sábado, 20 de abril de 2013

Ficcionado eu de ti marinheiro

foto: A&M ART and Photos

Ficcionado eu na tua mão sideral em pedaços imaginários
de cristal e finos objectos de luz,
há uma lareira que se extinguiu dentro do teu peito de caverna inventada
pelas palavras de uma árvore perdida na montanha,
há ruas que nunca tiveram saída,
tu sabias,
e nelas continuaste a caminhar
como... se passeasses sobre o silêncio mar,

Ficcionado eu nos teus seios de pano
que serviram para embrulhar luares e noites de prazer,
há nessas mesmas ruas,
aquelas que nunca tiveram saída e tu caminhavas,
relógios de pulso e canções de amargo amor,
e tu sabias
que eu era uma simples sombra
como um copo moribundo na mão de uma mulher pintada de negro,

Eras a noite
e aparecias-me quando as luzes da insónia cessavam,
morriam,
eras a noite que sempre tive medo
e cobria-me com o cobertor cinzento...
para que não desses por mim,
ou descobrisses que o meu esqueleto em vez de ossos
tinha ficcionado uma pomba branca cansada de voar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha


Em destaque – Sapo Angola

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A roulote da alegria

foto: A&M ART and Photos

Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, e tínhamos medo do dia seguinte, e quando acordávamos, continuava tudo igual ao dia de ontem, amanhã, dizem, amanhã é Sábado, levantarmos-nos não muito cedo, o duche, o pequeno-almoço, e uma torrada para o REX, tomar café, de preferência DELTA RUBY, e depois de enganar-me com as sombras de cigarros apagados desde Maio de 2012, regresso a casa, ligo o portátil e escolho o Ubuntu como Sistema Operativo, fartei-me do Windows e das suas birras, parecendo às vezes certas mulheres, chatinhas, tão chatinhas que as prefiro a elas do que a ele, mas enquanto existir o Linux não o trocarei por outro qualquer, porque há coisas inconfundíveis, incontornáveis, amores eternos, amores como o das pessoas, amores
(sou a favor do software livre e aberto a todos)
E depois de tantos amores, e depois de portátil ligado, vou à minha caixa do correio, - Levanto-me, abro a porta da biblioteca, passo pelo corredor, atravesso em bicos de pés a sala de jantar, mergulho num pequeno Hall e depois de ultrapassar a cozinha, entro definitivamente no quintal, e cerca de quinze metros depois, abro a caixa, e correio... nenhum – quem é que tinha o atrevimento de me escrever, digam-me – Quem? - só o “Fisco”,
(andávamos de abraço em abraço, andávamos de gemido em gemido)
Faço uma visita breve ao meu blogue, talvez escreva alguma coisa, depende dos sábados e do estado da caneta Parker de tinta permanente, até à data nunca ame deixou ficar mal, escreve sempre aquilo que quero e desejo, e Às vezes, até me obriga a escrever aquilo que não quero, mas ela é assim, e assim me vai acompanhar até ao fim
(fim de mim, fim de ti, ou fim de um texto qualquer ou poema)
Copiam tudo, aqueles sacanas, e de “O Medo” de AL Berto, na mão, abro-o, e verifico que é uma edição de Outubro de 1991, Contexto-Círculo de Leitores, e com o número de edição do Círculo de Leitores 3138, nada disto importa, apenas que este livro vale algum dinheiro – Talvez cento e vinte euros – mas a minha curiosidade está na contracapa onde vive um pequeno texto meu, de 9 de Maio de 1994, em Vila Real e digo ser esse o dia mais feliz da minha vida,
E reza assim,
“Não tenho medo
de estar só...
não tenho medo de morrer,
mas... sinto medo de estar vivo!
E se eu morrer,
Que seja sozinho;
tenho medo da multidão,
e sei que não estarás ao meu lado!



Claro que eu percebo estas palavras e porque as escrevi naquela data, mas já não importa, e copiam tudo, aqueles sacanas, copiam os poemas, copiam-me os textos, copiam tudo, aqueles estúpidos pássaros de bico amarelo e negros como a noite, recordo-me em miúdo de ver um em casa do meu avô, dentro de uma gaiola, e já na altura, ficava confuso ver alguém com asas dentro de um pedaço de rede, sem liberdade, apenas porque canta lindamente,
(e se um dia, um louco, fizer o mesmo comigo, isto é, construírem à minha volta uma rede invisível, onde me aprisionam, apenas porque escrevo, apenas porque gosto de ler, apenas... porque sou eu)
Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, sem flores, sem janelas, depois, depois voaram-nos as palavras e os bancos de jardim com meninas de livro na mão, sentadas, cruzavam a perna, e de saia meio de chita, meio de qualquer coisa, esqueciam-se que eu era um pássaro esquecido dentro de uma gaiola numa aldeia do Concelho de S. Pedro do Sul,
(- Tens saudades minhas, meu querido amigo? - e só sei que era Sábado, e que depois de escrever qualquer coisa, deixava o portátil ligado, música em sons melódicos para os fantasmas da livraria, e antes do meio-dia, todos os Sábados, dirijo-me à barbearia do senhor António, desfazem-me a barba e venho descontraidamente almoçar, com o meu querido AL Berto sempre à minha espera, sobre uma secretária de madeira)
Uma das meninas levantou-se do banco onde estava ancorada, colocou o livro debaixo do braço, o olhar dela cruzou o meu, e hoje, hoje acompanha-me todos os dias e todas as noites dentro da roulote da alegria.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Diluído em azuis e castanhos

foto: A&M ART and Photos

Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e as pernas, tenho uma vaga sensação que eram de granito, e havia uma escada de acesso à caverna, entrávamos, amplamente arejada, uma enorme entrada, e sem janelas, e depois, continuava por um corredor, curvilíneo, até desaparecer na escuridão da noite, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas
(que animais fariam mal a duas apaixonadas sombras?)
Ao longe ouvíamos o sombrear da lua quando caminhava sobre a copa das nuvens, tão finas, tão belas e tão doces, diziam-nos que eram de açúcar, mas por infelicidade, mas porque o destino nos tramou quando resolveu juntar-nos numa noite de Setembro, nunca tivemos o tempo necessário para verificarmos se realmente as nuvens eram de açúcar, mas que cheiravam bem, lá isso cheiravam, e que quando chovia, sentávamos-nos cá fora, e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas, sem imagens, desenhos, e palavras, e ao
(animais)
Longe tínhamos terminado de acender os candeeiros a petróleo, nas mochilas apenas alguns cadernos, alguns livros, e lápis de carvão, e todas as noites, enquanto olhávamos a labareda da velha fogueira, olhava-lhe os olhos e imaginava um rebanho de ovelhas saltitando nas terras férteis e indomáveis de Favarrel, ainda conseguia imaginar o tio Serafim em corridas loucas e à pedrada contra a estrelada, e esta, quando regressava a casa, tardíssimo, mancava, e o velho
(que tem a ovelha, rapaz? - Caiu da parede abaixo, meu pai – e o velho dizia-lhe que no dia seguinte a estrelada ficava no curral, e o Serafim contente, saltava de alegria, porque depois da escola já não ia com as ovelhas para o pasto...)
E o velho tudo fazia para que o filho fosse agricultor, e o Serafim comportava-se como um artista, cantava fado, contava histórias, andou pelas ruas de Lisboa e quando regressou a casa convenceu toda a gente que tinha estado no Brasil, e durante dois ou três anos, ninguém, ninguém sabia do paradeiro do cantante que saiu de casa propositadamente para viajar até às terras de Vera Cruz..., ficou por lá encantado com os cheiros e com os sons
(do Tejo)
E com as mulheres de lá, onde durante a noite se escondia em tasquinhas perdidas em ruelas, e de dia, de janela encerrada, e de cortinado puxado até aos confins do Inferno, ressonava canções com sabor a vinho e sonhava com barcos que se faziam passear pela Terra Nova na peugada do fiel amigo; o eterno bacalhau,
“Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e porque transpirava o espigueiro recheado de espigas de milho, e porque tinham os melros medo do escuro, quando alguém por engano, desligava o interruptor do dia, vinha a noite, trazia com ela outras amigas, bebíamos, comíamos e fumávamos, sem que nunca tenhamos percebido, sem que nunca tenhamos admitido, que, ontem, na caverna, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas os animais ferozes, éramos nós, eu, ela”
(e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas e os títulos a negrito, poucas palavras, as datas mais importantes, o nascimento, e o último a morrer, ficará encarregue a reescrever a história e a data final de quando terminar a fogueira, tudo dentro da caverna cessará de respirar, e apenas a cinza da fogueira ficará como testemunha do amor de dois apaixonados, risíveis, ternos e com saudades do apito do comboio em corridas loucas na linha de Cais do Sodré até Belém, saía, puxava de um cigarro, e)
Como cresceu o milho,
(e sentava-se no parapeito da janela imaginária para o Tejo)
E não só o milho, o rapaz também está crescido, e a própria cidade, parece obesa, oca, sombria, uma cidade dentro de outra cidade, que, que hoje já não existe...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Três tristes madrugadas

foto: A&M ART and Photos

Três tristes rostos
embrulhados em três tristes madrugadas
com três indefinidos tigres coloridos
nas três primeiras semanas do mês,

Três mulheres desalmadas
sós
apaixonadas
três... rostos sombras espelhos ou montras de incenso...

Três horas
em três relógios trigémeos
nas três madrugadas tristes
embrulhadas,

Três tristes rostos
com três lindos pincéis de areia
três barcos e três Marias
e... três... três gramas de paciência.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O último nome e o último desejo à espera do último sonho

foto: A&M ART and Photos

Foi a última vez que escreveste o meu nome, escreveste-o, continuas a escrever-me no silêncio dos Deuses e fazes-lo como se eu ainda estivesse vivo, e deixei de estar, e deixei de pertencer ao musgo ensonado que cresce no tronco dos pinheiros mansos, recordo-me de apanhar pinhões debaixo de um pinheiro ranhoso, rabugento, e tinhoso, que habitava no recreio da escola, sentava-me sobre as pedras em repouso, e fazia com que outras se movimentassem, às vezes, errava o alvo, partia um dos vidros da janela da escola, quando chegava a casa
(faziam-me uma festa, havia banda de música, havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente, e na minha peugada, o meu pai tentando acertar-me mas como sempre, eu parecia invisível, e como sempre, eu atravessava as paredes, e bastava um simples olhar...)
Sobre a secretária, quando chegava a casa, os destroços de um amor, pensava-se que eterno, mas nem as palavras são eternas, nem as pessoas, nem os corações, e procurava entre o desalinhado sossego dos objectos destruídos pela intempérie, ainda deixaste restos de café dentro de uma chávena envenenada pela presença das pérolas e de uma caneta de tinta permanente
(procurei o teu nome em vão, não respondias, e entrei em cada compartimento daquela casa assombrada, para finalmente perceber, que... tu tinhas partido, definitivamente, como partem os pássaros depois da Primavera, procurei, e procurei, e encontrei sobre a tua secretária os teus restos mortais, aqueles que já referi e mais uns botões de rosa dentro de um copo com água, sentia-se no ar o perfume, a essência, a fragrância das palavras deixadas ao acaso dentro de uma carta de despedida, ou simplesmente, de uma declaração, - De amor? - e enquanto fixava o olhar na caneta de pinta permanente, como se fosse um filme, um conjunto de imagens construíam-se-me e do nascimento dela, passando pelas ressacas da falta de tinta, dos textos e textos em meio por meias palavras, porque ela, simplesmente se recusava a escrever, a enquanto uma mão de menina a segurava, enquanto uma mão de criança bati-lhe o aparo sobre a madeira da secretária, e o texto, aos poucos, esmorecia, e morria, e deixava de existir, a a menina, e a criança, ambas, sorriam..., sorriam como nuvens de finíssima adrenalina)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com os resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu perguntava-me – De que me serve esta faca de prata? - correspondência pouca recebo, do correio electrónico, não é necessário abri-lo com a ajuda de uma faca de prata, e até os livros modernos, esses, já nem é necessário abria-lhes as páginas como o fazia quando adolescente..., e parece que tudo se perdeu, e parece que até o cheiro do papel não é o mesmo cheiro do papel de antigamente, os jornais, não têm o mesmo cheiro, e ainda recordo quando após folhear algumas das páginas, percebia-se posteriormente... - De que me serve esta faca de prata? - percebia-se que tinha os dedos e as mãos com o cheiro da tinta do jornal e de cor negra, hoje, hoje procuro-te, abro cada compartimento, até já fui ao sótão, mas de ti, nem sombra, nem o perfume, nem o som do teu colar de pérolas quando regressavas a altas horas da madrugada, sentavas-te na tua secretária, rabiscavas algo no teu caderno e depois, depois de pegares num dos botões de rosa e o cheirares, tiravas o colar de pérolas, e poisava-lo sobre a secretária, e nunca, nunca esqueci esse som melódico e poético,
(desacreditado que dos muros de xisto as folhas de videira cessem de crescer no olhar da melancolia, e se alicerce a tristeza nos gonzos desmiolados das portas e janelas com a boca virada para o mar, acreditava que as madrugadas intermináveis, não morriam, e morreram como morrem as pequenas línguas de fogo que a paixão deixa cair sobre a pele macia dos corpos clausurados nos castelos de areia - havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente em passos apressados como um louco – e nunca deixei de gostar dele)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com o resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu pergunto-me
(porquê?)
Pergunto-me se em vez de uma despedida no meio de uma feira de velharias, pergunto-me, se eu tivesse comprado o barco de papel, que sobre uma mesinha estava à venda por uns míseros Euros, - vê melhor, pior ou igual do que via com as lentes anteriores? - e sinceramente, não sei, não sei senhor doutor, mas é uma verdade que a letras miudinha de alguns livros, mesmo com estes óculos, não as consigo ler,
(e o meu sonho era viver dentro de um barco).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As sombras cinzas dos cigarros perdidos

foto: A&M ART and Photos

Inventaste o medo para me afugentares
dos braços silêncio em espuma submersa nas manchas do prazer,
acreditava nas gaivotas com coração de prata
e lábios desconexos percorrendo searas adormecidas
e voando mais alto, perdiam-se, como os grãos de areia de fina estampa

nos corpos de madeira depois de derrubadas,
depois de assassinadas, todas as árvores e arvoredos
que a insónia imprime nos teus seios de pedra-pomes,
havíamos um dia de cruzarmos-nos numa rua sem saída
que o tempo deixou esquecida na cidade dos fantasmas vaidosos,

não acreditei,
não percebi que das sombras cinzas dos cigarros perdidos
pudesse sair o teu corpo húmido como uma manhã quando a neblina,
espessa, árida, cobre o rio com todas as gotinhas do suor tua pele,
quando a tua neblina penetra incessantemente as flores de um jardim enforcado,

um jardim sombreado, lapidado a lápis de cor,
eu ouvia
e,
eu ouvia e sentia nos teus doces lábios o cansaço dos dias
e das noites como um náufrago

há procura das rochas vermelhas,
roubava ao luar a sanidade mental de estar vivo,
e acreditar que amanhã,
depois de acordares,
deixavas de inventar o medo, e me abraçavas como as sílabas deitadas na página de um caderno...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha