Mostrar mensagens com a etiqueta The Sea. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta The Sea. Mostrar todas as mensagens

sábado, 2 de março de 2024

The Sea

 

Querida Cris

dir-te-ei que continuo o mesmo miserável

mas isso

já não é novidade

é destino.

 

Dir-te-ei que tenho preguiça em escrever-te

e às vezes

passam meses

passam dias

talvez sinta vergonha de te escrever

como o Tejo

quando olhava os teus olhos

e via

um cacilheiro agarrado ao meu peito

ter-te-ei

dizer-te

que a vida é um destino.

 

Tantas vezes que tive cacilheiros agarrados ao meu peito

e tão feliz

tão feliz a cidade apedrejando a minha noite

quando eu partia em direcção ao nada

que hoje seria tudo.

 

Querida Cris

dir-te-ei que um destes dias

apareceu uma memória no meu OneDrive

sei que o tenho

só não sabia que a tua fotografia se escondia lá

como tanta coisa que eu não sei…

 

Tantas coisas que desconheço a meu respeito

tanta coisa se esconde no negro do meu dia

e na plenitude da minha noite

e quando não tenho noite

peço emprestado

e vou dormindo.

 

Depois

depois lembrei-me do livro que me ofereceste no CCB

The Sea…

na altura não entendi

porquê o mar…

hoje

ele

é a resposta;

The Sea

ou a despedida!

 

 

Francisco

sábado, 30 de março de 2013

As Cartas devolvidas

foto: A&M ART and Photos

Sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou
Uma virgem encapuçada quando desce o Agosto das longínquas praias mergulhadas em incenso e em cartas de amor, devolvidas ao remetente, sou uma feliz prisioneira, à tua mão acorrentada, sou, uma, sou uma imagem escura, penumbra, fria, hoje, quando do ontem regressavam as algas dos rios onde dormias, e eu te esperava, sentada sobre a mesa da sala, de livro na mão, e com o candeeiro apagado, vivíamos em escuridão para afugentarmos os fantasmas das asas de papel, quando os Sábados
(ninguém regressou de lá)
As palmeiras diziam-se cansadas de balançar nas tardes de verão, e um vento ténue abraçava-nos enquanto escrevíamos poemas sem nexo, que ainda hoje vivem dentro de uma caixa de cartão,
(ela fugiu)
E o vento cessou de bater nas vidraças endiabradas, pareciam almas em corpos putrefactos, regressados do abismo, descíamos a calçada e sentávamos-nos sobre os finos paralelos do desejo, havia sempre uma flor que te esperava, meu querido, havia sempre uma
(Clarissa – Érico Veríssimo)
E havia sempre uma claridade no teu olhar, meu querido, e havia sempre uma nuvem azul com tempestades cinzentas, e havia sempre, meu querido, sempre, havia, havia sempre uma nuvem azul na tua boca, e sempre, havia, e havia sempre um silêncio de espuma nos teus lábios,
E
(the Sea)
E, hoje sei que o mar dormia nos teus bolsos, hoje, sei, hoje sei que o pôr-do-sol acordava porque os teus cigarros assim o determinavam, e eu não percebia, e eu, não sabia, que o mar, que ele e ela era tão importantes para ti, como a corrente que me prende ao teu peito de areia, e
(começaste a gostar de AL Berto por minha causa)
E hoje, hoje sinto que a corrente de aço que me aprisiona a ti, meu querido, começa a desmoronar-se, como as flácidas rugas do teu rosto de barro, e hoje
(the Sea)
Hoje (sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou) sento-me nas clarabóias poisadas sobre os telhados da cidade, e a cada pássaro que passa, peço-lhe perdão, peço-lhe que me traga novamente o mar emaranhado de algas, pedras, lodo, e os teus braços que ficaram apodrecidos como o casco do velho barco de esferovite, e hoje, hoje penso em ti como uma nuvem azul perdida sobre o Oceano...
(perdi as tuas cartas)
Como verbos suspensos no céu nocturno da saudade.


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

THE SEA



Tudo começou quando me ofereceram este livro THE SEA – Project manager and edotorial director “Valeria Manferto de Fabianis” WHITER STAR PUBLISHERS, em Lisboa a 9 de maio de 2004,

O mar,

Adosinda vestida de caravela alisava o vento com os lábios e ao fundo do corredor a janela com vista para o tejo depois de inúmeros arbustos e árvores e crianças e flores e o fim do cais,
O jardim de Belém emagrecia e chorava num sábado mergulhado em despedidas e promessas de regresso e promessas de ausência,
O mar enrodilhava-se nas mãos finas de Adosinda vestida de caravela e o mar começava a desaparecer pelas sombras das árvores que pacientemente esperavam o almoço e enquanto o almoço não acordava, as árvores Desenhavam caravelas iguais a Adosinda sobre as folhas de papel que vagueavam na planície inventada, Adosinda sorria e acenava com a mãozinha, nos olhos viviam estrelas de marfim e silícios de espuma, e o mar,
- Confesso que fiquei sem palavras ao ler esta estória Oiço a minha voz nas frestas da parede depois de poisar a caneta sobre a secretária, e pergunto-me porquê?, Adosinda só conheci a minha tia rabugenta e que de vez em quando me dava cinco escudos, e o mar há muito deixei de o ver e sentir e cheirar, agora folheio The Sea e o mar entra-me dentro do corpo, e nunca vi caravelas e de Belém apenas recordo uma noite de setembro quando eu criança regressava de Luanda e junto ao padrão dos descobrimentos um magala fumava cigarros e sorria como um louco para as gaivotas suspensas no teto da casa de banho,
E nos olhos o mar, e nos olhos os cinco escudos que um miúdo pegava religiosamente e descendo a rua em passo acelerado os cambiava por cromos na papelaria grifo,
- Que estória tão parva para um sábado em Belém, e é como lhe digo De Belém apenas quando regressei de Luanda e lembro-me como se fosse hoje eu pendurado na grade e ver Belém a adormecer e o magala a fumar cigarros,
Adosinda vestida de caravela alisava o vento com os lábios e ao fundo do corredor a janela com vista para o tejo depois de inúmeros arbustos e árvores e crianças e flores e o fim do cais,
- O velho grifo pegava-me na mão e embebia-me de rimas, o João comeu arroz com feijão e mais o mão, agora Adosinda só conheci a minha tia e que de quando a quando me dava cinco escudos, Acredite em mim nunca estive em Belém em 1988 nem em 2004 e o mar, e o mar depois de regressar de Luanda só quando folheio o The sea,
Em despedidas e promessas de regresso e promessas de ausência que entre os fios de cinza de um cigarro desapareceu para sempre,
- E é verdade é o que eu lhe digo Nunca estive num sábado em Belém dia 9 de Maio de 2004, Claro que não esteve porque dia 9 de maio foi um domingo, Vê? Vê como eu tinha razão,
- Que estória tão parva para um domingo em Belém, e é como lhe digo De Belém apenas quando regressei de Luanda e lembro-me como se fosse hoje eu pendurado na grade e ver Belém a adormecer e o magala a fumar cigarros,
O mar enrodilhava-se nas mãos finas de Adosinda vestida de caravela e o mar começava a desaparecer pelas sombras das árvores que pacientemente esperavam o almoço e enquanto o almoço não acordava Adosinda com olhos de marfim ou de estrelas ou de noite,
- Chorava,
E que não, e que nunca estive em Belém nesse dia.

(Texto de ficção)