terça-feira, 18 de outubro de 2022

As palavras da Primavera

 

Procuro nos teus lábios

As cerejas da Primavera,

Procuro no teu olhar

As palavras da Primavera,

E o que seria de mim…

Sem as cerejas,

Sem as palavras,

Da Primavera.

Procuro em ti

Todos os silêncios da Primavera,

Das andorinhas da Primavera

Roubo os teus lábios,

Roubo os teus olhos

Que apenas a Primavera…

Sabe escrever sobre o mar.

Tenho em ti,

Todos os pincelados desejos da Primavera…

E percebo que este mar que só habita na Primavera,

Procura incessantemente as tuas mãos,

Também elas, filhas da Primavera;

E enquanto procuro nos teus lábios

As cerejas da Primavera…

Vem a mim a alegria da Primavera,

E traz-me todas as palavras da Primavera.

 

 

Alijó, 18/10/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Os poemas das estrelas de papel

 Este longínquo silêncio a que chamam de mar e que poucos o olham enquanto este dorme dentro de um pequeno livro de poesia, o mar está revoltado (as palavras fluem e o poema cresce como crescem as algas dos teus cabelos), ouve-o e deita-te sobre ele, veneno da madrugada que aos poucos semeia nos teus lábios o beijo,

E nos lábios da maré habitam as primeiras nuvens da manhã, dos tristes barcos que brincam nos cadernos quadriculados da noite, e como sabes, nem todas as estrelas são em papel, e como sabes, nem todas as estrelas são estrelas,

E todos os beijos, são beijos?

Nem todos os beijos são beijos, nem todas as estrelas são em papel, mas o longínquo mar sabe que dos teus olhos saem todas as madrugadas as palavras que o poema ao longo do dia vai mastigando, depois a fome

Das palavras?

Do vento que transporta as palavras.

Um dia este mar há-de morrer. Deus queira que sim; oiço os apitos dos petroleiros que pé ante pé, um passo para a direita, outro, agora para a esquerda, masturbam-se na esplanada de um bar, o velho desenha shots de uísque na âncora tarde de Cais do Sodré, e sempre que chovia, uma puta de cigarro na mão suplicava por lume, que depois de cigarro aceso, em frente ao comboio para Belém, destroçava,

E sabíamos que o jantar era peixe no forno porque depois de sentados em volta da quadriculada mesa, nunca mais voltávamos a Belém, portanto, a última Ceia, peixe no forno com linguiça, batata assada, sumo de laranja e pão saloio,

Um cigarro de intervalo, da algibeira os tristes gemidos das ratazanas que sabíamos que habitavam dentro dos muros amarelos, mas que nunca tinham sido observadas, apenas sabíamos porque diziam que ouviram dizer…

Ontem, viste-as?

Às palavras?

Nas janelas as laranjas que sobejaram do desejo, e nas laranjas tínhamos sempre o maldito mar revoltado (as palavras fluem e o poema cresce como crescem as algas dos teus cabelos),

Viste-as?

Viste-os?

O perfume, tínhamos o perfume que um deles tinha palmado a um qualquer gajo na feiro do relógio,

Fotografia, amor?

Livro, moço, compre-me este livro…

Que raio, nunca tive sorte com as laranjas, e, no entanto, o perfume recordava-me uma sombra que deixei há muito tempo dentro de um pequena caixa de sapatos,

Ontem ou hoje?

Amanhã, amanhã o sol brilhará,

E a lua, meu amor?

Um barco que se afunda, um marinheiro que morre enquanto fuma o cachimbo e da corda suspensa no machimbombo, uma pequena lâmina de luz é lançada contra o pôr-do-sol, escrevem-me cartas

Pedaços de um livro.

Somos nuvens, somos sombras que cambaleiam na parada do inferno, o sol fazia com que o alcatrão se revoltasse contra nós e depois das chuvas, regressavam as laranjas que outrora tinham sido esquecidas numa qualquer janela de um qualquer sótão,

Suspenso nas frestas da paixão,

Um velho crucifixo que nos olhava.

Olhas-me porquê?

Enquanto o dia ainda não cresceu dentro de ti,

Somos,

E ontem tínhamos o vento que transporta as palavras; hoje só temos as fotografias das laranjas que alguém deixou ficar nas vidraças da noite,

No entanto,

O amor inventa nos teus olhos os poemas das estrelas de papel, e ontem tínhamos o vento, mas hoje, hoje temos este longínquo silêncio a que chamam de mar e que poucos o olham enquanto este dorme dentro de um pequeno livro de poesia…

 

 

Alijó, 17/10/2022

Francisco Luís Fontinha

A janela do teu olhar

 Quando abres a janela

Do teu olhar,

E um lençol de lágrimas

Poisa na vidraça da manhã,

Não te apoquentes,

 

Há dias de chuva

Onde um lindo sol está a brilhar,

Há dias frios,

Dias quentes…

Quando abres a janela

 

Do teu olhar,

E num lindo dia de sol,

Trazes contigo as lágrimas

Que poisam na vidraça da manhã,

Lembra-te do mar…

 

Sempre em movimento,

Sempre acorrentado às marés…

e… amado por todos,

e sempre a sonhar.

E se um lençol de lágrimas

 

Poisa na vidraça da manhã,

Fica tranquilo, porque há sempre um poema

Na tua mão,

Um poema proibido,

Um poema de um lindo dia de sol…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

17/10/2022

Gaivotas da minha terra

 

Onde habitam as gaivotas da minha terra

E poisavam na minha mão,

Onde brincam as árvores que subiam a serra,

E hoje, todas elas, tombadas no chão,

 

Onde se escondeu o mar

Da minha terra, da minha imaginação,

Onde andam os silêncios de luar

Que eu tinha no coração,

 

E hoje, não passam de papel amargurado…

Onde estudam as gaivotas acorrentadas

Que eu tinha embalsamado,

 

E dormiam suspensas nas mangueiras,

Onde habitam as gaivotas inventadas

Que a minha terra transformava em feiticeiras.

 

 

Alijó, 17/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Seara madrugada

 

Escrevo-te, enquanto acorda em mim

O triste silêncio da manhã,

E perco-me nos teus lábios,

Seara madrugada

Dos meus tristes pecados,

 

Escrevo-te, enquanto as minhas palavras

Acordam nos teus olhos silenciados

Pelo alegre luar,

Escrevo-te, enquanto olho este mar

Que leva para longe todas as minhas madrugadas,

 

E são infinitas.

Escrevo-te, janela lunar

Dos medos envenenados,

No corpo complexo e invisível

Dos bosques em esconderijo abraço,

 

Escrevo-te, milhafre

Das tardes junto ao rio,

Nas montanhas do Adeus…

Escrevo-te, poema milagre,

Que poisa sobre ti,

 

Antes de terminar o dia.

Escrevo-te, carta sem destinatário,

Menino dos calções…

Enquanto fugias da lareira

Das noites frias de Inverno.

 

 

Alijó, 17/10/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 16 de outubro de 2022

Infinito adeus

 Da noite fria

Chegam a mim as tuas pinceladas lágrimas.

Trazes nas mãos as flores da tristeza,

Em voos contínuos, pequenas palavras,

Que o vento eleva até ao sofrimento,

 

Na noite fria

O infinito adeus,

A calçada morre, o rio foge e sobe a montanha,

Não me dês a alegria,

Não quero esta noite fria

 

Sobre os meus ombros em sofrimento.

E depois do adeus, e depois da saudade,

O terrível infinito em trágicas madrugadas,

E o silêncio emerge

Nos plátanos envenenados pela neblina,

 

Sofrem, as andorinhas em flor.

E na noite fria

Que se alicerça ao meu corpo dissecado pelo teu olhar…

Esta temida pedra,

Com os olhos postos no mar,

 

E há uma canção que grita,

Uma palavra que chora

Nesta noite fria;

Adocicado beijo,

Antes de acordar.

 

 

 

Alijó, 16/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Os pássaros também choram

 Desta árvore onde me sento, não vejo o mar. Nesta árvore onde durmo e sonho, não vejo o mar. Nesta árvore onde poiso as minhas mãos frias e amarguradas, vejo o mar.

Serão os meus olhos as janelas com fotografia para as infinitas tardes de Primavera? Sentado neste cadeirão, enquanto pela janela chegam a mim as palavras que nunca te direi, desisto de olhar-te, desisto de mentir-te; um dia, qualquer dia, perceberás que os pássaros também choram.

Que as árvores também choram. Que tu choravas enquanto eu desenhava em mim todas as lágrimas dos longínquos coqueiros, que tu choravas enquanto eu semeava palavras nas tuas chagas.

Os pássaros também choram. As flores, ao contrário dos pássaros, dançam, brincam, erguem-se até às nuvens; os pássaros choram, as flores, as flores que tinhas sobre o peito, não choravam, mas… voavam.

Voavam como voam hoje as tristes equações do sono, voavam como voam hoje todas as manhãs sem poesia, do corpo, do teu corpo, lanço sobre ele o poema em cio, vagueio e não choro, levanto-me do chão, poiso a minha mão sobre os teus seios de amanhecer, e acreditando que os meus poemas são as delícias do teu olhar, olhava-o, colocava-lhe a mão sobre o débil peito e, cansei-me de desenhar palavras nas tuas mãos. Seria melhor teres voado…

Desta árvore, observo-te. Lanço sobre ti o silêncio, lanço sobre ti a espada do sonho e, não, não digas que os pássaros não choram, porque os pássaros, como tu, também choram, também brincam, também morrem.

E morrem de quê, meu amor?

De alegria, minha querida, morrem de alegria.

Como os poemas que te escrevo.

Como os poemas que te escrevo e guardo-os dentro da algibeira da insónia, e acredita que morrem de alegria; e nas suas asas transportava uma manhã de Primavera.

Quanto tempo, doutor?

Duas semanas, duas semanas,

Duas semanas poisado sobre esta árvore à espera de que os pássaros chorem, à espera de que esta mesma árvore, também ela, chore

De tristeza?

Não minha querida, de alegria.

Um dia a casa despediu-se dele. Enquanto voava pelo corredor, olhava todos os objectos, e ambos sabíamos que nunca mais os olhava; e ambos sabíamos que o jardim que se despedia dele, um dia, hoje, é apenas terreno agreste, é apenas pó.

E voaram, meu amor.

Os pássaros também choram?

E as árvores, e as casas, e este rio que te olha, e este mar que te banha quando a maré entra pela janela e um orgasmo de palavras se abraça ao teu olhar. Depois, tivemos a visita das sobejantes árvores onde podíamos ver as lindas manhãs de Primavera, como se a Primavera naquela tarde fosse uma pedra mágica.

E depois, minha querida?

As tardes de ninguém,

Ouviam-se-lhe as gargalhadas em despedida, mas o sono levou-a para os infinitos murmúrios da solidão, e dizem que hoje vagueia pelas ruas da cidade em busca de pincelados sorrisos.

Não sei, meu amor…

De tristeza?

Não minha querida, de alegria.

E nunca percebemos porque choram os pássaros; os pássaros da minha vida.

Alegria, meu amor?

E só quando as fotografias estão em silêncio é que percebemos que os pássaros, as árvores, os poemas, choram…

E os barcos, meu amor?

Esses, brincam nas minhas mãos…

 

 

Alijó, 16/10/2022

Francisco Luís Fontinha