foto: A&M ART and Photos
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Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em
luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de
inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre
as fragas frágeis das aldeias em flor, e tínhamos medo do dia
seguinte, e quando acordávamos, continuava tudo igual ao dia de
ontem, amanhã, dizem, amanhã é Sábado, levantarmos-nos não muito
cedo, o duche, o pequeno-almoço, e uma torrada para o REX, tomar
café, de preferência DELTA RUBY, e depois de enganar-me com as
sombras de cigarros apagados desde Maio de 2012, regresso a casa,
ligo o portátil e escolho o Ubuntu como Sistema Operativo, fartei-me
do Windows e das suas birras, parecendo às vezes certas mulheres,
chatinhas, tão chatinhas que as prefiro a elas do que a ele, mas
enquanto existir o Linux não o trocarei por outro qualquer, porque
há coisas inconfundíveis, incontornáveis, amores eternos, amores
como o das pessoas, amores
(sou a favor do software livre e aberto a todos)
E depois de tantos amores, e depois de portátil
ligado, vou à minha caixa do correio, - Levanto-me, abro a porta da
biblioteca, passo pelo corredor, atravesso em bicos de pés a sala de
jantar, mergulho num pequeno Hall e depois de ultrapassar a cozinha,
entro definitivamente no quintal, e cerca de quinze metros depois,
abro a caixa, e correio... nenhum – quem é que tinha o atrevimento
de me escrever, digam-me – Quem? - só o “Fisco”,
(andávamos de abraço em abraço, andávamos de
gemido em gemido)
Faço uma visita breve ao meu blogue, talvez escreva
alguma coisa, depende dos sábados e do estado da caneta Parker de
tinta permanente, até à data nunca ame deixou ficar mal, escreve
sempre aquilo que quero e desejo, e Às vezes, até me obriga a
escrever aquilo que não quero, mas ela é assim, e assim me vai
acompanhar até ao fim
(fim de mim, fim de ti, ou fim de um texto qualquer
ou poema)
Copiam tudo, aqueles sacanas, e de “O Medo” de
AL Berto, na mão, abro-o, e verifico que é uma edição de Outubro
de 1991, Contexto-Círculo de Leitores, e com o número de edição
do Círculo de Leitores 3138, nada disto importa, apenas que este
livro vale algum dinheiro – Talvez cento e vinte euros – mas a
minha curiosidade está na contracapa onde vive um pequeno texto meu,
de 9 de Maio de 1994, em Vila Real e digo ser esse o dia mais feliz
da minha vida,
E reza assim,
“Não tenho medo
de estar só...
não tenho medo de morrer,
mas... sinto medo de estar vivo!
E se eu morrer,
Que seja sozinho;
tenho medo da multidão,
e sei que não estarás ao meu lado!
Claro que eu percebo estas palavras e porque as
escrevi naquela data, mas já não importa, e copiam tudo, aqueles
sacanas, copiam os poemas, copiam-me os textos, copiam tudo, aqueles
estúpidos pássaros de bico amarelo e negros como a noite,
recordo-me em miúdo de ver um em casa do meu avô, dentro de uma
gaiola, e já na altura, ficava confuso ver alguém com asas dentro
de um pedaço de rede, sem liberdade, apenas porque canta lindamente,
(e se um dia, um louco, fizer o mesmo comigo, isto
é, construírem à minha volta uma rede invisível, onde me
aprisionam, apenas porque escrevo, apenas porque gosto de ler,
apenas... porque sou eu)
Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em
luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de
inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre
as fragas frágeis das aldeias em flor, sem flores, sem janelas,
depois, depois voaram-nos as palavras e os bancos de jardim com
meninas de livro na mão, sentadas, cruzavam a perna, e de saia meio
de chita, meio de qualquer coisa, esqueciam-se que eu era um pássaro
esquecido dentro de uma gaiola numa aldeia do Concelho de S. Pedro do
Sul,
(- Tens saudades minhas, meu querido amigo? - e só
sei que era Sábado, e que depois de escrever qualquer coisa, deixava
o portátil ligado, música em sons melódicos para os fantasmas da
livraria, e antes do meio-dia, todos os Sábados, dirijo-me à
barbearia do senhor António, desfazem-me a barba e venho
descontraidamente almoçar, com o meu querido AL Berto sempre à
minha espera, sobre uma secretária de madeira)
Uma das meninas levantou-se do banco onde estava
ancorada, colocou o livro debaixo do braço, o olhar dela cruzou o
meu, e hoje, hoje acompanha-me todos os dias e todas as noites dentro
da roulote da alegria.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha