foto: A&M ART and Photos
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Que faço aqui, vestida de corpo, nua, sobre um
ninho de vento quando desce a madrugada, e lá fora, chove
torrencialmente, há traços verticais de cor negra nas ardósias
sobre as porta que habitam o corredor das amoreiras em flor,
desconheço a cor da tua pele porque a tempestade me vendou os olhos
com a página de um livro de poemas, mas imagino que sejas escura,
como a penumbra das águas selvagens, mas imagino que sejas de barro
com formas circulares e pintada de encarnado, e imagino que sejas a
obra inacabada do Príncipe das noites dos sonhos, que faço aqui
(sobre uma cama travestida de divã, com duas
mesas-de-cabeceira, dois candeeiros com lâmpadas que mais parecem
fantasmas vestidos de ténues lençóis desbotados com uma porção
desconhecida de lixívia, ela triste, ele feliz, a cama nem por isso,
torcia-se e encolhia-se, quando repentinamente, corpo de mulher e
lençóis misturaram-se como se fossem dois líquidos, ou uma porção
de barro e duas de areia, ou...)
Que faço aqui, meu Deus?
(ou o sol que não há forma de entra neste
infestado quarto por algas marinhas e peixes voadores, acreditas meu
amor?)
Claro que sim, meu querido, acredito em peixes com
asas, em vestidos de arame bordados com uma finíssima rede de aço,
acredito em drogas, acredito em noites fantásticas, acredito em
corpos esculpidos por mãos de silêncio, acredito em ti vestida de
corpo, nua, sobre um ninho de vento quando desce a madrugada, e lá
fora, chove torrencialmente, há traços verticais de cor negra nas
ardósias sobre as porta que habitam o corredor das amoreiras em
flor, desconheço a cor da tua pele porque a tempestade me vendou os
olhos com a página de um livro de poemas, mas imagino que sejas
escura, como a penumbra das águas selvagens, mas imagino que sejas
de barro com formas circulares e pintada de encarnado, e imagino que
sejas a obra inacabada do Príncipe das noites dos sonhos, que faço
aqui...
Aqui, meu querido!
(aqui chove torrencialmente, imagino-te deitada
sobre uma cama deserta, inerte, invisível, uma cama perdida numa
cidade sem nome, não consigo precisar se estás vestida, nua, ou
numa mistura das duas, sei que tens sobre ti a mínima luz da
solidão, sei também, porque o imagino, que os teus olhos são
castanhos, aqui, escuto-os a subirem as escadas até ao andar
superior, imaginar-te de uma outra forma, é quase impossível, como
é do teu conhecimento, vendaram-me os os meus olhos com uma página
de um livro de poemas, e sinto-me triste)
Triste porquê, meu querido?
(triste porque chove, triste porque sou contra a
destruição de livros, e a página que me venda os olhos verdes,
jamais voltará ao seu destino, provavelmente, quando a venda me for
retirada, será destruída, pelo fogo, pela água, ou terminará os
seus dias como o pó, dos ossos, a voarem sobre a planície de trigo
com a eira em pano de cenário, e o espigueiro encostado às sombras
da tarde, esperando que o rego da água se encha de alegria, e
circule em volta da terra fértil, as cinzas do teu corpo desnudo...,
acreditas, então?)
Aqui, meu querido!
(ou o sol que não há forma de entra neste
infestado quarto por algas marinhas e peixes voadores, acreditas meu
amor?)
Sim, sim meu querido, claro que acredito.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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