sábado, 12 de maio de 2018

Flores


Gostava que as tuas mãos fossem palavras,

Sonhos encantados nas páginas de um livro embriagado,

Gostava que as tuas mãos fossem fósseis,

Pedaços de ossos,

Adormecidos no lençol da madrugada.

 

Gostava que as tuas mãos fossem um sorriso,

Um rio envergonhado correndo para o mar,

Gostava que as tuas mãos tivessem nos dedos pequenos dardos de sangue…

Quando acorda a lua.

 

Gostava que as tuas mãos fossem papéis,

Pedacinhos de jornal,

 

Entre parêntesis,

 

Em cada final de tarde.

 

Gostava que as tuas mãos fossem um carrossel,

Com crianças de sombra,

Gostava que as tuas mãos fossem um poema,

Cantado pelo silêncio,

Nos lábios de uma pomba.

 

Gostava que as tuas mãos fossem a Primavera,

Flores,

Jarras envenenadas por flores…

Das flores desencontradas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12 de Maio de 2018

domingo, 6 de maio de 2018

Âncoras de desassossego


Tinhas nas mãos os ossos enraivecidos da solidão,

Dos teus olhos desciam as palavras que eu escrevo no teu corpo; quando me escondo de ti na madrugada.

Tinhas nas mãos as sangrentas areias do deserto,

Poisavam livros nas tuas coxas, e do Luar regressava a nuvem da lamentação,

Uma lágrima chorada no teu rosto,

A alma desinquieta que atormenta os ventos nocturnos,

Como pequeníssimos papéis perdidos nos teus dedos.

Assim… ao deitar.

 

Sonhava com rugas, pedras e enxadas,

Rasgava a terra bolarenta dos segredos muros de xisto,

E, todas as manhãs, tinhas nas mãos a aurora neblina suspensa na janela do sonho.

 

Tinhas nas mãos a alavanca mecânica, o martelo e a minha dor…

 

Entre as penas dos melros brincando no meu jardim,

A sucata dos dias transformados em madrugada,

E os barcos, lá longe, vomitando âncoras de desassossego.

 

Perdi-me em ti, sabes?

 

Tinhas nas mãos a ânfora caminhada dos trilhos desenhados numa rocha,

Os santos em rebeldia nos altares das capelas,

O silêncio,

As pedras, os sargaços, e outras velharias…

 

Tinhas nas mãos o meu rosto…

 

E nunca percebi a claridade dos teus lábios.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 6 de Maio de 2018

sábado, 5 de maio de 2018

Sinfonia


Sentia-me obtuso com a tua simplicidade dos jardins adormecidos; uma flor poisa ruidosamente no teu rosto. O acordar!

Sentia-me confuso com o silêncio dos teus lábios, flácidos, cansados das minhas pobres mãos,

O sono.

Sentia-me perdido na seara da solidão,

Quando os pássaros escreviam palavras na eira, era Verão, e a candeia perdia-se sobre a mesa do esquecimento,

Me levanto,

E pego no Sol.

Me levanto,

E pego no silêncio que traz o Sol,

Sentia-me uma pomba quando o teu corpo desleixado aterrava no meu olhar,

Uma réstia de alegria,

Uma sinfonia para brincar…

E ouvia desenfreadamente os sons da alvorada.

Como eu queria ser criança…

 

 

 

Alijó, 5 de Maio de 2018

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 1 de maio de 2018

Sem ti


O fogo, sem ti, não é fogo.

É cansaço que se apodera dos braços,

É flor que morre na tua mão,

É avenida deserta, nesta cidade, sem pão.

O fogo, dos beijos baços,

É jardim de árvores caquécticas,

Adormecidas,

Tortas.

O fogo, sem ti, não é fogo.

É noite mal dormida,

Sorriso na parada do sofrimento,

De olhar distante,

É sirene da alvorada,

Muro em xisto,

Que atormenta minha amada…

Ai, meu amor, o fogo, sem ti…

Atormenta tanta gente.

O fogo, sem ti, meu amor,

É a luz das esplanadas de Verão,

São ruas,

Casas…

São barcos encostados ao portão,

Quando o meu quintal dança nos teus lábios de algodão,

O fogo, sem ti, meu amor,

Não é nada, nem pão, nem pedras poisadas no coração.

Amanhã, se o fogo, sem ti, não for fogo,

A minha vida é um pequeno conto,

Palavras…

Palavras, meu amor, sem ti!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Maio de 2018

domingo, 29 de abril de 2018

Alvorada da tristeza


Em redor dos teus cabelos,

A fragrância alvorada da tristeza; como é feio o meu jardim!

As flores de papel que alimentam o teu desejo,

Quando um caquéctico relógio de pulso se suicida na madrugada,

Fico triste, pois claro,

Aborrecido,

Cansado das canções dos teus lábios apaixonados,

Quem me dera que fossem por mim!

Quem me dera…

Quem me dera ser o teu jardim!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29 de Abril de 2018

domingo, 22 de abril de 2018

Palavras ao vento


Flor queimada.

Quando a enxada da saudade,

Dócil quimera da tempestade,

Mergulha na madrugada,

 

Perfume da solidão,

Rasgando a terra onde se entranha o teu cansaço,

Toco-te com a minha mão…

E sacudo a espada do abraço,

 

Nada faço,

 

A não ser escrevendo palavras ao vento.

 

Me sento.

 

Me alimento.

 

Menino da tua liberdade.

 

Flor queimada,

Que o mar semeia nos tempos de espera,

Quem me dera…

Nos soníferos da pomba assassinada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22 de Abril de 2018

sábado, 21 de abril de 2018

O fogo


Finalmente o fogo.

A vaidade da pobreza quando o homem acorda no teu peito,

As lágrimas da escuridão são capazes de dilacerar as tempestades de Verão,

O cansaço disfarçado de mendigo,

Acordar cedo,

Não comer,

E acreditar na saudade.

O fogo.

Lâminas de prata nos teus lábios,

Palavras desastradas no teu olhar…

Quando o poema se prostitui nas tuas mãos.

Invade-me a saudade de partir para a montanha,

Levar comigo os teus livros,

Viver sentado na sombra do ciúme,

Como campânulas de sono e drageias de sorriso…

Oiço o mar.

Os barcos encalhados nos meus dedos,

Vestidos de cetim nos seus ombros,

Cacilheiros,

Aldabrões…

E outros cabrões…

E mesmo assim,

Ao nascer do dia,

Sou confrontado com os teus beijos,

Poeirentos,

Com cheiro a naftalina,

Vaidosos segredos,

Nos muros de xisto do teu coração,

Anima-te rapaz.

Porque o fogo,

Esse animal de estimação,

Um dia,

Vai acordar na tua boca.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21 de Abril de 2018

domingo, 15 de abril de 2018

O carrasco


Todos os dias apareço.

Todas as noites sou comido por uma língua de sombra,

 

Posso concluir que sou um sonâmbulo desorganizado,

Distante das estrelas,

Cansado do vento.

 

Cada osso meu,

Um poema teu,

 

O carrasco.

 

Não gosto do vento,

Porque o detesto,

Faz-me mal às palavras escritas,

Enquanto dormes.

 

E sonhas.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15 de Abril de 2018

sábado, 14 de abril de 2018

A morte


Fujam.

Escondam-se na minha mão,

Traguem todos os livros,

Semeiem todas as palavras no meu corpo, rasguem-no, devastem todos os rochedos do medo,

E da solidão.

 

Oiçam-me,

Não finjam que a luz da minha aldeia é fictícia, longínqua… como as pedras do teu olhar,

Na madrugada.

 

Façam de mim uma bola.

O rio quando me chama,

Francisco.

E lá vou eu,

Desço a ravina,

Entrego-me a ele…

 

E morro de tédio.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Abril de 2018