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foto: A&M ART and Photos
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Sei que tenho dentro de mim o grande lago da
solidão, sei que à minha volta existem gaivotas com sorriso de
poesia, sei que tenho sobre mim o silêncio dos barcos em poiso, como
as ervas daninhas, como as pedras más, feias e com olhos de medo,
sei que toda esta água me pertence, é a minha água, vida, paixão,
o meu grande amor, sei que o tronco de madeira onde me sento, é um
homem disfarçado, sem braços, cabeça, ou as pernas, sei que ele
chora, sofre, como eu, e se ele pudesse
Abraçava-te,
Sei que tenho um destino pintado na tela adormecida
do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei
que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com
imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas,
e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de
sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra
AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a
palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?
(abraçava-te)
Se eu pudesse (sei que tenho dentro de mim o grande
lago da solidão) chamava o barco dos sonhos e anda sempre de mão
dada com a noite, deixava de inclinar a colher e tinha sempre a
palavra AMOR respeitadamente formada e alinhada, e depois
Comíamos-la,
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?
(abraçava-te)
Sopa de letras, sopa de cansaços, sopa, sopa,
abraços, para quê?
(abraçava-te, mergulhava nos teus olhos de morango
com natas, e escrevia no pavimento térreo do prato de sopa: SEMPRE
TE AMEI MEU QUERIDO), Se eu pudesse? Comprava um banco de jardim com
ripas de madeira, pintava-o de encarnado, escrevia numa pequena folha
de papel “Cuidado – Pintado de Fresco”, comprava um plátano e
estacionava-o junto ao banco de madeira, depois
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Depois sentavas-te no banco de madeira, eu, eu
sentava-me ao te lado, deitava a cabeça no teu colo, e, e M A R O,
retirávamos o pequeno papel onde alguém escreveu “Cuidado –
Pintado de Fresco”, e beijava-te, e, e O A M R, e, e (sei que tenho
um destino pintado na tela adormecida do final de manhã
ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade
jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras,
de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais
voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma
colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando
me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra,
desfazia-se e ficava com um amontoado de letras
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?)
Amava-te.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha