segunda-feira, 1 de abril de 2013

A cidade dos cães de xisto

foto: A&M ART and Photos

No quarto escuro, embriagados os relógios de pulso, encosto-me à parede circular, da velha penumbra fechadura que o empregado da ourivesaria deixou por esquecimento sobre o mármore do lava-loiças que vive na cozinha, desgraçado dele, finge-se de morto como as luzes da tristeza se fingem de árvores acesas nos jardins juntos aos Oceanos marinheiros de areia, e, e olho-me nos gonzos descomunais que os vidros de estanho provocam na face ocultas dos meninos traquinas, e olho-me, penteio-me, infeliz como os rebuçados de açúcar, nas geias íngremes até chegarmos à ribeira, olhava para cima do teu ombro escuro, e via as estrelas dançando nos lábios da tenda de circo que esta semana atracou amarras aqui na aldeia dos sonhos, as crianças ainda acreditam em palhaços e malabaristas, eu, acredito também, nas esquinas das paredes, que fazem do quarto escuro o sítio mais seguro da casa assombrada, asas, barcos, petroleiros e cacilheiros, mulheres, e crianças, meninas e meninos,
Os palhaços!
Tantos, tantas, como múmias desgovernadas das mãos enlouquecidas dos ovos de chocolate, eles e elas, deitados, deitadas, as moscas e os filhos das moscas, e claro, as sempre afamadas formigas trapezistas, a recibo verde, em cada rua destruída pelos ventos de nortada, havia destroços de ossos nas traseiras dos prédios sem moradores, e havia moradores destruídos nas traseiras dos bancos de jardim, e havia jardins destruídos, sem bancos e sem plátanos, sem flores e sem corações de manteiga,
Os trapezistas voadores em arames de xisto,
(e será que elas voam?)
Adorava que sim, que se erguessem, e desaparecessem entre a copa doiradas das árvores de papel celofane, E os palhaços? Como os trapezistas...! De roulote em roulote, palmilhando trilhos e veredas, e asas de cetim, E para quê?
Os trapezistas voadores em arames de xisto,
(e será que elas voam?)
Dizem que sim... que voam, que têm asas, corações de vidro e lábios de porcelana, e elas, as gaivotas do desejo, claro que voam, como pedaços de papel, como pedras descendo aceleradamente a encosta montanha abaixo, e abaixo tudo,
Abaixo estes palhaços de barros,
Abaixo,
Abaixo estes trapezistas de madeira,
Abaixo,
Abaixo quem ergueu as palavras que servem para escrever poemas, que falam de amor, que falam de paixões, que falam de circos, ambulantes, como a liberdade dos homens..., abaixo todas as cordas de nylon que aprisionam os barcos aos cais moribundos, latifundiários, cais ordinários com palavras de “NÃO VAMOS REGRESSAR NUNCA”, abaixo quem semeou os campos de trigos do pavimento térreo do meu quarto, escuro, sem janelas, sem portas, apenas com um tecto de vidro, abaixo os cinzeiros de vidro, os cigarros que se prostituem, de boca em boca, de mão em mão, abaixo todos os isqueiros de plástico, com cores berrantes, com desenhos estranhos, e tão deselegantes, tão magros, tão...delinquentes
(e será que elas voam?)
E que acreditam nas algas com braços de prata, e claro que sim, elas, abaixo os candeeiros que rompem a noite e destroem as madrugadas de suor, as peles escuras com sinais sonoros, abaixo os plátanos sem pássaros, e que destroem as mãos amarrotadas dos livros sem titulo, sem história, sem... e é nessas alturas que entra em nós o silêncio, amarfanha-se junto às coxas dos distantes beijos que dos lábios de areia mergulham nas alicerçadas marés de pedra, há virgens com flúor, e tristes mesas de café sentadas nas cadeiras plastificadas dos livros escolares que a mochila da infância carregava, como pedras, pesadíssimas as sombras do teu olhar,
(não sei se amo, se desejo, não se me sinta vivo, ou apenas como um esqueleto de arame vagueando pelas ruas desenhadas por um miúdo acabado de regressar de África, não sei, o que deva fazer, se correr ou esconder-me, abraçado a ti... no quarto escuro...)
Idiota!
Covarde...


Diziam-me que as tristes viagens
eram desencontros que as palavras construíam nas linhas curvas do papel
hoje não o dizem
ou o escrevem como se eu deixasse de existir
procuro-te e dizem-me que morreste ou deixaste de habitar a cidade dos peixes,

Não há cortinados com o teu nome
e todas as radiografias de ti foram queimadas como ossos vadios
recheados com o reumático
não há janelas como os teu lábios
quando a tua boca se transformava em areia de Primavera,

E dos teus seios havia barcos em fila para atracarem no porto das alegrias
havia luzes coloridas
e flores com palavras escritas em cada pétala perfumada
e tu parecias um peixe com olhos castanhos à espera de semearem a noite
nos lençóis de linho da cama do desejo,

Tinhas medo dos meus abraços?
Porque em casa âncora de luz um sorriso adormecia nas estrelas de ontem
e diziam-me que as viagens
eram tristes
e que não sabiam mergulhar nas miseras palmeiras do largo abandonado...


Covarde, eu?
(não sei se amo, se desejo, não se me sinta vivo, ou apenas como um esqueleto de arame vagueando pelas ruas desenhadas por um miúdo acabado de regressar de África, não sei, o que deva fazer, se correr ou esconder-me, abraçado a ti... no quarto escuro..., sem janela, nós inventamos uma com vista para o mar das traseiras, esperamos que nos desenhem uma porta numa das quatro paredes de gesso, provavelmente não será difícil, difícil mesmo talvez seja desenhá-la, perfeita, em esquadria, e com as medidas standard, oitenta centímetros de largura por duzentos e dez centímetros de altura, e depois, de mão dada, podemos fugir juntos para o infinito, onde dizem os matemáticos, se encontram as rectas paralelas),
Gostavas de me dar a mão e abraçares-te a duas rectas paralelas? Mesmo que sejam duas rectas pobres, traçadas a fiz, ou a carvão, nada de sofisticado, nada de carris em aço, nada, apenas riscos e beijos, apenas imagens dos cortinados de ontem,
Covarde, eu?
Idiota!
Covarde...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 31 de março de 2013

Um pássaro de nome saudade

foto: A&M ART and Photos

Não sofro, não choro, sou uma pedra perdida sobre o muro que separa a noite, do dia, faço parte da engrenagens fronteiriça, sou o arame-farpado, as ripas de madeira onde se esconde o sol, o teu sol, meu querido, sou a lâmina de aço inoxidável, pronta a decepar as flores e as árvores, os peixes e o teu mar, não sofro, não choro, às vezes, esqueço-me, dizem-me
Deve ser da idade,
Que tenho coração, poiso a mão no teu peito e nenhum batimento, silêncio absoluto, como quando se liga o interruptor de um candeeiro, e a luz, que entre o ondulatório e a corpuscular, obviamente, demito-o
(grande General)
Prefiro a onda-partícula, obviamente
(demito-o)
E não chora ele, não sofre, não sonha e não ama, ele é um fantasmas constituído por água, carbono e restos de tabaco, e nunca
Obviamente,
Adormeceu nas vegetações esquecidas dos calendários suspensos num prego enferrujado na parede da cozinha, ele não percebe que ela, a janela virada para o quintal, deixou de abri quando a tragédia entrou naquela casa
(qual tragédia)
Grega?
Obviamente... (demito-o) como todos os incompetentes o deviam ser; demitidos, mas existe o medo, mas ele esconde-se quando regressa a noite do outro lado do rio, do local onde está sentado ouvem-se os automóveis esfomeados e apressadamente entram no esófago, atravessam em marcha lenta o estômago, e entre curvas e contracurvas, percorrem o intestino a passo de caracol, que porcaria de vida, oiço-a
(obviamente, demito-o)
Oiço-a quando procura as minhas mãos, e o trânsito entupido dentro de mim, até que a cidade se abre aos transeuntes do outro lado do rio, e alguns automóveis esperam, desesperam, até que a rua
(Não sofro, não choro, sou uma pedra perdida sobre o muro que separa a noite, do dia, faço parte da engrenagens fronteiriça, sou o arame-farpado, as ripas de madeira onde se esconde o sol, o teu sol, meu querido, sou a lâmina de aço inoxidável, pronta a decepar as flores e as árvores, os peixes e o teu mar, não sofro, não choro, às vezes, esqueço-me, dizem-me
Deve ser da idade),
Mergulha, a rua, todas as ruas, mergulham no silêncio dos peixes voadores, e claro, nunca
(tens a certeza?)
Nunca, nunca, nunca chorei, sofri, sonhei ou pretendi esconder as lágrimas que pingam dos telhados quando vem a tempestade, e me leva a solidão a que me abraço antes de adormecer, nunca, nunca percebi de que cor era o meu coração, e nunca, e nunca ela aprendeu a sentir-lhe os pequenos batimentos, os ritmos cardíacos das alfaces, e nunca
(claro que o demito, obviamente)
E nunca adormeci abraçado a uma almofada com bonequinhos bordados pela minha mãe, mas recordo-me de ver a minha irmã com um pijama e no peito, um coração, bordado pelas mãos da nossa mãe, hoje não sei onde se encontram elas, se vivas, se mortas, ou se apenas dormem sobre o muro onde me sento, deito, e finjo chorar, porque não choro, nunca chorei, nunca sofri, e dor..., só me recordo da dor física, porque o coração é uma máquina, propriamente, uma bomba mecânica, com válvulas, com tubos, com engrenagens, e apenas bombeia sangue
Não inventa palavras, não guarda imagens, não fabrica sonhos, só... bate, bate, bombeia, enquanto o tempo-espaço mergulham num campo de barracas, uma feira de antiguidades, protegidas pelos silêncios do rio, e quando eu acreditava que o trânsito tinha cessado,
(as saudades dos triciclos de madeira)
Não cessaram nunca, e apenas bombeia sangue até que um dia cessam os cortinados de aranha da noite despedida pela paixão, e também nunca me apaixonei, como as pedras como eu que vivem sobre os muros dos campos, brincam com os sorrisos do rio, brincam com os olhos das pontes metálicas, ou de pré-esforço, e de vez em quando, vem um pássaro de nome saudade, poisa sobre mim e segreda-me
(obviamente, demito-o)
E hoje, dizem que sim, e hoje, dizem que sim.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Em destaque – Sapo Angola


blogue Cachimbo de Água

Louca Abelha

foto: A&M ART and Photos

Grandes silêncios dentro de nós
e ventos e marés
como sorrisos de poeira aos lábios prometidos
tantos versos e tantas gargalhadas
na cidade da escuridão,

Tantos sonhos e palavras
mergulhadas nas sombras da saudade
tantos e tantas e tantos corações acorrentados
sozinhos e tristes
doentes e abandonados,

Tantos e sós
grandes silêncios dentro de nós
planícies imensamente longínquas nos olhos da noite
da boca da de uma louca abelha
tantos meus Deus,

Tantos sofrimentos disfarçados de dor
de chuva
em flor
tantos e sós
dentro de nós,

Silêncios correndo no peito da morte
tantos e sós
os poucos meninos sentados na areia
saltitando como pétalas
brincando tristes e sós os silenciosos pés...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 30 de março de 2013

Habitar de mim em ti

foto: A&M ART and Photos

Habitas nos fantasmas candeeiros de porcelana
e não saberás nunca
o nome verdadeiro do ciúme nocturno
habitas e desfazes-te em sorrisos de areia
habitas nos corpos poisados sobre os cais de madeira,

Habitas dentro do prazer
como as abelhas mergulham no pólen da madrugada
habitas na saudade
e nas ervas miúdas que brincam nos quintais de papel
à beira-mar,

Um livro eterno submerso nas lágrimas do céu da boca
e tu habitas no transformismo das palavras mortas
pelas línguas de prata
como uma pirâmide escondida no deserto
com os braços alicerçados aos lábios do desejo,

Habitas no meu corpo
desarrumado
e cansado
habitas nos textos que escrevo
e nos poemas com as palavras prisioneiras na húmida térrea,

Habitas fingindo que sonhas no meu peito
corres e corres e corres pelo corredor do silêncio
como se fosses uma criança sem nome
ou uma flor sem cor
ou... uma mulher de sombras que habita nos túneis da solidão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As Cartas devolvidas

foto: A&M ART and Photos

Sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou
Uma virgem encapuçada quando desce o Agosto das longínquas praias mergulhadas em incenso e em cartas de amor, devolvidas ao remetente, sou uma feliz prisioneira, à tua mão acorrentada, sou, uma, sou uma imagem escura, penumbra, fria, hoje, quando do ontem regressavam as algas dos rios onde dormias, e eu te esperava, sentada sobre a mesa da sala, de livro na mão, e com o candeeiro apagado, vivíamos em escuridão para afugentarmos os fantasmas das asas de papel, quando os Sábados
(ninguém regressou de lá)
As palmeiras diziam-se cansadas de balançar nas tardes de verão, e um vento ténue abraçava-nos enquanto escrevíamos poemas sem nexo, que ainda hoje vivem dentro de uma caixa de cartão,
(ela fugiu)
E o vento cessou de bater nas vidraças endiabradas, pareciam almas em corpos putrefactos, regressados do abismo, descíamos a calçada e sentávamos-nos sobre os finos paralelos do desejo, havia sempre uma flor que te esperava, meu querido, havia sempre uma
(Clarissa – Érico Veríssimo)
E havia sempre uma claridade no teu olhar, meu querido, e havia sempre uma nuvem azul com tempestades cinzentas, e havia sempre, meu querido, sempre, havia, havia sempre uma nuvem azul na tua boca, e sempre, havia, e havia sempre um silêncio de espuma nos teus lábios,
E
(the Sea)
E, hoje sei que o mar dormia nos teus bolsos, hoje, sei, hoje sei que o pôr-do-sol acordava porque os teus cigarros assim o determinavam, e eu não percebia, e eu, não sabia, que o mar, que ele e ela era tão importantes para ti, como a corrente que me prende ao teu peito de areia, e
(começaste a gostar de AL Berto por minha causa)
E hoje, hoje sinto que a corrente de aço que me aprisiona a ti, meu querido, começa a desmoronar-se, como as flácidas rugas do teu rosto de barro, e hoje
(the Sea)
Hoje (sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou) sento-me nas clarabóias poisadas sobre os telhados da cidade, e a cada pássaro que passa, peço-lhe perdão, peço-lhe que me traga novamente o mar emaranhado de algas, pedras, lodo, e os teus braços que ficaram apodrecidos como o casco do velho barco de esferovite, e hoje, hoje penso em ti como uma nuvem azul perdida sobre o Oceano...
(perdi as tuas cartas)
Como verbos suspensos no céu nocturno da saudade.


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 29 de março de 2013

Charco de Pedra

foto: A&M ART and Photos

Eterno silêncio do charco de pedra
com as palavras que mergulham em lábios de silício
na mão do homem com o chapéu preto
obliquamente sobre o rio da morte
às frias folhas de papel mata-borrão,

Desenho-te na límpida fragrância do café com natas
enquanto um transeunte espera impacientemente pelas torradas
e as folhas de papel com poemas adormecidos
tristes
no cansaço da janela do beijo,

Subo pelo teu corpo acima
e sento-me em ti adornada montanha de pele em suor
deito-me sobre as tuas mãos como se eu fosse um cadáver sem nome
porque deixaste de prenunciar o verbo meu sofrimento
que ao rio de sangue embarca até desaparecer no umbigo da noite,

Sabes que sou eu?
o filho indesejado das palavras começadas por F
e terminadas em OR
eu aquele insignificante miúdo com calções de areia e sandálias de chocolate
das sanzalas envergonhadas como os cavalos brancos das invisíveis madrugadas,

Eterno silêncio do charco de pedra
eterno teu corpo de xisto embrulhado nos socalcos da dor
miudinha ela a chuva de alegria
dos teus singelos seios de neblina
ao cair a tarde no Douro Rio... no Douro AMOR.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

O miúdo das janelas sem imagens

foto: A&M ART and Photos

Suspensa,
(preciso de viver dentro dos orifícios das paredes de linho)
Eu, suspensa entre uma nuvem azul e um sorriso encarnado, eu, sentada sabendo que o degrau onde me sento está literalmente,
(morto?)
Submerso na tua mão de borboleta com asas de veludo, ouvem-se-lhes lágrimas de pérola caírem dos pinheiros bravios de Carvalhais, e o miúdo à janela pinta o céu nocturno de cinzento, coloca uma árvore na terra funda onde o avô construiu o poço, e da morte ouviam-se-lhes motores engasgados em neblinas cansadas, tristes, como o vento depois da tempestade, o miúdo chorava, e imaginava cansaços nos esteiros onde se seguravam os braços das videiras e dos arames desciam gotinhas curvas de dor, sofrimento convertido em mármores da sepultura do livro embainhado nas ruas frias da aldeia, submerso
(suspensa, infeliz, apaixonadamente apaixonada pela noite das aves pintadas de amarelo)
Perdi-me em ti, murmurava o miúdo à janela com vista para a casa do tio Serafim, havia livros espalhados pelo quarto, e todos na casa dormiam, até a própria iluminação ténue que se fazia sentir por aquelas bandas, não pensava em nada, apenas
(imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje, Engordaste? Emagreceste? Estás mais alta, mais baixa, ou... assim-assim, esqueci também as palmeiras, o largo, não consigo precisar o diâmetro do largo, e o cheiro, Como será hoje o cheiro dela?)
Apenas os ratos em volta da caixa da farinha de milho, para os animais, para o fabrico do saboroso pão no forno a lenha, e nada mais, nem os latidos de um cão, que perdão, também lhe esqueci o nome, a idade, a raça, a crença, se existia alguma crença, e no entanto, ao longe, ouviam-se-lhes os sons frágeis do sino da Igreja,
(vivi sobre rochas de areia)
Sou eu, dizia-lhe o rapaz suspenso na janela da noite, suspensa ela também, sentada eu, sentada sobre um degrau moribundo, triste e doente, ele sente o peso do meu corpo e acaricia-me as nádegas húmidas responsáveis pela chuva dos últimos três dias de vida, (poiso os cotovelos no parapeito, todos dormem, e todos sonham que amanhã as nuvens azuis já não são azuis, e os tramados sorrisos encarnados, não, não se vão transformar em bolas de Berlim, não, os sorrisos encarnados vão esconder-se entre o milho e o feijão, porque o avô semeava milho e no meio colocava feijão, e quando o feijão crescia, agarrava-se ao caule do milho, e crescia, crescia, e crescia até chegarem ao céu...) e continuava a perguntar-se
Como vão ser os últimos três dias de vida? (vivi sobre rochas de areia)
(das abelhas?)
Vive-se, vive-se inventando janelas, vidros, paisagens, sorrisos, nuvens, vive-se acorrentado a um degrau de mármore com coração de aço, frio, tão distante o largo das palmeiras, e hoje como será o chafariz nas traseiras da coluna vertebral silenciosa da menina? (imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje, Engordaste?) qual das meninas? e os pássaros das nocturnas noites de Carvalhais não sabiam, e desconheciam, que existiam mais do que uma menina, e tal como eu, o miúdo com os cotovelos no peitoril a imaginar barcos a dirigirem-se de Carvalhais para o porto de Favarrel, e perdiam-se a meio caminho, e alguns, a grande parte deles
(naufragavam contra o canastro recheado de milho até ao tecto)
Não sobrevivia, e morriam.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Sopa de Letras

foto: A&M ART and Photos

Sei que tenho dentro de mim o grande lago da solidão, sei que à minha volta existem gaivotas com sorriso de poesia, sei que tenho sobre mim o silêncio dos barcos em poiso, como as ervas daninhas, como as pedras más, feias e com olhos de medo, sei que toda esta água me pertence, é a minha água, vida, paixão, o meu grande amor, sei que o tronco de madeira onde me sento, é um homem disfarçado, sem braços, cabeça, ou as pernas, sei que ele chora, sofre, como eu, e se ele pudesse
Abraçava-te,
Sei que tenho um destino pintado na tela adormecida do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?
(abraçava-te)
Se eu pudesse (sei que tenho dentro de mim o grande lago da solidão) chamava o barco dos sonhos e anda sempre de mão dada com a noite, deixava de inclinar a colher e tinha sempre a palavra AMOR respeitadamente formada e alinhada, e depois
Comíamos-la,
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?
(abraçava-te)
Sopa de letras, sopa de cansaços, sopa, sopa, abraços, para quê?
(abraçava-te, mergulhava nos teus olhos de morango com natas, e escrevia no pavimento térreo do prato de sopa: SEMPRE TE AMEI MEU QUERIDO), Se eu pudesse? Comprava um banco de jardim com ripas de madeira, pintava-o de encarnado, escrevia numa pequena folha de papel “Cuidado – Pintado de Fresco”, comprava um plátano e estacionava-o junto ao banco de madeira, depois
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Depois sentavas-te no banco de madeira, eu, eu sentava-me ao te lado, deitava a cabeça no teu colo, e, e M A R O, retirávamos o pequeno papel onde alguém escreveu “Cuidado – Pintado de Fresco”, e beijava-te, e, e O A M R, e, e (sei que tenho um destino pintado na tela adormecida do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?)
Amava-te.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 28 de março de 2013

Simplesmente... Aqui

foto: A&M ART and Photos

Que faço aqui, vestida de corpo, nua, sobre um ninho de vento quando desce a madrugada, e lá fora, chove torrencialmente, há traços verticais de cor negra nas ardósias sobre as porta que habitam o corredor das amoreiras em flor, desconheço a cor da tua pele porque a tempestade me vendou os olhos com a página de um livro de poemas, mas imagino que sejas escura, como a penumbra das águas selvagens, mas imagino que sejas de barro com formas circulares e pintada de encarnado, e imagino que sejas a obra inacabada do Príncipe das noites dos sonhos, que faço aqui
(sobre uma cama travestida de divã, com duas mesas-de-cabeceira, dois candeeiros com lâmpadas que mais parecem fantasmas vestidos de ténues lençóis desbotados com uma porção desconhecida de lixívia, ela triste, ele feliz, a cama nem por isso, torcia-se e encolhia-se, quando repentinamente, corpo de mulher e lençóis misturaram-se como se fossem dois líquidos, ou uma porção de barro e duas de areia, ou...)
Que faço aqui, meu Deus?
(ou o sol que não há forma de entra neste infestado quarto por algas marinhas e peixes voadores, acreditas meu amor?)
Claro que sim, meu querido, acredito em peixes com asas, em vestidos de arame bordados com uma finíssima rede de aço, acredito em drogas, acredito em noites fantásticas, acredito em corpos esculpidos por mãos de silêncio, acredito em ti vestida de corpo, nua, sobre um ninho de vento quando desce a madrugada, e lá fora, chove torrencialmente, há traços verticais de cor negra nas ardósias sobre as porta que habitam o corredor das amoreiras em flor, desconheço a cor da tua pele porque a tempestade me vendou os olhos com a página de um livro de poemas, mas imagino que sejas escura, como a penumbra das águas selvagens, mas imagino que sejas de barro com formas circulares e pintada de encarnado, e imagino que sejas a obra inacabada do Príncipe das noites dos sonhos, que faço aqui...
Aqui, meu querido!
(aqui chove torrencialmente, imagino-te deitada sobre uma cama deserta, inerte, invisível, uma cama perdida numa cidade sem nome, não consigo precisar se estás vestida, nua, ou numa mistura das duas, sei que tens sobre ti a mínima luz da solidão, sei também, porque o imagino, que os teus olhos são castanhos, aqui, escuto-os a subirem as escadas até ao andar superior, imaginar-te de uma outra forma, é quase impossível, como é do teu conhecimento, vendaram-me os os meus olhos com uma página de um livro de poemas, e sinto-me triste)
Triste porquê, meu querido?
(triste porque chove, triste porque sou contra a destruição de livros, e a página que me venda os olhos verdes, jamais voltará ao seu destino, provavelmente, quando a venda me for retirada, será destruída, pelo fogo, pela água, ou terminará os seus dias como o pó, dos ossos, a voarem sobre a planície de trigo com a eira em pano de cenário, e o espigueiro encostado às sombras da tarde, esperando que o rego da água se encha de alegria, e circule em volta da terra fértil, as cinzas do teu corpo desnudo..., acreditas, então?)
Aqui, meu querido!
(ou o sol que não há forma de entra neste infestado quarto por algas marinhas e peixes voadores, acreditas meu amor?)
Sim, sim meu querido, claro que acredito.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha