silenciosa como um texto acabado de escrever, ouvia-se ainda o cheiro da tinta, negra, derramada da caneta de tinta permanente, velhinha mas ainda de excelente saúde, como os teus olhos, quando me olhas e perdes a voz, ficas afónica, perdes-te nas palavras, desorganizas-te como textos escritos sobre os joelhos de um qualquer vagabundo, encerras os olhos, desces o cortinado do escritório, sentas-te no sofá e inventas mil desculpas para não me ouvires,
Percebo-te, claro, havíamos um dia de descobrir o buraco de minhoca que nos separou, é evidente que para o comum dos mortais não nos entende, às vezes, eu mesmo não consigo entender-te, e quando pego no livro de equações de Einstein para nos entendermos, mesmo assim, fico sem saber... quem sou eu? E tu, ainda existirás como mulher? Não serás hoje apenas um pequeno ponto de luz na distância mais longínqua? Pergunto-me enquanto fecho o livro, esqueço as equações e recordo-te conforme uma flor quando nasce, nua, viril, semicondutor os teus seios em púrpura de novos desenhos esquecidos no frio betão de ontem,
O amor, o amor desperdiçado, por medo, vergonha, timidez, por falta de luzes ou porque as estrelas deixaram de brilhar, parvoíces, medos sem significado, o amor desperdiçado entre as silvestres manhãs de neblina que absorviam os Sábados de Novembro, eras tua ainda, e depois de abrirmos a janela virada para o Tejo, uma golfada de ar entrava-nos e iluminava-nos o quarto ainda desarrumado, lá fora, apenas sentia o fumo do meu cigarro em curvas para depois se dissipar contra os fios de aço que prendiam um petroleiro à calçada, mesmo debaixo da nossa janela...
Ai o amor,
E era Sábado em ti,
A despedida do rio e as lágrimas minhas como desejos em voos de madrugada amanhecer, deixaste de ocupar o lado esquerdo da almofada, e as gaivotas nunca mais poisaram no peitoril da tua janela, aquela, a única que tínhamos com acesso ao rio, depois, veio a chuva, o granizo, as geadas, o frio, o inverno disfarçado de ódio, quando ódio nunca viveu nas nossas pequenas mãos, depois as palavras, as palavras que teimas em não pronunciar, por medo, vergonha, sofrimento, por amar, o mar, entender-te como entendo os barcos, não, não sentado
A alvorada de ti sobre mim, os dias tristes antes da chegada do Natal, passeava-me na rua e esquecia-me dos néons correndo a cidade, à solta em cada rua que eu entrava, olhava-os e quase que me pareciam cadáveres sem esqueleto, corpos, corpos como cansaços da solidão,
Ai o amor,
E era Sábado em ti,
Hoje, procuro a tua mão entre os escombros da saudade, não a encontro, vejo-me através do espelho da minha amiga Maria, sentado, triste, procurando um jardim para me aportar, lançar âncoras ao fundo, e entre fumo e luzes invisíveis, contar as gaivotas de sorriso igual ao teu e quantos apitos por minuto se ouvem dos engasgados barcos de porcelana, velhos, que sobre a mesa da sala de jantar, navegam, como moscas e abelhas, à procura de ti, como eu, entre escombros e falsos cinzeiros, e de ti, nada, nem um sorriso observo à entrada da barra, e lembro-me que deixaste de ser barco, e hoje, não sei, nunca o soube, depois dos Sábados de Novembro
E era Sábado em ti,
E tu, ainda existirás como mulher? Não serás hoje apenas um pequeno ponto de luz na distância mais longínqua?
Era sábado de luz...

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha