Desta árvore onde me
sento, não vejo o mar. Nesta árvore onde durmo e sonho, não vejo o mar. Nesta
árvore onde poiso as minhas mãos frias e amarguradas, vejo o mar.
Serão os meus olhos as
janelas com fotografia para as infinitas tardes de Primavera? Sentado neste
cadeirão, enquanto pela janela chegam a mim as palavras que nunca te direi,
desisto de olhar-te, desisto de mentir-te; um dia, qualquer dia, perceberás que
os pássaros também choram.
Que as árvores também
choram. Que tu choravas enquanto eu desenhava em mim todas as lágrimas dos longínquos
coqueiros, que tu choravas enquanto eu semeava palavras nas tuas chagas.
Os pássaros também
choram. As flores, ao contrário dos pássaros, dançam, brincam, erguem-se até às
nuvens; os pássaros choram, as flores, as flores que tinhas sobre o peito, não
choravam, mas… voavam.
Voavam como voam hoje as
tristes equações do sono, voavam como voam hoje todas as manhãs sem poesia, do
corpo, do teu corpo, lanço sobre ele o poema em cio, vagueio e não choro,
levanto-me do chão, poiso a minha mão sobre os teus seios de amanhecer, e
acreditando que os meus poemas são as delícias do teu olhar, olhava-o,
colocava-lhe a mão sobre o débil peito e, cansei-me de desenhar palavras nas
tuas mãos. Seria melhor teres voado…
Desta árvore, observo-te.
Lanço sobre ti o silêncio, lanço sobre ti a espada do sonho e, não, não digas
que os pássaros não choram, porque os pássaros, como tu, também choram, também
brincam, também morrem.
E morrem de quê, meu
amor?
De alegria, minha
querida, morrem de alegria.
Como os poemas que te
escrevo.
Como os poemas que te
escrevo e guardo-os dentro da algibeira da insónia, e acredita que morrem de
alegria; e nas suas asas transportava uma manhã de Primavera.
Quanto tempo, doutor?
Duas semanas, duas
semanas,
Duas semanas poisado
sobre esta árvore à espera de que os pássaros chorem, à espera de que esta
mesma árvore, também ela, chore
De tristeza?
Não minha querida, de
alegria.
Um dia a casa despediu-se
dele. Enquanto voava pelo corredor, olhava todos os objectos, e ambos sabíamos
que nunca mais os olhava; e ambos sabíamos que o jardim que se despedia dele,
um dia, hoje, é apenas terreno agreste, é apenas pó.
E voaram, meu amor.
Os pássaros também
choram?
E as árvores, e as casas,
e este rio que te olha, e este mar que te banha quando a maré entra pela janela
e um orgasmo de palavras se abraça ao teu olhar. Depois, tivemos a visita das
sobejantes árvores onde podíamos ver as lindas manhãs de Primavera, como se a
Primavera naquela tarde fosse uma pedra mágica.
E depois, minha querida?
As tardes de ninguém,
Ouviam-se-lhe as
gargalhadas em despedida, mas o sono levou-a para os infinitos murmúrios da
solidão, e dizem que hoje vagueia pelas ruas da cidade em busca de pincelados
sorrisos.
Não sei, meu amor…
De tristeza?
Não minha querida, de
alegria.
E nunca percebemos porque
choram os pássaros; os pássaros da minha vida.
Alegria, meu amor?
E só quando as
fotografias estão em silêncio é que percebemos que os pássaros, as árvores, os
poemas, choram…
E os barcos, meu amor?
Esses, brincam nas minhas
mãos…
Alijó, 16/10/2022
Francisco Luís Fontinha