sexta-feira, 17 de maio de 2013

é para desfazer a barba

foto: A&M ART and Photos

Descobríamos o sono na literatura das imagens, inventávamos silêncios, desenhávamos beijos nas montanhas do desejo, queríamos voar sobre o mar seara de argamassas em sofrimentos das flores em finas peles de areia, que o sonífero coração envenenado pela solidão, gritava como gargantas envidraçadas, como chuva emprestada, a salsa, a cebola, e os alhos..., acreditávamos que existia além da palavra amor, um corpo, braços, pernas, cabelos, olhos, olhos..., asas, montes e videiras, nuvens, casas, ruas e hospedarias, sentava-me na cadeira da barbearia
é para desfazer a barba,
Adormecia, sentia os relógios do vizinho em horários gemidos, nocturnas horas como pêssegos acabados de colher, subíamos e descíamos, abraçávamos-nos, como ervas, troncos, madeira prensada, apaixonados, nós,
eles diziam-nos para desistirmos,
Acorrentados, tubos de néon assobiavam como lanternas mágicas num espectáculo de circo, encharcados, eles, os artistas, o público, o silêncio, todos, e todas, riem-se porquê? que as imagens deixam o suor sobre a mesa-de-cabeceira, e havíamos de enganar o medo, como se engana a fome, o amor, e a paixão, e todos os corpos possíveis e impossíveis de desejar, e comiam-mos-nos como serpentes correndo em corredores que depois de cremadas, elas, voltavam à plateia, sentavam-se numa simples e singela cadeira de vime, no palco, dois pilares trapezistas vestidos como milhafres anónimos, caminhavam sobre um finíssimo fio de luz, e do outro lado, da tenda, as roulotes miseráveis que o homem de casaco branco deixou ficar como forma de pagamento, em demandada partida, desejou a todos
um santo e feliz natal,
E ainda hoje, o detesto, ao homem e ao natal, sinto-me frágil, como um caixote em madeira, nas minhas costas escrita a palavra “Frágil” e uma seta indicava o sentido único da posição correcta, não tínhamos o Kamasutra dos caixotes que transportavam as nossas bicuatas, e quando cá chegávamos, tudo, quase tudo “fodido”, os pratos, as jarras, e toda a porcaria comestível, tudo, ou quase tudo, em cacos, a vida
em cacos, a nossa vida,
Oh! dó... escroque vidente da literatura, da tua máquina de fazer imagens, eu vivia lá dentro, feliz, como eles, a preto-e-branco, cortinados encarnados, folhas de loiro suspensas sobre a padieira, e uma ténue luz, meramente indicativa, desejava-nos felizes cobertores de espuma, ouvíamos do fundo do corredor, os apitos de barcos como eu, frágeis, de corpo engomado
dói, dói tanto, pensar que se está morto,
Engomado, nós, comíamos-nos como loucos animais acorrentados na jaula do desassossego, ela, ele, e toda a porcaria, aqueles que mal dizem de mim, e da minha vida, todos, como dizia o cineasta “quero que eles se fodam”, claro, só aqueles que falam nas minhas costas, onde tenho inscrita a palavra frágil
eu, um caixote de madeira, pouca coisa, bicuatas, um velho fogão, meia dúzia de pratos, roupa, pouca, calções, sandálias de couro, um parvalhão de um boneco baptizado de chapelhudo, se fosse hoje chamar-lhe-ia de
Orelhudo,
pançudo,
Mudo, porque não ouvimos a sinfonia de cacos, e mesmo assim, em mim, o dito frágil, e uma seta que apontava para o céu, tinha seis anos, e já desconfiava de tudo o que existia acima de mim, abrimo-lo,
E tudo, tudo “fodido”, e tudo, tudo... partido, cacos, eles, elas, nós, a nossa vida, a nossa história, que história, João?
abrimo-lo, e sabes, querido João?
Diz-me,
abrimo-lo como que abre o peito de um corpo em putrefacção, e lá dentro, cacos, cacos e vidas em pequenas fotografias, que vivem, que dormem, dentro, fora, em ti, de ti
Até às tuas coxas e comiam-mos como pássaros loucos nos corredores da morte,
diz-me tu, se amanhã estarás dento de mim, como ainda permanecem todos estes cacos, paquetes, barcos, areia branca, pássaros, gaivotas e coqueiros, ai... ai o hóquei nos finais de tarde, deixei de o ter,
“abrimo-lo, e sabes, querido João?
Diz-me”
perdemos-nos nos semáforos de uma avenida, chamavam-lhe baía, eu, não lhe chamava nada, e tu, e tu, querido João, imaginavas-me, como os cacos, dentro de um caixote,
Frágil, com uma seta apontando o céu.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

o segredo tem medo do degredo

foto: A&M ART and Photos

o segredo
degredo
medo,

sentido proibido
risco contínuo
estrada desassossegada
envenenada,

a minha vida
vida
uma vida destruída
vida de prostituta
vida... desgraçada
labuta ele e luta
vida minguada
quando desce de mãos na algibeira
a calçada
endiabrada
ela
só entre a espada e a parede,

uma voz com sede
escrevendo letras na planície estrelar
ovos
bacon
pão com nada
vida ai vida
vida de “merda” vida enganada
vida... enforcada,

o segredo
degredo
medo,

a vida que de minha não é anda
emprestada
pago-a em suaves quarenta e sete doces prestações...
vida
vida
que me dizes tu desta “puta” desgraçada?

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Uma louca mulher e silêncios homens de Francisco Luís Fontinha

foto: A&M ART and Photos

As personagens coabitam na maternidade dos sonhos, vivem e dormem, ambas, dentro de um exíguo espaço do tamanho de uma algibeira minguada, penumbra e vazia, imagino-os colados ao tecido onde provavelmente alguém deixou o local exacto para as janelas e pelo menos, já não digo mais do que isso, uma porta de entrada, quintal, não, é impossível, porque não existe terreno suficiente no meu cérebro, e não vivo, porque as personagens umas ontem, outra hoje, e talvez amanhã... morrerá a réstia esperança dos segredos com cabelos castanhos e olhos verdes,
imagino-os
Ai sentados, ai coisa nenhuma, ai... deitados como âncoras de marfim quietas, formadas e bem vestidas, na formatura matinal, e todos os dias, a todas as oito horas da manhã... um pão e uma caneca com leite, depois, acordavam os complementos vitamínicos, como cigarros, vodka e às vezes, eles, tombavam como árvores quando a tempestade aparece e sem qualquer aviso, batem à porta,
quem é?
Correio,
ou é ou é, quase sempre é para receberem, porque para darem alguma coisa, não, nunca utilizam o correio, pelo menos, falo por nós, por mim, por ti
E eu, a infeliz dos dois,
E ele, o desgraçado com óculos e seios postiços, e ele, que em dia normais é ela, ou, ele, não interessa, e ele caminha dentro de nós as duas, cansadas, como animais, eles, abrindo, encerrando, as portas de entrada e as janelas de saída
da algibeira minguada?
De emergência, tinham escrito numa das paredes do sono, havia a planta do exíguo espaço, coisa pouca, “quebrar em caso de emergência” e nós
batemos, batemos... e a dita coisa não quebrou, ficou a olhar-nos, ficou...
E nós, como vós, entre as mulheres delas e os homens nossos, voávamos como pássaros loucos, no exterior complexo com grandes de ferro nas janelas, ele
eu escrevia na traseira das portas de madeira, desenhava na porta da casa de banho, inventava o mar na parede do corredor, e ainda nos sobrou tempo suficiente para assaltarmos a cabine telefónica estacionada no Hall de entrada, éramos também como os pássaros
Loucos embrulhados em drageias,
e os pássaros transformavam-se em cobras, e pela manhã, lá andavam eles a passear no corredor, tinham aproveitado o sonho, e devido ao diâmetro ínfimo, elas, conseguiam, e atravessavam as grades
E comiam-nos, e bebiam-nos, até chegar o medico e obrigar-nos a levantar, e levantávamos-nos, e entre as cobras, fumávamos os primeiros cigarros do dia, os primeiros cigarros da sobriedade, e
desistíamos de viver percebendo que tínhamos deixado a vida suspensa na rua dos plátanos e as personagens coabitam na maternidade dos sonhos, vivem e dormem, ambas, dentro de um exíguo espaço do tamanho de uma algibeira minguada, penumbra e vazia, imagino-os colados ao tecido onde provavelmente alguém deixou o local exacto para as janelas e pelo menos, já não digo mais do que isso, uma porta de entrada, quintal, não, é impossível, porque não existe terreno suficiente no meu cérebro, e não vivo, porque as personagens umas ontem, outra hoje, e talvez amanhã... morrerá a réstia esperança dos segredos com cabelos castanhos e olhos verdes,
Imagino-os...
imagino-me deitado sobre o mar à espera que o barco da loucura me venha resgatar, levar-me para terra, e se possível, ao menos isso, cremarem-me
Como Gogol fez com o manuscrito de “Almas Mortas”... e apenas cinzas, de mim, de ti, e de vós... entre paredes e verniz até à mesa da sala de jantar, penhorada, hipotecada,
imagino-me e imagino-os
Comendo amêndoas recheadas com chocolate.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

ou um esqueleto embrulhado em cristais poemas

foto: A&M ART and Photos

acreditava e não percebendo porque os olhos do meu amor
não são estrelas
cores
desenhos entalados nas fendas dos tristes murais de areia...
acreditava que vivias no silêncio
como
provavelmente tu também pensavas acreditar
que sendo eu filho de uma árvores e dos restos finados do capim...
um dia hoje amanhã quem sabe
acreditávamos
voar sobre as tão distantes palavras de nós
proferidas pelas gargantas humilhadas na miudinha chuva de Maio,

tão pouco sei se tenho amor
ou um esqueleto embrulhado em cristais poemas
sobre a tempestade dos arames onde suspendo a minha roupa depois de lavada,

acreditava,

e tão pouco percebo a tua existência
e entendo-a como uma sombra plantada no vento
ou como um barco rabelo semeado nos socalcos do sonho
correndo madrugadas
e inventando dores
cansaços
e... tão pouco sei se és o meu amor
ou se sou eu o amor sem amor,

acreditava não acreditar em palavras
parvas
obscenas
inscrições maternas na palma da minha mão
e feliz eu contente
por perceber que ainda tenho mão
e mãe
… quanto às palavras e ao amor... auto-suspendo-me das funções que me foram confiadas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A lareira da poesia

foto: A&M ART and Photos

Um corpo arde da penumbra noite de literatura
e da lareira dos livros vêm as marés com espuma de sémen
que as nuvens de amianto transportam sobre os cofres nocturnos da insónia
há intensas fogueiras de incenso sobre o teu ventre adormecido
pelo cansaço vómito do prazer,

Acordas-te puxando as encostas montanhas de rochas em intranquilos momentos
e poeirentas mangueiras de planícies pintadas de amarelo com bolinhas azuis
pensavam que eram o céu
e apenas as vírgulas no final de um texto escrito por ti
quando ainda conseguias alimentar as labaredas do amor,

Ardias por dentro
e fingias habitar como cubos de gelo
num copo de uísque sobre uma mesa redonda com pernas de aço
e dizias-te filha eterna do sono
e ardias nos meus braços de mogno importado do além...

Um corpo o teu corpo em mim semeado
ardemos os dois corpos dentro de um amontoado chiqueiro de cobras com lâmpadas de iodo...
havíamos de descobrir o medo
havíamos de descobrir o amor proibido e peneirento
do peneireiro de asas abertas com destinos infantis e sons de orangotango em cio,

O rio e a cidade dos corpos que ardem
em ti
de mim sabendo que amanhã deixarei de ter palavras para escrever
e muitos deles
felizes por saberem que amanhã... eu e tu... somos cinzas esquecidas na lareira da poesia...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Acreditarás no meu pequeno corpo?


foto: A&M ART and Photos

Onde me levarás quando eu descer os cortinados da dor, comíamos sandes de livros com molho de poesia e tantas migalhas em palavras, que hoje, nos esquecemos dos momentos ínfimos que a noite nos proporcionava, acreditávamos em silêncios e desenhos nas paredes do sono, lápis de cor, caixas de seis, doze ou... vinte e quatro, e sonhávamos com um corredor fino, alto, e escuro, e havia uma porta envidraçada, uma porta de entrada para o nada, e ninguém nos perguntou porque vivíamos obscuros, fingíamos-nos também nós, de pequenos cubos de vidro, fingíamos-nos também nós, de porta com o espaço reservado aos nossos corpos de vidro, livres, não opacos, transparentes e flutuantes como as folhas das árvores do jardim
o destino é fodido, dizias tu...
Do jardim das grandes amoreiras, as tuas sandália jaziam sobre o tapete de ardósia, voando, subindo veredas de carvão, o suor do teu corpo parecia papel de embrulho, ofegante, dilacerante, oitenta e quatro metros por segundo quadrado, tu, descias, descias até mergulhares nas
destino, é, hermeticamente fechado como as caixas de porcelana onde guardavas os guardanapos, alguns anéis e outras bugigangas sem interesse, como tu, para ti, sem interesse, como eu, como são as portas depois de encerradas, pregadas do lado exterior, como são os olhos das fechaduras, quando dilaceram um corpo nu, ou quase nu, suspenso nas mãos de oito estrelas com cinco cordéis de algodão, cinco, quatro, alegrias de viver e uma janela de Inverno com sombras para o mar das sílabas cansadas pela tua doce boca de lentidão, beijos, e víamos a tua face rosada mergulhar no candeeiro sobre a mesa-de-cabeceira,
o
é, dizias-me tu,
E como eu te percebo agora, porque sempre fui um filho bastardo do maldito destino, e sempre gostei de ti, como o sabíamos depois das tristes palavras que deixaste penduradas num pequeno cartaz junto ao frigorífico, irritei-me, peguei nele... e andar abaixo, rés-do-chão esquerdo, a vizinha por milímetros não atropelada por um amontoado de sucata, velharias, como eu, aqui, sentado, a tentar perceber o maldito destino de mim, sabendo eu, que eu, não, nunca, existi
acreditarás no meu pequeno corpo?
E pior do que isso... é que nem sou em ferro, porque os sucateiro davam-me um euro por cada quilo, ora isto perfazia cerca de setenta e nove euros, não era muito, sempre será alguma coisa, por enquanto, espero, porto ancorado às ilhargas elásticas dos azuis camarotes de veludo, havia champanhe, caviar, e o melódico som poético do homem das sete luas gordas, recheadas com pequenos pássaros das árvores do quintal coberto por mangueiras, criança triste fazendo-se passar por estilista, desenhava e costurava vestidos por medida, e nas horas vagas, escrevia poesia nas paredes do quarto, desenhava nas paredes da casa de banho, e irritava-se quando não o levavam a olhar o mar, domingos de manhã, escondia-se entre os barcos atracados no Porto de Luanda, e sonhava
um dia vou ter uma porta com muitos vidros, e debaixo da ombreira, uma linda mulher, com panos brancos, ou quase nua, ou ambas, ou nenhuma delas... um dia, vou ter uma porta, vinte e quatro, vinte e cinco, pequenos vidros, quadradinhos de ternura e açúcar prateado porque os teus lábios são como os pasteis de nata, comem-se, e depois... depois sentimos-nos leves como as gaivotas, passamos debaixo das portas com pequeníssimos vidros, e voamos sobre o Tejo...
Acreditas nos destino, amor meu?
E saboreava-os na boca como se fossem beijos teus...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Hotel Quinta da Seixeda – Alijó

terça-feira, 14 de maio de 2013

As janelas do Outono

foto: A&M ART and Photos

Dissimulávamos-nos entre as raízes poeirentas
dos velhos candeeiros a petróleo
deitávamos-nos sobre uma velha secretária em madeira apodrecida
e rezávamos
como personagens de um livro de insónias sobre o divã da saudade
percebia que os teus olhos
os olhos meus contra a cortina de fumo que alimentava o eterno silêncio
desejo
desejando palavras indesejadas
como nós
havíamos um dia de recortar as imagens das nossas cartas perfumadas
e suspendê-las ou decalcá-las... ou simplesmente... queimá-las contras os vidros das janelas do Outono,

Havia um corpo ancorado ao teu
que confesso... nunca percebi a sua história de cadáver sem sonhos
voando entre as montanhas dos pássaros encarnados com telhados de vidro...
ouvia
ouvíamos os ossos do esqueleto incompleto das tuas coxas ranger como gonzos
durante a noite construída em mentiras
e falsas imagens
com legendas tridimensionais
incolores
sofredoras como os bancos de madeira onde nos sentávamos...
que coisa... esta nossa vida
de equação de Einstein...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Desisto quando percebo que todos os corpos são corpos

foto: A&M ART and Photos

Escondes-te do mar, dentro do mar, existe à tua volta um túnel hiperbólico, ausente do vento de nordeste, escavam-se na rocha as palavras por dizer, proibidas, emagrecidas, escondes-te e desces e desces e desces,
dentro do meu corpo,
Sou o teu hospedeiro, o eterno viajante, sem bagagem, sem luvas, e na algibeira, poucas, as migalhas de sílabas para matar a saudade de escrever, quando a vontade há muito foi embora, agora, ficou, tu, a ausência de pessoas, de beijos, a ausência de calendários, como que existissem nas paredes em ruínas das almas que vagueiam pela cidade, corações, amor, desilusão, poucas vezes me confesso no espelho junto ao contentor de lixo, uma vezes cheio, outras, ultimamente, vazio, penumbro, escuro, e fundo,
peço um copo com água e açúcar, fico estável, não saudável, hirto, consigo caminhar sobre a espuma nocturna dos desejos masculinos, pensões de vinte e cinco euros, escadas em madeira, terceiros andares, quartos andares, pessimamente, os sótãos, difíceis para quem sofre do reumático, e quando se alcança a janela que dá para um telhado de oxigénio, existo, perco o pouco fôlego e desisto quando percebo que todos os corpos são corpos, apenas carne, ossos, e desejos, e dos tais beijos, desisto, perco-me, subo e subo e subo... até abraçar o teu corpo infinito enrolado em rectas paralelas e círculos de luz, tenho olhos verdes, e tu dizes-me que sou tímido, não sei, talvez, a primeira vez senti um frio na espinha, quando percebi que o comboio vinha na minha direcção, acordei repentinamente, interrompi o sonho, e até hoje, procuro-o... apaixonei-me por ele, e pelas loucas locomotivas com paragem em Cais do Sodré, um dia, eu, percebi que quase morrias nas minhas mãos, apenas porque tinhas esquecido de encerrar os cortinados de lona dentro do caixote de madeira, subo, subo até dizer chega, por hoje, baste de sacrifícios, de loucuras, de tesões sem palavras, nada
Entre nós,
o mundo acabou?
E sempre me respondeste que o mundo não acaba, nunca, eterno, efémero, como as gargantas dos espelhos saltitando das roseiras metáforas que a tua boca transpira,
acabou, terminaram as filmagens das últimas cenas, o eterno fim quando lá do cimo, víamos, abraçados, mão com mão, lábio com lábio, o recomeçar de um novo mundo, novas carruagens, novos viajantes, estes, sem bagagem, sem papeis de parede nos quartos, e que melhor quarto para dois, três ou... quatro, amantes, do que uma parede em gesso forrada com frestas, um crucifixo sobre a cabeceira, duas almofadas perfumadas com picos de bafio e hálito a teia de aranha, a chuinga colada sobre a mesa-de-cabeceira, e os teus gemidos travestidos de noite
Vagueando eu,
sobre os jardins inconsolado da marginal, sóbrios, eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu,
Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...
vagabundo tu,
O mundo acabou?
eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu, uma mala de viagem dançando de mão em mão, dormindo de quarto em quarto, não ter dono, não ser de ninguém, caminhar e subir, caminhar e subir, e subir... e caminhar sobre as tuas nádegas de areia,
O mundo acabou? Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola