foto: A&M ART and Photos
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Suspensa,
(preciso de viver dentro dos orifícios das paredes
de linho)
Eu, suspensa entre uma nuvem azul e um sorriso
encarnado, eu, sentada sabendo que o degrau onde me sento está
literalmente,
(morto?)
Submerso na tua mão de borboleta com asas de
veludo, ouvem-se-lhes lágrimas de pérola caírem dos pinheiros
bravios de Carvalhais, e o miúdo à janela pinta o céu nocturno de
cinzento, coloca uma árvore na terra funda onde o avô construiu o
poço, e da morte ouviam-se-lhes motores engasgados em neblinas
cansadas, tristes, como o vento depois da tempestade, o miúdo
chorava, e imaginava cansaços nos esteiros onde se seguravam os
braços das videiras e dos arames desciam gotinhas curvas de dor,
sofrimento convertido em mármores da sepultura do livro embainhado
nas ruas frias da aldeia, submerso
(suspensa, infeliz, apaixonadamente apaixonada pela
noite das aves pintadas de amarelo)
Perdi-me em ti, murmurava o miúdo à janela com
vista para a casa do tio Serafim, havia livros espalhados pelo
quarto, e todos na casa dormiam, até a própria iluminação ténue
que se fazia sentir por aquelas bandas, não pensava em nada, apenas
(imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada
ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer
coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das
coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente
recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua
fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje,
Engordaste? Emagreceste? Estás mais alta, mais baixa, ou...
assim-assim, esqueci também as palmeiras, o largo, não consigo
precisar o diâmetro do largo, e o cheiro, Como será hoje o cheiro
dela?)
Apenas os ratos em volta da caixa da farinha de
milho, para os animais, para o fabrico do saboroso pão no forno a
lenha, e nada mais, nem os latidos de um cão, que perdão, também
lhe esqueci o nome, a idade, a raça, a crença, se existia alguma
crença, e no entanto, ao longe, ouviam-se-lhes os sons frágeis do
sino da Igreja,
(vivi sobre rochas de areia)
Sou eu, dizia-lhe o rapaz suspenso na janela da
noite, suspensa ela também, sentada eu, sentada sobre um degrau
moribundo, triste e doente, ele sente o peso do meu corpo e
acaricia-me as nádegas húmidas responsáveis pela chuva dos últimos
três dias de vida, (poiso os cotovelos no parapeito, todos dormem, e
todos sonham que amanhã as nuvens azuis já não são azuis, e os
tramados sorrisos encarnados, não, não se vão transformar em bolas
de Berlim, não, os sorrisos encarnados vão esconder-se entre o
milho e o feijão, porque o avô semeava milho e no meio colocava
feijão, e quando o feijão crescia, agarrava-se ao caule do milho, e
crescia, crescia, e crescia até chegarem ao céu...) e continuava a
perguntar-se
Como vão ser os últimos três dias de vida? (vivi
sobre rochas de areia)
(das abelhas?)
Vive-se, vive-se inventando janelas, vidros,
paisagens, sorrisos, nuvens, vive-se acorrentado a um degrau de
mármore com coração de aço, frio, tão distante o largo das
palmeiras, e hoje como será o chafariz nas traseiras da coluna
vertebral silenciosa da menina? (imaginar-te no largo junto às
palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome...
talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão,
esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso,
urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que
rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás
hoje, Engordaste?) qual das meninas? e os pássaros das nocturnas
noites de Carvalhais não sabiam, e desconheciam, que existiam mais
do que uma menina, e tal como eu, o miúdo com os cotovelos no
peitoril a imaginar barcos a dirigirem-se de Carvalhais para o porto
de Favarrel, e perdiam-se a meio caminho, e alguns, a grande parte
deles
(naufragavam contra o canastro recheado de milho até
ao tecto)
Não sobrevivia, e morriam.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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