E se a noite te
procurar,
Aceita-a,
E não tenhas
medo de amar.
Alijó,
29/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
E se a noite te
procurar,
Aceita-a,
E não tenhas
medo de amar.
Alijó,
29/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
Nunca vi o mar.
Se eu pudesse, desenhava
o mar nos teus olhos, se eu pudesse, escrevia o poema nos teus lábios quando
nasce o Sol, depois, subia à montanha mais alta do planeta terra e conversava
com Deus; se eu pudesse conversar com ele, não lhe diria nada, como nada digo
com quem converso.
Mas reconheço que tenho
uma certa inquietação e digamos que…
Um desejo?
Não, minha querida, não.
Mas se eu pudesse,
perguntava-lhe onde estão todos os papagaios em papel que lancei, e hoje,
brincam juntamente com ele, no céu.
Mas reconheço que tenho
uma certa inquietação e digamos que…
Medo?
Não, minha querida, não,
Sabes, nunca tive medo.
Pela manhã pedíamos
uísque, torradas e cigarros, depois, levantávamos voo sobre a cidade e só
voltávamos quando sabíamos que todos os barcos que dormiam no Tejo já tinham
zarpado em direcção ao terceiro esquerdo da rua nas floreiras adormecidas;
subíamos as escadas, cambaleando no sono invisível da madrugada, abríamos a
porta de entrada, com acesso a uma pequena divisão onde adormeciam livros,
discos e sombras e fotografias, depois abríamos a janela e da rua chegavam a
nós todos os nomes que tinham passado pelos corpos que às vezes deixávamos
junto à esplanada, o Tejo, cansado da noite, deitava a cabeça nas minhas
pernas, declamava-lhe um poema e ficávamos assim, invisíveis, até que a noite
descia sobre nós – na algibeira, cinco cêntimos de euro.
As palavras que lançávamos
contra a parede que dava acesso à varanda, e sempre que acreditávamos que
tínhamos o Sol escondido no peito, depois de bateram contra a janela, acabavam por
regressar a nós.
E se podíamos deitar fora
todas as coisas possíveis e imaginárias, às palavras, nunca o conseguimos, até
que um dia, eu e o mar, começamos a lançar da varanda, papeis escritos e
rasurados, desenhos, riscos, diversa mobília e um par de calças; e não sabíamos
que a paixão tinha tomado conta das nossas mãos, e uma noite, percebi que tinha
a minha mão entrelaçada com a mão do mar.
Medo?
Não, minha querida, não,
Sabes, nunca tive medo.
Fiquei tão feliz, olhei-o
e pela primeira vez, beijei o mar.
Um desejo? E o Tejo?
Não, minha querida, não.
A alvorada trazia a nós
todas as canções que a noite semeava num qualquer bar, numa qualquer rua, junto
ao rio. Do meu mar, aquele que nunca tive a oportunidade de olhar, escrever ou
pintar, chegavam a mim todos os silêncios que um poeta medíocre como eu,
poderia ter.
E mesmo assim, quando me
faltavam as palavras, tocava-lhe nos seios, e já com as minhas mãos nas suas
coxas poéticas que apenas a noite consegue descrever (eu nunca serei capaz de o
fazer), deixava sobre a sua pele o mais belo poema de amor.
Acusaram de homem louco. Acusaram
o poeta de medíocre, e hoje vende versos ao domicílio com a promoção de leve dois
e pague um. E não é preciso adivinhar o resultado, quando ninguém consome
poesia nos dias de hoje; a fome.
O desejo invadia-nos
naquele apartamento e no terceiro esquerdo da rua nas floreiras adormecidas, eu
e o mar, escrevíamos no pôr-do-sol as lágrimas das manhãs que teimavam em regressar
sempre ao teu púbis, como se este, ao contrário das ruas e de todos os
esconderijos da cidade, fosse o único lugar do planeta terra onde poderia
encontrar Deus; e ele, nunca me quis ouvir.
Um desejo?
Não, minha querida, não.
E a paixão habita neles
como habitam em mim os papagaios que fazem companhia a Deus, nos céus de
Luanda.
Alijó, 28/11/2022
Francisco Luís Fontinha
(ficção)
Não sei precisar
Quantos beijos posso
escrever
Em cada milímetro quadrado
da tua pele,
Tão pouco
Quantos poemas posso
desenhar
Em cada milímetro quadrado
da tua pele,
E se me perguntarem qual
a raiz quadrada
Do teu olhar,
Sei precisar;
Um milhão de estrelas em
desejo
E uma noite de luar.
Alijó, 28/11/2022
Francisco Luís Fontinha
Somos muitos,
Somos as almas
penadas,
Somos o pecado
que invade a noite,
Somos o poema
embriagado nas mãos de Deus,
Somos muitos,
somos poucos,
Somos esqueletos
em papel,
Somos parvos,
Entre parvos,
Somos loucos,
Loucos que
somos,
Somos muitos,
Somos poucos,
Somos livros,
Desenhos,
Corpos despedidos,
Muitos,
Poucos,
Somo tempo
perdido,
Somos o sonho;
Muitos,
Poucos,
Nada do que
somos.
Alijó,
28/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
Poiso nos teus
lábios a lareira da paixão,
Pequena flor
Em meu triste olhar,
E este barco
cansado
Perdido neste
grandioso mar,
Este barco
apaixonado
No silenciado
luar,
Este barco
ancorado
Aos teus seios
de amanhecer,
Sou este barco
fundeado
Nos versos de
escrever,
Pequena flor
Em meu triste olhar,
Que o vento
lança ao meu coração,
Este barco que não
se cansa de navegar,
Enquanto invento
no teu cabelo estrelas de muitas cores,
Este barco de
amar,
Amar todas as
flores,
Pequena flor
Em meu triste olhar,
Do meu olhar
Tua dor,
Nos teus lábios
a lareira da paixão.
Alijó,
28/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
Escrevo neste
rio teimoso
Rio que habita
no meu peito
Escrevo nos teus
olhos
As lágrimas do
amanhecer
Escrevo e não
escrevo
Mas temo que o
não possa fazer
Quando nos teus lábios
Crescer uma
flor.
Escrevo neste
rio envergonhado
Que dentro de
mim se perdeu na enxada da saudade
Dos dias sem
dormir
Nas noites quando
penso em ti
Montanha desalojada.
Escrevo com esta
pincelada enxada
No teu corpo que
desce a colina
Escrevo e não
escrevo
Escrever em teu
corpo de menina.
Alijó,
28/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
Este meu pobre mar abandonado,
Este lindo mar envenenado,
O mar triste e salgado,
Este mar amargurado,
Quando em minha mão,
Este mar desassossegado…
Morre no meu coração.
Este mar que não se cansa
de comer,
Este mar das palavras e
nas palavras de escrever,
Este mar que foge de mim
a correr,
Deste mar quase a morrer.
Este triste mar da
inocência prometida,
Este velho mar em
despedida,
Este grande mar quando
brinca na avenida…
Morre no meu coração.
Este mar das tardes em
poesia,
Quando beijo os teus olhos
perdidos no dia,
Este mar que sentia,
As palavras que eu não
sabia.
Morrer no meu coração.
E eu desconhecia.
Alijó, 27/11/2022
Francisco Luís Fontinha