segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Conversas de Enxofre

foto de: A&M ART and Photos

Há uma estrela cansada de viver, há uma estrela apaixonada pela tempestade invisível das cidades com edifícios carnívoros, os homens, como eu, são comidos por poderosas guilhotinas de aço inoxidável, o carbono sabe a poeira de marfim, e ela passeia-se pelos jardins com árvores de papel,
Equações com muitas incógnitas dormem docemente na palma da tua mão, tu tocas os mamilos pelo integrais triplas, e diferenciais equações desenhadas no coração da areia, o mar, o mar regressa a ti e leva-as, como levas os ossos nossos que as guilhotina de aço
Comeram? Comem? Adormecem na tua face as abelhas claridade das manhas de Outono, sinto o frio entranhar-se em mim, serás tu, tu
Disfarçada de cetim?
Tecido barato, chita, ou...
O cigano refila com ela, o cigano tenta embrulhar a menina num cubo de vidro, mas a menina, toda sabida, consegue aldrabar o cigano...
Perguntas-me
Quem, quem consegue enganar um cigano?
Fico sem música, Wordsong silencia-se e oiço o AL Berto sobre a minha secretária a discursar, pergunto,
Quem, quem consegue enganar um cigano?
Outro cigano? Outro homem como eu, comido e bebido pela guilhotina de aço? Não, Não poderá ser... assim choviam navalhas sobre o cansaço das tardes de Carvalhais, e sempre tive uma paixão secreta por ela, por S. Pedro do Sul... pelas Termas de S. Pedro do Sul...
O avô Domingos,
“Olha meu menino... a filha do Zé é única como tu e têm muitos bens...”
É maluca como eu..., segredava-me o meu outro eu,
O avô Domingos,
“Muitas terras, casas...”
E eu e o outro eu... Queremos lá saber disso, nós queremos viver livremente, correr, atravessar o mar em direcção a Sul, depois viramos à direita logo à saída de Castro Daire, e é lá, é lá que está ela à espera de um fedelho em círculos, prisioneiro à mão do avô Domingo, nessa altura
Não “Fingertips”,
O avô Domingos,
Finger quê menino?
Nada, nada avô... estava a falar da Teresa, daquela que você diz ter muitas terras, e casas... e parvoíce a mais dentro do pequeno cérebro misturado em areia e teias de aranha,
Sina de dinheiro,
O quê? Finger quê?
Nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha
Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...
Porquê, meu menino?
Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...
Finger quê, meu menino, Finger quê?
Nada, nada avô, nada, porque o sol vem sempre acompanhado, nada, nada avô, nada, porque a chuva traz sempre outro amigo, e esse amigos traz um pedaço de vento e o vento
Leva-te os papeis onde escreves, não é meu menino?
(nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha
Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...
Porquê, meu menino?
Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...
Finger quê, meu menino, Finger quê?)
E sentava-me junto às bananeiras, pertinho dos antigos balneários, e havia um banco só meu, tinha sempre na mão um livro, um caderno e uma caneta, e passava tardes inteiras a conversar com o enxofre da fonte incandescente junto a mim...
Nunca mais ouvia as palavras dele. Nunca mais.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

o homem de vidro com cabeça de seara planetária

foto de: A&M ART and Photos

saberás que ainda existo
eu
disfarçado de insónia
dormindo solitáriamente debaixo do teu cabelo
olho-os
são os teus lábios de melancolia que ornamentam as minhas mãos tristes
mórbidas
olho-os
são os teus seios embrulhados nas flores doiradas das atmosferas inventadas pela solidão
eu
saberás que ainda existo
que tenho fome

como-as (as horas) aos insignificantes relógios de pulso mergulhados na neblina
eu
que ontem percebia as andorinhas
conversava com as gaivotas
e quando atravessava o Tejo...
olhava-as
as coxas tuas como cavernas traçadas no xisto cinzento dos sonhos encarnados...
saberás que existo?

as noites horas
sem estrelas
janelas
ruas e ruelas
calçadas
e rios embriagados pelo incenso do teu corpo húmido outrora em tons de negro
como as rochas
quando se extingue a maré
quando tu te extingues
e procuras-me nas migalhas do jantar
saberás que ainda existo
eu? o homem de vidro com cabeça de seara planetária... sobre os alicerces do inferno...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

domingo, 15 de setembro de 2013

Sorrisos brancos

foto de: A&M ART and Photos

Excelente título para qualquer coisa com palavras...
O que pensas da paixão em dias de chuva, meu querido?
Excelente, divinal sorriso em silêncios brancos, os lenços de linho e bordados pelas tardes infindáveis das suas mãos de pergaminho, sentava-se no meu colo e abraçava-me, pedia-me
Posso beijá-lo?
Respondia timidamente que
Sim... talvez... silêncios brancos, lenços em linho, e nos lábios seda pura como lágrimas de Outono nas videiras nocturna dos socalcos virados para o rio, tudo parece existir, não existindo, as janelas de xisto
Abriam-se nas clandestinas jangadas com velas aos braços cansados nos Domingos depois do jantar, sabia-a apetecível... mas a senhora dona sobre mim absorvia todas as cores do arco-íris, comia-me a madrugada, e eu, nem com o amanhecer conseguia brincar, acariciar, nada, como se ele fosse um corpo desejado e intocável
Posso beijá-lo?
E havias as janelas de xisto suspensas nos cabelos da montanha, e havia as perdizes voando sobre os cachos ensanguentados pelo suor de quem os apanha, carrega-os, e
As janelas de xisto
E
As janelas de xisto
E
Posso beijá-lo?
E ele beijava-o e víamos o amanhecer pregado aos lábios da manhã...
E
Posso beijá-lo?
Perguntávamos-lhes se os beijos tinham açúcar, e perguntávamos-lhes se o amanhecer tinha desejos como os homens, como os homens, e como as mulheres, e as mulheres em outras mulheres, depois e os tristes homens em outros homens,
Posso beijá-lo?
E depois
As janelas de xisto
Vinham as sombras da noite anterior, entravam-nos e levavam-nos
Como crianças pela mão?
Como xistos em janelas de correr, guilhotinas simplificadas,
Quer factura?
Guilhotinas transparentes entre rochas e ruelas mergulhando a aldeia num frenesim de loucos, aviadores esqueléticos, aviadores sobrevoando imagens a preto-e-branco do teu corpo amargurado, absorvido pelo sémen nocturno dos esteios em palavras cansadas que a mão dele deixavam ficar nos lábios de outro ele, amavam-se
Amo-o, dizia-lhe entre sorrisos brancos, e no entanto hoje procura moedas de cêntimo na Calçada da Ajuda, ouve os apitos de um barco que partiu há vinte e cinco anos, para onde?
As janelas de xisto?
Beija-me,
E ele beijou,
Abraça-me...
E ele... timidamente... não abraçou... e desapareceu dentro do cacimbo como se houvesse um túnel secreto no peito dele, onde supostamente
As janelas de xisto?
Posso beijá-lo?
Que supostamente
E ele... timidamente... não acordou, e desapareceu... que supostamente lhe tinham cortado com a tesoura da dor...
O quê, o quê?
A vontade de amar, de amar como se amam as paixões envenenadas em suicídios de amêndoa...

(Não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Setembro de 2013

a navalha do sofrimento

foto de: A&M ART and Photos

colocas-me a navalha do sofrimento
sobre os meus lábios ensonados
sinto-te fria e distante
sinto-te além
ausente
e aqui ao lado
lá fora perto de uma árvore que acaba de tombar
um pequeno sorriso ergue-se no meu jardim
e de um simples olhar
os teus olhos entram juntamente com a maré
em mim
e o meu corpo pertence-vos...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Setembro de 2013

Participação na logos nº 4 Setembro de 2013


Participação na logos nº 4 Setembro de 2013

sábado, 14 de setembro de 2013

Doce face em claridade alface

foto de: A&M ART and Photos

Não respiro, as tuas calças sufocam-me e entro no vazio da melancolia que deixaste ficar sobre a mesa da sala de jantar, sento-me e adormeço até que sinto acordar o dia vestido de tristeza, a agonia entranha-se no soalho junto à lareira, imagino-te caminhar descalça no pavimento encerado sobre a madeira estrangeira, vejo no chão o espelho que nunca vi e que pensava não existir, caminhas, nua, só minha, só para
Para ti, meu querido, apenas,
Só,
Como as árvores não plantadas do teu quintal com vestígios de silêncio, e ao longe, imaginamos o mar entrar-nos pela janela do quarto, oiço a tua doce voz no tal
Espelho em soalho encerado?
No teu corpo, no teu corpo como ontem existiam peixes no aquário que tinhas no Hall de entrada, a porta evaporou-se e todas as janelas
Morreram?
Voaram como lágrimas em queda livre da tua doce face em claridade alface,
Morreram... como morrem todas as paixões e todos os esqueletos com duzentos e seis ossos, expirou a validade dos teus beijos, e a cidade respira ingenuamente como uma planta esquecida num dos imensos jardins em Belém, não respiro eu, e sei que as tuas calças deambulam como desassossegos verdes contra as paredes de gesso dos compartimentos que nunca saíram do papel, projectos, desenhos concebidos milimetricamente para se afogarem no rio da saudade, hoje, hoje dizes que sou eu, hoje sinto-me um barco a flutuar nas tuas coxas, hoje
Só...
Hoje percebi que as imagens de mim são reflectidas nos fantasmas dela, e que ele pertence à cidade, é filho do ciume, ele
Só?
Hoje percebi que as imagens de mim são reflectidas nos fantasmas dela, e que ele pertence à cidade, é filho do ciume, ele delicia-se com as mensagens secretas dos pensamentos travestidos telepaticamente depois de cair a noite sobre os largos ombros, sento-me e adormeço até que sinto acordar o dia vestido de tristeza, a agonia entranha-se no soalho junto à lareira, imagino-te caminhar descalça no pavimento encerado sobre a madeira estrangeira, vejo no chão os barcos enferrujados, vejo no teu chão palavras, muitas palavras para mais tarde escrever, ler, rasgar, pintar, palavras em pequenos molhos e vendidos nas ruas ímpares, e hoje
Só, eu, perdido na cidade com dentes de marfim e garganta de xisto, oiço-te quando me chamavas e eu acordava embrulhado em cobertores de lã, era verão, questionavas-me
Tens tanto frio, meu querido, estamos no verão...
Imaginava o que pensarias, imagino hoje o que pensas... quando percebeste que eu era uma paixão impossível, quando percebeste que eu era um pássaro em aço e impossível de destruir, tens... frio... no verão,
Só, então!
E vi no teu soalho encerado as lágrimas que foram minhas, quando tu ainda criança, eu, eu voava sobre as nuvens e as gaivotas, e quando acordava, percebia
Percebias...
Querido, tu estás na lua?
Claro que não, apenas frio, frio...
Percebias que eu era de pano, que eu era um espantalho que decidiste queimar numa fogueira juntamente com alguns dos livros que sobejaram das vendas clandestinas,
O jardim
Só,
Ardia, ardia como ardem as cidades de palha...


(não revisto - ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Setembro de 2013

nuvens de azoto

foto de: A&M ART and Photos

existes porque eu quero que existas
choras
não porque eu quero que chores
abraças-me porque eu quero que me abraces
amas-me
não porque eu quero que me ames
existes
insistes
e não desistes...
choras porque há nuvens de azoto nas pálpebras do Sol
porque eu quero que tenhas asas
e que voes e que voes.., como uma gaivota em desejo


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Setembro de 2013

um livro húmido sobre a cama da paixão

foto de: A&M ART and Photos

os medos teus absortos molhados olhos
os sofrimentos dele embrulhados em pedaços de papel cansados pelo peso das palavras
um livro húmido sobre a cama da paixão
liberto e amorosamente flutuante nas clandestinas janelas do desejo
o mar suspenso na tua mão de pétala cidade com telhados de vidro
o cubo onde te escondes
e dormes
transformado em insónia
os medos das nuvens encarnadas
como das flores pedestres nos abraços dela
e mesmo assim... escondo-me em ti
fujo das rochas xistosas que vivem nos teus cabelos

desço socalcos até acariciar os lábios do rio
deito-me na garganta invisível dos túneis onde os corpos deles escrevem quando lá fora chove
há lâmpadas indesejadas nas ruas da cidade
como homens e mulheres
também eles e elas
indesejados e indesejadas
por outros homens
por outras mulheres...

os medos teus... molhados olhos
e deitas a cabeça no ombro que dizem pertencer-me
e deitas as pálpebras cinzentas
como gotas de água...
na minha boca de luar
pelos molhados olhos... teus


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Setembro de 2013