sexta-feira, 8 de março de 2019


A frieza com que inventas os pássaros do meu jardim, contente por te ver e teres desenhado um sorriso na vidraça do fim de tarde,

Talvez, amanhã, depois de amanhã, eu regresse às tuas mãos de seda,

As árvores,

Porquê, Francisco?

As árvores recheadas de medo, como eu, que partas brevemente, talvez amanhã, eu regresse aos teus lábios de amêndoa doirada, mas hoje, minha filha, hoje, não.

Sabes?

Diz,

Quando nasci, num Domingo de Janeiro, congelaram-me o cérebro e ainda hoje está suspenso nos Céus de Luanda,

Geladinha…

Então rapaz, essa CuCa?

Vai já, patrão, vai já,

A frieza com que inventas palavras que eu escrevo na boca, os alicerces da solidão nas tuas coxas de veleiro em papel, os pincéis despedidos por mim, ontem, o mar estava revoltado, ontem, eu estava revoltado, mas hoje,

Então essa CuCa, rapaz?

Vai já, patrão, vai já…

E, esse fatídico Domingo de Janeiro morreu ao Pôr-do-Sol…

Porquê, Francisco?

As árvores recheadas de medo, como eu.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

08-03-2019

quinta-feira, 7 de março de 2019


Batem à porta. Pelo som melódico, sinto que é a tristeza, hesito, não vou abrir. Betem à porta, sinto o perfume das amendoeiras em flor suspensas no teu cabelo cor de geada, tão fino, tão pouco, e belo…

Amanhã saberei!

O que é a tristeza?

Amanhã saberei o que a noite me quer, disfarçada de tristeza, lá longe, oiço o rio entrelaçado aos socalcos do medo,

O que é a tristeza, mãe?

É o medo, meu filho, é o medo…

 

 

Francisco Luís Fontinha

07/03/2019

domingo, 3 de março de 2019

A cabana do silêncio


Sei o nome de todas as flores que adormecem nos teus lábios,

Como o vento que silencia o teu rosto pela madrugada,

Sei o nome do jardim da despedida, ao fundo o rio, em lágrimas,

Como eu,

Dançando sobre a ténue manhã de Sábado…

A cabana.

Vazia, recheada de sombras, entre livros e poeira…

Ratos vagueiam na cabana do silêncio,

São os únicos habitantes da escuridão,

Como a chuva, no Verão, as cidades morrem,

Morrem de quê, meu amor?

De saudade.

 

 

Francisco Luís Fontinha

3/03/2019

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019


Da tarde emancipava-se a lunar luz do horizonte, tenho lágrimas nos olhos sombreados pela tempestade, como ontem, o limite entardecer que ofusca a madrugada, não sei se acordará em mim o feitiço do entardecer, está frio em ti, tens na mão o silêncio da noite, somos dois,

Perco-me em ti,

Somos dois pássaros revoltados com o orvalho, diariamente sentimos as frestas da sonâmbula rua adormecida, só e triste,

Perco-me em ti,

Triste nos horários invisíveis, a cidade acorda, submete-se ao abismo,

Tenho medo, mãe.

Perco-me em ti, meu amor, desde a infância até hoje, perco-me em ti todas as manhãs quando acordam as árvores do meu quintal, os pássaros, mãe, os pássaros choram por ti, e

perco-me...

E sei que não regressarás mais aos meus braços, e sei que deixarei de escrever nas tuas mãos as palavras adormecidas pela chuva gélida de Inverno, saberás que um dia vou navegar para longe, saberás que um dia serei duzentos e seis ossos em fino pó, como a terra que nos alimenta nas estrelas,

Perco-me.

Da tarde, uma gotícula de tristeza desce o teu invisível cabelo, saberei que amanhã não estás, saberei que amanhã as minhas mãos serão tábuas de silêncio suavemente suspensas no teu rosto,

Perco-me em ti, meu amor,

Sabes, mãe?

Trinta dias sem rumo a navegar nesta barcaça,

Tens medo, filho?

Trinta dias escrevendo nas ondas o teu nome, desenhando o vento nas nuvens dos teus lábios, e, um dia vamos acordar na longínqua Luanda, com palmeiras, com capim e mangueiras...

Tens medo, filho? Não, mãe, não tenho medo da tua sombra ao acordar.





Francisco Luís Fontinha

28/02/2019

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Sós


Meu amor,

Alimentas-me com o teu olhar quando a noite desce o meu corpo,

Sinto o Diabo nos lábios,

E neles adormece o beijo,

Quando me tocas, em silêncio, sinto o clitóris da madrugada em pequenos suspiros,

Como os teus livros,

Vivos,

Velhos, como tu,

Cansados da distância Lunar…

Meu amor,

A ausência das tuas mãos nas minhas coxas de areia, junto ao mar,

Uma barcaça tropeça na sonolência das tuas palavras escritas em mim,

Serei o teu livro,

A tua poesia,

A tua liberdade de viver.

Meu amor,

Preciso de uma cocha para aprisionar o meu cabelo adocicado pelo profundo poço da alegria,

Aventuras,

Farturas,

Delícias do mar quando sinto a tua sombra nos meus seios calcinados pelo cacimbo…

Chove, meu amor, aqui,

E tu, e tu, ausente de mim,

Em viagem,

Pelos longos Oceanos da luminosidade,

Hoje,

Espero-te nos meus sonhos,

Como ontem te esperei, e antes de ontem, e amanhã te esperarei…

Transparente,

Como sempre,

Ausente.

Meu amor,

Tão só, meu amor,

Quando os marinheiros, como tu, zarpam em direcção ao abismo,

Os cacos da manhã junto ao alpendre,

Sós, como eu, meu amor,

Sós.

 

 

 

Isabel Navalha

Lisboa, 27/02/2019

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Insónia


É tarde,

deixo a tangente perpendicular à noite e parto em direcção à solidão,

visto-me de equação diferencial,

e abraço-me à integral do sofrimento.

É tarde,

Regresso a esta casa difusa, fria, arrogante...

como um marinheiro esfomeado,

o sexo, a morte suspensa no espelho da dor,

é tarde, meu amor.

É tarde, neste quarto desassossegado.

As minhas mãos aleijam o teu rosto, e quando toco no teu cabelo... ele começa a voar,

é um pássaro inanimado, triste, sem vontade de amar...

é tarde, meu amor,

é tão tarde, meu amor....

neste quarto abandonado.

 

Francisco Luís Fontinha

25/02/2019

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Junto a ti


Lembro-me de ti.

Juntos ao rio das pedras cinzentas,

A aragem do teu cabelo saltitando entre as gaivotas,

Murmuravas as palavras do destino,

Sentada, junto a mim, uma rosa no peito adormecia,

E os teus olhos cor de amêndoa voavam na paisagem…

Lembro-me de ti.

Sentada.

Presos na minha mão todos os guindastes da insónia,

O medo,

No silêncio…

Sentada,

Junto a mim.

Lembro-me de ti,

E dos teus suspiros velejados pelos livros de poesia,

Unificados sejam todos os fins de tarde,

Quando pegava na tua mão e desenhava nela o sol da madrugada,

Junto ao mar,

A jangada,

O poema embriagado,

Só,

Junto a ti,

Sentada,

Junto ao rio…

Lembro-me de ti.

Todas as ervas daninhas embriagando os teus lábios de seda,

Desenhava o beijo no teu olhar, olhavas-me, criavas um sorriso na tarde, e descobríamos as tempestades da noite,

Tu, sentavas-te, no meu colo,

O medo,

O medo de amar-te sabendo que o amor é o mar enraivecido nos dias ímpares,

A jangada,

Junto a ti,

Sentada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

24/02/2019

sábado, 23 de fevereiro de 2019


Francisco Luís Fontinha, Poeta, Nasceu em Luanda, perdido na infância, ainda hoje não foi encontrado.

 

A pedra

 

 

Que me sento.

Folheio a tua boca no silêncio do capim,

As ruas dentadas no sonâmbulo entardecer, desce o beijo, poisa na minha mão e dorme lentamente na fogueira da noite,

Me canso.

Que me sento.

Na pedra emagrecida dos teus lábios, dizem-me em gritos de fumo que não amas…

Nunca saberás o que é o amor.

Amanhã.

As palavras rasuradas dos meus textos incompreendidos, falsas estrelas povoam a madrugada, olhas-me, e foges para as montanhas.

Sou tão feliz, meu amor, por saber que nunca me amarás,

O amor é como o mar, olha-se, toca-se, e desparece na Calçada da Cidade.

Que me sento.

Que beijo loucamente esta pedra, que me sento, e canso…

As bocas da noite.

Os holofotes da miséria correndo até ao rio, ao longe um petroleiro de poemas encalhado no teu cabelo, sinto os teus olhos e perco-me na tua sombra,

Que me sento,

Nesta pedra,

E me canso.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 23/02/2019

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Infância


Se eu soubesse que os teus olhos eram de chocolate, comia-os, como comia as mangas na minha infância,

Se eu soubesse que o teu cabelo era o mar da minha infância, acariciava-o, como acariciava as estrelas na madrugada,

Se eu soubesse, meu amor, que os teus lábios fossem de amêndoa, beijava-os, como beijava a tempestade na minha infância…

Mas nada sei, se és comestível, desenhável ou papel pergaminho onde escrever este poema…

Se eu soubesse que a tua boca fosse o pôr-do-sol de Luanda, levava-a comigo para as montanhas do sono…

Ficava por lá, adormecia nos teus braços… e comia-os, como comia na minha infância todos os sonhos da noite.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17/02/2019

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019


(…)

 

 

A Poesia,

E eu igual ao espelho que vive no meu quarto e me acompanha nas manhãs de Primavera,

O teu corpo sempre igual, escultura abstracta da caligrafia envenenada pelo sexo embainhado nas canções de viver,

A Poesia...!

Morreu,

E o poeta...

Partíamos sem regresso, ouvia dos pulmões do paquete a respiração ofegante, a cidade desembrulhava-se do silêncio do mar como um rebuçado acabado de atracar ao cais da infância, só tínhamos um caixote com algumas recordações, retractos, poucos, e roupas...

E o poeta?

Trapos, restos de ossos, nas mãos o cansaço das sombras da aldeia acabada de se esconder dentro da eira granítica da solidão,

Partíamos...

Sem regresso, inventava a “mulher clitóris” e percebia que os Mão Morta pertenciam ao meu futuro, e que um dia

O Poeta?

Morreu, e que um dia mataria as horas e os minutos...

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 1 de dezembro de 2018

O Barbeiro


A navalha suspensa no pescoço da saudade, o terrível ausentado sentado na cadeira do barbeiro, o silêncio da espuma de barbear esvoaçando pelos jardins do sofrimento, adoro o Outono, diz ele reflectindo os lábios em suspiros no espelho,

- É o penúltimo andar do edifício do amor,

O ouro liquefeito escorrendo-lhe entre os dedos queimados pelo cigarro, não dorme, e, em lágrimas, recorda a solidão das tardes perdidas, lá fora está frio, o sussurro da alma descendo a montanha, velozmente, sente, na garganta,

- Ai Sr. José, cuidado com a navalha,

O Sr. José, diplomado desde 1835 em navalhas,

- Sabe, tenho fome, sede, saudade das sombras e dos pinheiros mansos, e, mesmo assim, deixei de escrever,

Navalhas duplas, triplas, circulares, quadrangulares e outras,

- Já faço isto à muito tempo, Sr. Francisco…

A noite é fria, a casa está escura, e, quando abro os olhos vejo as pirâmides do Egipto flutuando no tecto da sala, corro, desço as escadas até ao rés-do-chão, e, nada, absolutamente nada,

- É o que faz ser poeta, Sr. Francisco,

Os poemas matam-me, sofro, e, choro, escrevo cartas que nunca envio, tristezas e desabafos alucinados pelo luar,

- Vamos cortar o cabelo?

Pelo luar, o eterno abraço, o beijo enfeitiçado, como as velhas folhas de papel amarrotado onde escrevia, respondo-lhe que não, cabelo não,

- O Sr. É que sabe,

Abro a janela, um lenço de suicídio desce à velocidade de nove virgula oito segundo quadrados, aterra no pavimento, e, nada, deixou de respira, está moribundo, e tem na mão o esqueleto da insónia,

- Está novo, Sr. Francisco,

E depois da insónia regressam as lágrimas, e depois das lágrimas regressam as madrugadas sem ninguém…

- Tenha uma feliz noite, Sr. Francisco,

Dou um aperto de mão ao Sr. José pelo poema que me desenhou no rosto, e, vou jantar…

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Dezembro de 2018

sábado, 24 de novembro de 2018


Podia desenhar-te o Céu.

A vida é um suspiro, a casa vazia, triste e a tremer de frio…, o cansaço do amanhecer perdeu-se no teu olhar, respiras, sofres por mim, e não o queres demonstrar.

Sabes, tenho medo dos pássaros, que deixem de voar, que fiquem estonteantes, como eu, ao ver-te aí deitada, tenho medo da madrugada, porque amanhã não sei se vou ler nos teus olhos a palavra amo-te…

E é tão triste, e é tão belo, todo este silêncio que nos abraça.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Novembro de 2018

domingo, 18 de novembro de 2018

O choro da laranja


Meu amor, hoje pertenço-te, absorves-me, alimentas-te das minhas palavras esquecidas num qualquer engate, é tarde, meu amor, a noite rebenta no meu peito, sinto o peso das estrelas nas minhas pálpebras inacabadas, o pintor adormeceu sobre o seu próprio corpo, é inerte, invisível na paleta das cores diluídas na alma, a morte, meu querido, o fantasma clandestino do abismo descendo a Calçada, e ao fundo

- O rio reflectido nos teus lábios, meu amor, a vaidade da folha de papel esquecida sobre a pobre secretária de pinho, o caruncho, a ferrugem das ardósias iluminando a noite,

E ao fundo, os barcos adolescentes brincando na sonolência da inocência,

- Tenho medo, meu amor, alicerças-te ao meu cansaço, o Francisco partiu hoje para o desconhecido, sabes, meu amor, gostava dele, amava-o… e amo-o, e tenho medo, meu amor, dos pássaros que voam, das flores que choram, das abelhas que incendeiam a manhã dos silêncios de Oiro, sabes, meu amor, tenho medo

- De ti, de mim, de estar vivo inventando a vida em quadriculados poemas, mais nada, meu amor, mais nada, apenas o medo, a alegria de amar-te, sem saber que o amor habita neste caixão de enxofre,

Oxalá

- As portas, os tristes alicates da escuridão vestidos de mendicidade, a tua boca na minha, o beijo, a orgia matinal da poesia, gemes

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii,

E nada quer de mim o que tu desejas…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 11 de novembro de 2018


(…)

 

Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,

Quero ser artista, mãe!

Nem penses..., nem... penses...

Filho meu não é artista!

Nunca,

Nunca, mãe?

Os sete, juntos, e sós, no Mussulo era mais barato, a saia descaída, o soutien desenhado no peito

E...

Nunca, mãe?

Nunca,

Nunca

No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem... o belo, a dança... e o corpo em pequenas rotações...

Os teus lábios acorrentados aos meus beijos embriagados pelo desejo, não o sinto, o vulcão da tua pele, não vejo o sorriso da tua mão, em vulcão, mergulhada nas palavras que o silêncio desenha na melancolia,

É falso,

O dia disfarçado de lápide, os outros destinos rejeitados pelo cacimbo, há uma fogueira no corpo da sinfonia do amor,

É falso,

O falso prazer, a liberdade to TEXAS e Cais do Sodré gingavam na penumbra salgada do abismo,

O querido, dança?

 

 

(…)

 

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 4 de novembro de 2018

A caneta de espuma


Uma caneta de espuma dispara contra mim a bala da saudade.

Traz dentro de si o amor das noites mórbidas,

Que habitam nesta velha cidade.

Embrulho-me no papel amarrotado pelo sonho, escrevo-me como se fosse o último banho antes de partir,

Entrelaço as mãos, e voo em direcção à tempestade,

Sento-me no teu colo,

Pego no teu cabelo sombrio, cor de noite, como as serpentes da minha vida, cansadas de envelhecer em mim…

Sei que os teus beijos são porcelana de açúcar, rosas mortas no jardim da solidão,

Como os teus olhos, negros da saudade envelhecida dos relógios engasgados pelo luar…

Habitas-me,

Habitas-me enquanto eu respirar, e aos poucos, sinto-me deslizar montanha abaixo…

E escondo-me no rio da morte.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Novembro de 2018

sábado, 3 de novembro de 2018


(…)

 

Não, não amanhã, amanhã vou à cidade, deixar o meu cadáver para ser enviado para a Metrópole, uma ardósia no peito, 123768979/66,

Só isso, pai?

Só isso, quando chegamos, nada tínhamos, apenas um caixote de nada, um rio nas veias... e tu

O mar, pai?

Morreu, disseram-me.…, não percebi, morte!!!!!

O que é a morte, pai?

Voar, 123768979/66... em combate, o silêncio do Grafanil, os sorrisos das mangueiras nos meus lábios,

E...

Pai?

Sim, filho, Margarida reaparece da escuridão, tinha como hábito brincar na areia branca da praia dos sonhos,

Mãe, o pai?

Ficção, tudo isto, nada, a dor, acordava de madrugada a gritar por granadas, G3 e literatura, literatura, mãe?

Poesia, textos, trazia na algibeira da farda...

Farda, mãe?

Poesia, textos, trazia na algibeira da farda... toda a sua estória, as canções de menino, os primeiros beijos,

Margarida?

Sim António...

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 1 de novembro de 2018


(…)

 

A fome dentro de um subscrito, lembrava-se das tardes de infância inventando barcos em esferovite e sonhos, ele

As palavras?

Ele sorria, percebia-se no seu rosto o esqueleto e a alma da alegria, e, no entanto, morreu...

E nunca, e nunca mais conversou comigo...

António... António amava-o...

Não sei, António, não sei

Regressar, porquê?

Hoje acordei cedo, Margarida embrulhada nos lençóis do Pôr-do-Sol, e lá longe

Cintilações dos minguados beijos nos teus lábios, os seios de cera desenhados nas eternas mesas-de-cabeceira

Louco, ele?

E lá longe, murmúrios e incorrigíveis uísques brincando dentro de um livro, Margarida

Amor?

Amar...

Os homens tinham regressado da faina, olhava-me um barco, tive medo, confesso,

Eu confesso

Tu confessas

Ele confessa,

E confesso que fiquei perplexo, tão triste, tão triste como as flores de Inverno,

A faina, peixe... nenhum, nada, nada ao quadrado vezes seis a raiz quadrada de mil novecentos e sessenta e seis, o pequeno-almoço, as torradas,

Para ninguém, devolvida

Endereço desconhecido,

Ele confessa,

Um galão, escuro,

António?

Sim, amor,

Hoje,

Hoje o quê, meu amor?

Hoje não vou escrever palavras de chocolate...

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 28 de outubro de 2018


(…)

 

Nunca soube o que era o amor, acreditava nas gaivotas em papel da minha infância, recordo o triciclo enferrujado, o boneco estúpido que apelidei de “chapelhudo” ..., que parvalhão apelidava o seu fiel amigo de “chapelhudo”, eu, claro,

As palavras misturadas entre orgasmos e flores, gemidos cirílicos suspensos nas andorinhas em flor,

Eu?

Nunca,

O amor,

Poemas escritos debaixo da embriaguez

Freguês?

Nem uma modinha habita na minha algibeira, e o amor sossegado debaixo de uma mangueira, crescia, brincava e...

Nunca,

E embrulhava-se na timidez de um novo dia, e lentamente, os meus ossos alimentados pelos sulcos solitários da noite, a barriga crescia-lhe, é menino? Menina?

Freguês?

Eu, simulador de voo quando as estrelas dormem, e habita na minha algibeira uma película fina de desejo,

O que é o desejo...!

Não

Nunca soube o que era o amor,

Não pai, não pode ser,

A vida é viver, um dia, dois dias, um quarto de dia..., percebes?

VIVER...

E amar?

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha

Sem medo de te perder


Teus lábios são amêndoas cansadas nos socalcos do douro,

Dentro de mim habita o cansaço da solidão,

Descendo a calçada,

Perpendicular aos penhascos doirados,

Sobre as minhas pálpebras um camião em transe, molhado pelo cacimbo,

Treme-me a mão que afaga o teu rosto,

Escrevo nas tuas lágrimas de papel amarrotado,

Doente,

Cansado.

Sofro, por ti, sabendo que existe no teu peito a injustiça,

Como todos os livros que leio,

Sofro, por ti, sabendo que em breve a geada te levará para o infinito adeus…

E eu, sem medo de te perder.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28/10/2018

domingo, 21 de outubro de 2018


Amar,

Desenhar no alpendre as verdadeiras palavras, simples, comestíveis nas noites de insónia, o caminho alicerça-se aos seus dedos, ele permanece impávido, incrédulo, com todos os sorrisos das montanhas de sémen,

Não pago, não quero saber da paixão, do amor proibido que só os lençóis de porcelana conseguem desfrutar,

O amor,

O poeta,

As migalhas de Deus descendo a calçada encarnada das escadas para o sótão, trazias no corpo as flores mais belas dos jardins sem nome

O amor,

As janelas fotocópias de mares e marés ensonadas, a carta envenenada sem remetente nos candeeiros do Luar,

“A ponte,

O fumo vadio galgando as minhas roupas como uma aranha sem nome, fios, pedaços de saliva e gotículas de suor, a luz absorvida pelo teu corpo de naftalina, a gaveta do guarda-fato sem nada guardar, esfomeado, húmido, este triste quarto despido dos vidros e dos cortinados, frestas, sombras que um dia se ergueram durante a noite e fugiram...

Regressar?

Partíamos...

Sem perceber o que era a Saudade...”

Onde moras, menino,

Perdi-me sem saber o significado de saudade, Lisboa crucificava-me,

Abrias os braços...

E pensava em ti...

As sombras, e pensava em ti, meu amor, quando adormeciam as imagens lânguidas do sofrimento, o vulcão das tuas coxas,

O regresso?

Nunca

As sombras, o timbre fixo da foz espetada numa caixa de cartão, tinhas nas mãos a safira paixão das noites em flor,

Nunca, nunca conheci a tua pele, era sempre noite em nós, adormecíamos como dos corvos suspensos na putrefacção da insónia, cintilavam os teus seios nas pálpebras do mal-me-quer adocicado, louco

Apaixonado, eu?

O corpo incha como uma orquestra desafinada, os lençóis de linho misturados com os beijos nocturnos do sémen inventado pelos rochedos da memória, hoje há caracóis, sardinhas... os monstros marinhos da tua língua, os teus seios abraçados a uma tela vazia, branca, triste como as ruas da cidade do abismo,

Hoje?

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/10/2018