quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Sílabas ósseas das palavras de vidro
Quando o amor emagrece
e morre
entre as sílabas ósseas das palavras
de vidro,
Quando entro em casa
quando tenho casa
e morto
ele
confessa-me que a tristeza o emagrece
e o amor enlouquece
um boneco de palha com sorriso de
veludo
cansaço,
Ele consulta o cardápio dos desejos
e não encontra abraços
nem beijos,
Desiste
e esconde-se no interior mais secreto
de um cilindro de madeira
ele procura
não encontra
a carta bela do amor morto
sem saber
desconhecendo
que as nuvens são apenas gotinhas de
água em desilusão
prestes a cair
sobre as flores mais distantes dos
jardins da morte
ele suspira
e emagrece nas mãos das sílabas
ósseas com palavras de vidro...
(desistes assim?)
O Comboio Fantasma
Um pouco tarde para quem acaba de perder a casa, a
vida, os olhos livres que mergulhavam nos lábios sangrentos dos
telhados de vidro, um pouco ou nada, ou tudo, porquê? Muito perfeito
como os diamantes das cansadas videiras sobre as mesas de xisto com
vista para o rio Douro, cansei-me deste rio tristemente aprisionado
numa fotografia esquecida na parede da cozinha, lá fora, há um
distante silêncio que atravessa as lâmpadas incandescentes dos
braços da água, aos poucos, poucos, quando chegas a casa e eu
tristemente, aos poucos, lá fora, esperando o desespero de uma
sandes de queijo com azeitonas e vinho, um pouco, tarde, perde-se a
vida crescida nas leituras litúrgicas dos candeeiros a petróleo,
gargantas ocas que flutuam no susto meteorológico das dentaduras com
sílabas de prata, e quando percebíamos, ouvíamos um pigmeu
cambaleando nas pedras desordenadas da calçada, um
Hoje vi a mais linda flor dos meus últimos minutos
de silêncio junto a um chafariz, por sua vez, este, junto, a uma
árvore, por sua vez, todos e ela inclusive, no centro de um largo
com cerca de três metros e cinquenta centímetros de Raio, talvez
mais, ou pouco, um
Ou dois, o chafariz e a árvore, esperavam o
autocarro, a flor, provavelmente esperava pela minha passagem, todos
os dias, uma vezes vou como sou, outras disfarçando-me de vento, mas
vou, e passo lá, e vejo-a, com sete pedras em placas finíssimas
como o fios de geada pela madrugada, o telegrama esperava-me, e ela
olhou-o como se ele fosse um pedaço de aço aos tropeções pela
cidade dos anjos caídos, mortos de cansaço como as pessoas de bom
senso, dizem que estou mais mal educado, pudera, um
Não percebi,
Onde estão os sonhos prometidos? Não sou rapazola
para fazer promessas que não posso cumprir, e as cumpridas vontades
do povo encurralado nas compridas camas espalhadas pela montanha do
círculos com árvores e chafarizes no centro, em redor, uma
Flor linda com pétalas de cristal, estava só e
provavelmente esperava o autocarro da carreira, ou, pela passagem do
machimbombo da catorze horas, um rua curva, estreita, como os seios
metafóricos das tuas palavras em ressonâncias magnéticas, oiço-os
quando viro levemente à direita, e sinto, sei que da esquerda, um
Comboio fantasma alerta-me que no final da linha,
quando chegar ao apeadeiro em ruínas, um
Círculo, uma árvore, um chafariz e uma flor, sem
que eu perceba, o que é uma flor linda com pétalas de Cristal, o
que faz ali, porque está ali, de onde é e para onde vai, se se pode
saber, sem o descaramento de o Cristal das pétalas estilhaçarem-se,
e os braços da prata geada solidificarem-se, sós, como todos os
dias quando chego ao final da linha, poiso os carris sobre a mesa, e
da marmita oferecida pelo Excelentíssimo Senhor D. Joaquim Francisco
de Francisco e Fernando Domingos de Solidão com Insónia, os meus
pais diziam-me
Cumprimenta o Senhor,
(e eu comprimentava, e eu fingia-me de morto para
não ouvir as preguiçosas mangas de camisa do dito Cabrão que todos
os dias fazia questão que eu, quando estivesse no alcance do seu
mais secreto círculo, me humilhasse, me
Boa tarde Excelentíssimo Senhor D. Joaquim
Francisco de Francisco e Fernando Domingos de Solidão com Insónia,
e ele umas vezes parecia um pedaço de rocha, outras
Vai com Deus meu rapaz, vai com Deus),
E educadamente cumprimentava o dito Cabrão com
olhos de açúcar e recheados com amendoins importados das
ex-colónias nunca nossas, como aprendíamos na escola, como aprendi
com outro rapazola que a terra de facto é de quem a trabalha, mas o
fruto, esse, pertence a quem o colhe, sempre foi assim, é assim com
os pássaros negros dos finais de tarde, foi assim com os pedaços de
cartolina onde eu desenhava laranjas e limões, e cidades como
petroleiros flutuantes antes de regressarem os loucos ruídos das
noites embebidas em pequeníssimos círculos, curtos, curtos cada vez
mais, até que a árvore e o chafariz e a linda flor com pétalas de
Cristal, apenas um
Ponto,
Final
Sem paragrafo.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Um sofá com pele cuticular
Pilotavas corações nos jardins suspensos da
Babilónia, às Segundas, Quartas e Sextas voavas sobre as searas de
sorriso que submergiam nos mares distantes das nuvens de gelo que
desajeitadamente acordavam dos pulmões de porcelana dos homens
prateados com cintos de Cobre, às Terças e Quintas dançavas sobre
as mesas do Karamelo Doirado Bar, e aos Sábados e Domingos, dormias
como os pássaros nos ramos de papel das árvores de prata, não
respiravas, não sorrias, apetecia-te ficar
Triste,
Não havia em ti uma simples corrente de ar que se
erguesse dos teus olhos, não havia em ti um aparo à espera de uma
caneta recheada com tinta e uma maço de papel mata-borrão, E
triste, dizias-me tu quando eu acordava do meu sono longínquo que me
levava a atravessar as loucas montanhas do sono,
Triste não haver em nós uma corda de luz enrolada
numa janela de mar com periscópio para observação da cidade dos
quatro tristes cadáveres de areia, insónia, insónia com poucas
palavras entre paredes, pilares e vigas de aço, triste não haver em
nós
Eu, tu e ele, Tristes
Um sofá com pele cuticular espera-nos para se
alimentar dos nossos ossos, o teu corpo e o meu corpo, esqueléticos,
são absorvidos pelas mandíbulas das molas dos assentos com
almofadas de orvalho, o lago onde te sentavas a olhar-me enquanto eu
pilotava os corações dos jardins suspensos da Babilónia
desapareceu quando decidiu a noite esconder-se dentro de uma larva
com olhos mórbidos, também eles
Tristes, como nós, Eu, Tu e Ele, e todas as árvores
de prata,
Também eles, todos, os habitantes dos jardins
suspensos da Babilónia na expectativa de uma nova revolução entre
palavras e canções, pedaços de cartão alimentavam os cobertores
daqueles que sem casa, iam vivendo nas ruas com edifícios de
sofrimento, e quando lhes perguntávamos se eram felizes
Que sim, muito, como nós, Eu, Tu e Ele,
Como nós ao acordarmos e as lâmpadas dos
candeeiros poisados sobre as mesas-de-cabeceira, todas, fundidas, sem
seguro e inspecção periódica, às vezes, o corredor, é
literalmente abraçado a uma coima simbólica por parte de um sombra
com braços de cinza, o excesso de velocidade, fatal, contra a porta
da casa de banho, de um pequeníssimo postigo de morte, três
costelas e um pulmão queixam-se do fumo das plantas que fazem sorrir
os homens que pilotam corações de chocolate que vivem nos jardins
suspensos da Babilónia, felizes
(Um sofá com pele cuticular espera-nos para se
alimentar dos nossos ossos, o teu corpo e o meu corpo, esqueléticos,
são absorvidos pelas mandíbulas das molas dos assentos com
almofadas de orvalho, o lago onde te sentavas a olhar-me enquanto eu
pilotava os corações dos jardins suspensos da Babilónia
desapareceu quando decidiu a noite esconder-se dentro de uma larva
com olhos mórbidos, também eles), abrem-se as carapaças dos
submarinos encalhados nos bancos de areia, à escotilha, um homem e
uma mulher e uma criança (não tivemos tempo de determinar o
respectivo sexo e a idade), provavelmente do sexo masculino com cerca
de seis anos, cor da pele (não determinada), olhos (com a distância
não nos foi possível verificar a cor dos olhos), e sem qualquer
dúvida trazia ao nível dos ombros um par de asas azul marinho, como
os sapatos de verniz que o tio Francisco lhe tinha oferecido, eles,
os três orgasmos de sémen perdidos na ocidental praia das línguas
de serrim, Tristes, todas, e todos
Esperavam,
Acordavam,
Inseminavam,
Um sofá com pele cuticular sobre os joelhos da
cansada nuvem em descidas bruscas dos céus pintados de fresco nos
bancos de madeira debaixo dos plátanos-poemas que escrevíamos antes
do jantar, triste não haver em nós uma corda de luz enrolada numa
janela de mar com periscópio para observação da cidade dos quatro
tristes cadáveres de areia, insónia, insónia com poucas palavras
entre paredes, pilares e vigas de aço, triste não haver em nós
Eu, tu e ele, Tristes
O cio mergulhado no rio Xisto, barcos de medo
pendurados nas janelas viradas para a seara de gelo, nuvens
poeirentas nas abraçadeiras das pernas dos pássaros e flores livres
entre os corações avermelhados que o saudoso amor engolia nas
profundas goelas de saliva que a paixão deixa ficar nas mãos dos
pequenos livros de poesia, ontem
Eu, tu e ele, Tristes
Numa cidade de madeira, e
E
E às Segundas, Quartas e Sextas voavas sobre as
searas de sorriso que submergiam nos mares distantes das nuvens de
gelo que desajeitadamente acordavam dos pulmões de porcelana dos
homens prateados com cintos de Cobre, às Terças e Quintas dançavas
sobre as mesas do Karamelo Doirado Bar, e aos Sábados e Domingos,
dormias como os pássaros nos ramos de papel das árvores de prata,
não respiravas, não sorrias, apetecia-te ficar
Triste.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Não falando nas noites
Um livro esquecido sobre uma mesa de vidro, os olhos
tristes da gaivota quando sobrevoa o oceano acreditando que as horas
são pedaços de papel à deriva no mar desenhado na areia por uma
menina com lágrimas de vidro em frente a um espelho de pano,
dividia-me entre manhãs de desencanto e tardes de loucura, não
falando nas noites
Ternura,
Pintávamos os nossos corpos invisíveis com
acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no
dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as
estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos
Vocês são a noite?
Dizíamos-lhes que sim, claro, porque ter medo,
vergonha, dizíamos-lhes que éramos a noite disfarçada de janelas
com vidro duplo, cortinados de açafrão, e na porta de entrada para
a gaveta onde guardávamos os pincéis, as tintas, as telas, a mãe
das telas, e os filhos das telas, desenhos, construídos, em
construção, alguns desmaiados e à espera da chegada do 112, outros
Amarfanhados como ervas daninhas recheadas de restos
de cigarro e pólen de haxixe que saboreavam os desassossegos lábios
das abelhas revoltadas contra as árvores do recreio, as tuas
lágrimas de luz morriam como morreram todas as coisas que amei, os
livros, as crateras dos desejos secretos quando a noite me vinha
buscar e eu sentia-me transportado para dentro do teu coração de
aço, outros
Sem vida, já, estendidos pelo corredor, o cheiro
putrefacto da tela misturada com a tinta, um cadáver de quadro sem
tecto, morada, destino, ou vida, pindérico pequeno-almoço que me
serviam na enfermaria e eu sabia das lágrimas circulares depois de
lhes calcular a área e o respectivo perímetro,
Qual é o perímetro de uma lágrima?
Partindo do princípio que as lágrimas não são
círculos, porque têm volume, e que o perímetro de uma lágrima
calcula-se elevando a tristeza ao cubo multiplicando pela cor dos
olhos
Qual é a cor dos olhos dela? Verdes, verdes, tem a
certeza?
Então diria que o perímetro da lágrima dela é de
três vírgula catorze verdes searas lineares...
(Pintávamos os nossos corpos invisíveis com
acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no
dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as
estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos), se éramos a
noite disfarçada de noite, tu, respondeste-lhe
Não, nós somos a noite disfarçada de amor, com
beijos, com asas, com vento e palavras parvas, com tardes cinzentas,
horas embebidas em ponteiros de relógios suspensos nas teias de
aranha das madeixas dos limoeiros da dona Aninhas, do galo que não
se cala, todos os dias, rabugento, enferrujado, rouco como os
cigarros de arame, tristes, tristes as tuas mãos com silêncios em
penas amarelas, verdes, azuis, encarnadas
Pareces um palhaço com ventoinhas nas pernas e
embrulhado num tecido quadricolor, depois tiveste o azar do teu
hipercubo se apaixonar por um gato, o gato mordeu-o e o hipercubo
fugiu, depois veio-te a carta do tio Hilário a comunicar-te que
Venho por este meio informar Vossa Excelência que os livros da
prateleira número três, rés-do-chão – Direito, por minha morte,
pertenceram à Biblioteca Pública da Aldeia das casas de vidro
(Que se foda o velho, nunca gostou de mim..., que
meta os livros pelo rabo acima)
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário,
do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou
mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessa,
Quero lá saber da paixão do meu hipercubo por um
ranhoso gato, mimado, filho único como eu e maluco, como diz o povo,
ai o povo diz tanta coisa
Só não diz às vezes aquilo que devia dizer,
Como a gaveta mortuária onde dormem as telas
mortas, como a gaveta dos sonhos onde dormem um par de chaves e uma
lanterna, como
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário,
do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou
mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessam,
Como será um hipercubo loucamente apaixonado por um
gato? Consegues imaginar?
Claro que consigo
É como nós,
Um dia é verde, outro dia é encarnado, e às vezes
alterna entre o azul e o amarelo, e nunca, e nunca elas se queixaram
por eu não saber calcular a área, o perímetro ou o volume de uma
simples lágrima, porque o segredo está
No coeficiente de tristeza.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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(Trinta e seis cachimbos e uma
secretária)
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domingo, 17 de fevereiro de 2013
Luas noites
Me encantam as luas noites
que desenhávamos na areia húmida do
segredo nocturno
me encantam os sonhos circulares com
olhos de vidro
que tínhamos sobre a mesa-de-cabeceira
me encantam as tuas doces mãos
tórridas
que ancoravas no meu pescoço
trémulo
frio
longe do sol
me encantam as labaredas dos teus
lábios
incinerais como as algas que procuravas
no mar da ausência
me encantam as sílabas encarnadas dos
teus seios minúsculos,
Me encantam as lagoas azuis do teu
púbis metamorfoseado pelas tempestades de xisto
como as cinco palavras secretas do
abismo
me encantam as flores que se suspendem
nos ambíguos olhos da solidão
amorfos
embebidos nos transeuntes de pano que
habitam a cidade
me encantam as sebentas que a floresta
esconde nas algibeiras da madrugada
sem saber que o frio engorda as asas
dos pessegueiros
e o calor emagrece os ramos dos
pássaros
me encantam as laranjas que transformas
em sumo
néctar de oiro com pulseiras de
plátano adormecido
me encantam as tuas tristes lágrimas
de sabão
quando descem dos telhados de vidro as
salmonelas embalsamadas.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Trinta e seis cachimbos e uma secretária
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos
poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de
beijos com sabor a silêncio, com a janelas do jardim das imagens
encerradas, limito-me a desenhar no tecto das tuas mãos os orgasmos
de ruído que a própria desintegração provoca nas paredes frágeis
deixadas pelos antepassados pais em gesso e ripas e no interior palha
seca,
Sei que me odeias, pensas tu quando abres as minhas
cartas encalhadas nos rochedos que o mar da saudade esconde, um
submarino de dor entranha-se nas tuas finas pernas, e o torpedo do
amor rebenta contra os cabelos desassossegados que sobre ti deambulam
como as borboletas palavras dos tristes livros sem poemas,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Amanhã, quando uma resma de papel acordar sobre o
meu peito, (pediste do reciclado por causa do ambiente), mas
esqueceste-te dos meus olhos desde ontem, prisioneiros numa almofada
de cartão recheada com pedaços de amêndoa, tiraste-me os
candeeiros da mesa-de-cabeceira, e pintaste no espelho do guarda-fato
em espantalho de aço
Pergunto-te
Achas isso normal?
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos
poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de
beijos com sabor a silêncio, coisas suicidam-se nas manhãs de
segunda-feira, e amanhã uma coisa qualquer vai morrer,
desintegrar-se como fizeste com os meus olhos,
O que fiz eu aos teus olhos aparvalhadamente?
Deixaste-os, sós, sobre uma almofada de cartão
recheada com amêndoas...
E depois?
Tive medo dos muros de betão que estão a construir
à volta das nossas recordações, cada dia que passa, mais
longínquas, distantes, em cinza dizias tu quando o meu cachimbo se
apagava, e a noite entrava em nós como abelhas com sonhos nas asas e
amanheceres nos lábios,
E depois, depois o muro ergueu-se até ao céu,
colocaram-lhe sobre ele um tecto de lona, a a nova vida tornou-se num
circo ambulante com clarabóias de chocolate,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
À procura das linhas interrompidas que o pavimento
da vida vai deixando submersas como as acácias de luz nos vidros
opacos das janelas do destino, acordei cedo, deixei de fumar os três
cigarros que fumava todos os dias ao acordar, pensava que não ia
conseguir sobreviver, acordar, andar, amar, ser o mar, a lua, o
cristal da paixão nas mãos de ti quando me abraçavas em
pensamento, e consegui, e estou vivo, mas há qualquer coisa sombria
nas tuas queridas mãos de seda, mas há
Que faço aos meus trinta e seis cachimbos?
Há um texto por escrever, há duas personagens que
precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e
branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de
saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que
trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia,
atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um
rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às
vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?
São de madeira, ardem!,
E eu sabia que nas tuas pálpebras brancas viviam
socalcos desde o cimo da montanha até à linha férrea que circunda
o mais belo rio, não sei
(Se primeiro este ou o Tejo)
Talvez sejam os dois os mais belos, únicos,
artistas de circo que Portugal tem, hoje, hoje tenho saudades do Tejo
porque poucas vezes o olho, e quando o olho, vêm-me as distantes
lágrimas das manhãs de areia, e o Douro olho-o todos os dias bem lá
longe, como os seios de manteiga da menina Aurora que era telefonista
na companhia de seguros, eu, um simples corredor com portas, e um
tecto falso, e ela, uma secretária, em pura madeira virgem, louco,
louca
(Pura lã virgem),
E
Há um texto por escrever, há duas personagens que
precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e
branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de
saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
P.S.
“As árvores abandonadas pelas chamas desérticas
que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia,
atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um
rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às
vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?”
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sábado, 16 de fevereiro de 2013
Equações do silêncio
Laços olhos
simplesmente partilhados
entre maços de palavras
e de vidro telhados
vêm as marés às manhãs teus lábios
nos cansados pães de açúcar
entra o mar pela porta secreta do homem
vestido de negro
com um cinto de prata
e preso na boca
um cigarro de lata
como as letras das indesejadas equações
do silêncio
porque o teu coração
espera a minha mão disfarçada de
jangada
atravessas o rio
e em nada
a minha madrugada
cinco palavras escritas numa parede
à tua espera
como as cigarras noites de Primavera
como as poucas viagens das drageias de
solidão
do outro lado da rua
um comboio vestido de paixão
com um ramo de flores e uma triste
pétala nua
que os carris comem os sorrisos da lua
e brincam às palavras cegas
jogam à macaca
com riscos de seda no pavimento de
cimento
parecem pássaros de heroína
na algibeira do vento
sem hora de regressar...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Mínimos fios de oiro
As diurnas caixa dos sonhos (esmolas?) que de
estabelecimento comercial em estabelecimento comercial, de jardim em
jardim, de cave em cave, escondem, semeiam, gratificam, as poucas
moedas e notas que o homem dos gelados de chocolate foi deixando pelo
chão, hoje sei que no Baleizão uma casa fantasma andava sempre de
mão dada comigo, hoje sei que quando olhava a estátua da Maria da
Fonte um petroleiro com bandeira da República Popular da China voava
entre os meus cabelos e a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços
de papel que sobejaram das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei
que
Deixei de saber, os anos atracam-se-me como
correntes de aço, roubam-me os poucos sonhos que ainda restavam ao
meu cadáver corpo de madeira prensada, e também existe o problema
das asas de alumínio, os parafusos roucos devido às noites que
passei sentado nos bancos de jardim à espera da menina do circo, e
nunca mais chegava, chega, até que o arame que ligava as duas
margens partiu-se em bocadinhos, centímetros de arame que
aconchegadamente podem eternamente viver dentro da minha algibeira,
Tens saudades minhas? Respondia-te que não
fingindo, porque sempre tive saudades dos caixotes de madeira, das
moscas com muitas patas e asas transparentes, porque sempre tive
saudades das pontes, dos teus cabelos de fio doirado e corpo
magríssimo quando sobre o arame atravessavas as duas margens e
desaparecias na neblina de Almada, claro
Que tenho saudades tuas sua tonta,
E depois do espectáculo, descias, construías uma
vénia ao teu sorridente público e ias esconder-te na caravana
estacionada a poucos metros do palco invisível, que o teu pai,
empresário, ilusionista e palhaço, demorou um inteiro dia a montar
sobre o pavimento térreo do voo nocturno dos pássaros embebidos na
vodka dos miúdos à porta do cabaré, e quando lhes perguntavam se
tinham factura?
Em uníssono respondiam
Tinhas corpo de bailarina, como as abelhas em busca
do pólen que dos rochedos da insónia agrediam verbalmente os homens
que no Baleizão semeavam gelados de chocolate junto à esplanada
recheada de cadeiras e mesas e pessoas
De chapa zincada,
Em uníssono respondiam que com a fome comeram a
(fatura) e com um pouco de sorte, durante a noite, ela, debaixo do
(teto) das amendoeiras em flore, certamente era expedida através das
entranhas do rabo ensanguentado devido à grossura do papel que
tapava as fendas das paredes da caravana, ela
Esplanada recheada de cadeiras e mesas e pessoas
adormecia nos meus braços e pela janela da caravana eu, eu via a luz
mergulhada nos Cacilheiros em corridas como círculos em volta de uma
árvores de sombra
Ela gritava,
E ouviam-se-lhe os gemidos dos motores a diesel
engasgados com os rebuçados de mentol e recheados com sonhos, os
mesmos que a gaveta durante anos, e anos, e anos,
Guardou como objectos valiosos, como ainda tenho
todos os pedaços de arame que ela utilizava para atravessar as duas
margens, e quando poisava em Almada, ouviam-se-lhes os gemidos
Dos motores a diesel que da caravana uma janela
imprimia o rosto de um menino abraçado a uma menina, que procuravam,
em busca, das asas de vidro das noites voadoras sobre o rio
circunflexo dos alguidares de alumínio, e na verdade, deixei,
deixamos, perdemos-nos
Antes do espectáculo começar e ela se transformar
em nuvem de algodão, e hoje sinto saudades das inocentes (diurnas
caixa dos sonhos (esmolas?) que de estabelecimento comercial em
estabelecimento comercial, de jardim em jardim, de cave em cave,
escondem, semeiam, gratificam, as poucas moedas e notas que o homem
dos gelados de chocolate foi deixando pelo chão, hoje sei que no
Baleizão uma casa fantasma andava sempre de mão dada comigo, hoje
sei que quando olhava a estátua da Maria da Fonte um petroleiro com
bandeira da República Popular da China voava entre os meus cabelos e
a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços de papel que sobejaram
das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei que), que desciam do céu,
e silenciosamente se sentavam nas cadeiras do Baleizão, aos poucos,
um miúdo de seis anos apaixonava-se por uma trapezista com asas e
que usava na cabeça fios, mas muito mínimos, de oiro, como as gajas
que muitos anos depois eu via nas caves dos bares em Cais do Sodré,
Ela gritava,
Aos poucos, um miúdo de seis anos apaixonava-se por
uma trapezista com asas e que usava na cabeça fios, mas muito
mínimos, de oiro, que o vento levou como leva todas as palavras de
amor.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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