sábado, 18 de maio de 2013

Línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs

foto: A&M ART and Photos

Esperas-me?
terminam os carris, sorris, desces para mim das bananeiras imergente dos teus livros em desassossego, levantas-me como se eu fosse uma fina folha de papel, revestida, o sobretudo, as algibeiras desconexas, parasitando-lhes as mandíbulas emagrecidas, que a noite escreve no teu cabelo, o trabalho?
Não trabalho,
imagino-me como línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs onde brincam caravelas, mulheres, homens, gaivotas coloridas, travestidas e belas, tão, o pouco trabalho, desejado caminhar sobre capim e sombra do zinco musseque de arame, as palmeiras viajam paralelamente ao teu corpo diurno, conheci ontem uma montanha, imagino-a deitada, debaixo dos meus lençóis de cadáver com cheiro a mimosas florida, alecrim, e
Não pertenço aos teus doces crisântemo adjacentes das curvas de horror que vivem nas clareiras praias inocentes, existiam dizias-me, homens com capacetes de verniz, dizias-me, existirem janelas com roldanas onde uma corrente de aço se alicerçava, e puxavas os pesadíssimos ascensores entre o trânsito, transeuntes de palha, moveis de penúria, magrezas e gentilezas, tuas, quando gritavas o meu nome
francisco!
Coisa nenhuma, eu, escondido no teu ventre de sofrimento, lendo, relendo, o perfume e os desenhos (corações e setas... e algures, perdidamente, eu + tu), e hoje, não percebo, nunca percebi, quem eras tu, e quem realmente sou eu,
Francisco, e pensava olhando o espelho da noite que começava na sanzala, - Vais levar nos cornos! - e claro, eu, eu nunca me enganava, e ainda hoje, tenho medo ao
francisco...
esperas-me?
Ao que eu pensava, não, não te espero, nunca te esperei, odeio-te, és um inútil covarde de metano, um cigarro encharcado de medos, fúrias, solidões e casas de pasto, factura?
não
Obrigado, a todos, por, terem vindo ao meu último desejo, a viagem sem regresso, deslizar sobre o gelo fundido, caminhar sobre as searas de milho e recordar-me das corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente
peixe frito, sandes de torresmos, tremoços e quitetas, (os parvos nem imaginam o que são quitetas), vinho da casa, bom, do melhor que há, e claro, não posso esquecer os bolos maravilhosos da tia Guilhermina, tão velhinha, tão oca como as oliveiras antes de conhecerem a morte, mas apenas ela, e só ela, consegue, com meia dúzia de ovos, pouco açúcar e farinha... inventar maravilhosos belos bolos cobertos por uma única fina película de chocolate, as galinhas ainda não morreram, ainda temos algumas couves para o seu sustento, e os peixes do aquário, ultimamente, parecem andorinhas, voam, de encontro às vidraças das janelas da sala de jantar, que por razões economicistas, está encerrada, na porta, temos um letreiro “encerrado para obras”, e assim, enganamos os clientes, amigos e familiares,
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente, nesta, na próxima, cidade, brevemente regressados a casa, descalços, despidos, mergulhávamos no misterioso corpo rochoso da menina Guilhermina
sua tia?
Não, esta não é a verdadeira tia Guilhermina, esta, a menina, a menina do rés do chão frente, número trinta e três, mil e duzentos, Lisboa, esta, a menina Guilhermina, aquela que entra em mim, e me desassossega para eu escrever todas estas
francisco...
Corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Francisco.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

e esquisitos silêncios que absorvem os teus pequenos seios

foto: A&M ART and Photos

um fino esqueleto de poeira
saber-se-à como palavras de solidão submersas em ténues jejuns de insónia
o circular olhar da nuvem sem nome
que o vento come
os finos e esquisitos silêncios que absorvem os teus pequenos seios
quando se passeiam pelas ruas junto ao Tejo,

havíamos de construir um barco das palavras nunca prenunciadas
por medo
tédio
ou ventos inventados
como caranguejos sebentas de papel esbranquiçado entre mil riscos
que uma caneta de tinta permanente derrama sobre um peito de aço,

um simples fino esqueleto de areia
moliceiro cansaço da manhã tempestade do desejo
quatro letras suspensas numa janela de salitre
e dizíamos-nos engraçados descalços e pendurados nas árvores da Madragoa
e no entanto morríamos entre ruas e casebres
e bares de Lisboa...

@Francisco Luís Fontinha

O teu corpo... de vidro

foto: A&M ART and Photos

Entranho-me entre palavras ditas
parvas ruas começando na alvorada
nunca
terminando
vivendo debaixo do tecto da madrugada,

Sofrendo as palavras mortas
dor
como a chuva de Maio às esplanadas de suor
teu nosso corpo mergulhado na noite
e existem as palavras entre espelhos de porcelana,

A cama treme
o frio
a febre
teus meus braços fixos no leme da saudade
como um carvalho olhando o Douro da montanha apodrecida,

A mendiga mão que os teus olhos comem
sofrem
bebem as hóstias destinadas ao prazer do sémen encardido sobre os vidros de cor
que as ditas palavras
deixam sobre o orgasmo nocturno das bocas sofridas,

Mato-me conforme o prometido
quando absorvi o teu corpo de gesso
o teu corpo... de vidro
em cor
com dor...

sofrido.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha





@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 17 de maio de 2013

é para desfazer a barba

foto: A&M ART and Photos

Descobríamos o sono na literatura das imagens, inventávamos silêncios, desenhávamos beijos nas montanhas do desejo, queríamos voar sobre o mar seara de argamassas em sofrimentos das flores em finas peles de areia, que o sonífero coração envenenado pela solidão, gritava como gargantas envidraçadas, como chuva emprestada, a salsa, a cebola, e os alhos..., acreditávamos que existia além da palavra amor, um corpo, braços, pernas, cabelos, olhos, olhos..., asas, montes e videiras, nuvens, casas, ruas e hospedarias, sentava-me na cadeira da barbearia
é para desfazer a barba,
Adormecia, sentia os relógios do vizinho em horários gemidos, nocturnas horas como pêssegos acabados de colher, subíamos e descíamos, abraçávamos-nos, como ervas, troncos, madeira prensada, apaixonados, nós,
eles diziam-nos para desistirmos,
Acorrentados, tubos de néon assobiavam como lanternas mágicas num espectáculo de circo, encharcados, eles, os artistas, o público, o silêncio, todos, e todas, riem-se porquê? que as imagens deixam o suor sobre a mesa-de-cabeceira, e havíamos de enganar o medo, como se engana a fome, o amor, e a paixão, e todos os corpos possíveis e impossíveis de desejar, e comiam-mos-nos como serpentes correndo em corredores que depois de cremadas, elas, voltavam à plateia, sentavam-se numa simples e singela cadeira de vime, no palco, dois pilares trapezistas vestidos como milhafres anónimos, caminhavam sobre um finíssimo fio de luz, e do outro lado, da tenda, as roulotes miseráveis que o homem de casaco branco deixou ficar como forma de pagamento, em demandada partida, desejou a todos
um santo e feliz natal,
E ainda hoje, o detesto, ao homem e ao natal, sinto-me frágil, como um caixote em madeira, nas minhas costas escrita a palavra “Frágil” e uma seta indicava o sentido único da posição correcta, não tínhamos o Kamasutra dos caixotes que transportavam as nossas bicuatas, e quando cá chegávamos, tudo, quase tudo “fodido”, os pratos, as jarras, e toda a porcaria comestível, tudo, ou quase tudo, em cacos, a vida
em cacos, a nossa vida,
Oh! dó... escroque vidente da literatura, da tua máquina de fazer imagens, eu vivia lá dentro, feliz, como eles, a preto-e-branco, cortinados encarnados, folhas de loiro suspensas sobre a padieira, e uma ténue luz, meramente indicativa, desejava-nos felizes cobertores de espuma, ouvíamos do fundo do corredor, os apitos de barcos como eu, frágeis, de corpo engomado
dói, dói tanto, pensar que se está morto,
Engomado, nós, comíamos-nos como loucos animais acorrentados na jaula do desassossego, ela, ele, e toda a porcaria, aqueles que mal dizem de mim, e da minha vida, todos, como dizia o cineasta “quero que eles se fodam”, claro, só aqueles que falam nas minhas costas, onde tenho inscrita a palavra frágil
eu, um caixote de madeira, pouca coisa, bicuatas, um velho fogão, meia dúzia de pratos, roupa, pouca, calções, sandálias de couro, um parvalhão de um boneco baptizado de chapelhudo, se fosse hoje chamar-lhe-ia de
Orelhudo,
pançudo,
Mudo, porque não ouvimos a sinfonia de cacos, e mesmo assim, em mim, o dito frágil, e uma seta que apontava para o céu, tinha seis anos, e já desconfiava de tudo o que existia acima de mim, abrimo-lo,
E tudo, tudo “fodido”, e tudo, tudo... partido, cacos, eles, elas, nós, a nossa vida, a nossa história, que história, João?
abrimo-lo, e sabes, querido João?
Diz-me,
abrimo-lo como que abre o peito de um corpo em putrefacção, e lá dentro, cacos, cacos e vidas em pequenas fotografias, que vivem, que dormem, dentro, fora, em ti, de ti
Até às tuas coxas e comiam-mos como pássaros loucos nos corredores da morte,
diz-me tu, se amanhã estarás dento de mim, como ainda permanecem todos estes cacos, paquetes, barcos, areia branca, pássaros, gaivotas e coqueiros, ai... ai o hóquei nos finais de tarde, deixei de o ter,
“abrimo-lo, e sabes, querido João?
Diz-me”
perdemos-nos nos semáforos de uma avenida, chamavam-lhe baía, eu, não lhe chamava nada, e tu, e tu, querido João, imaginavas-me, como os cacos, dentro de um caixote,
Frágil, com uma seta apontando o céu.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

o segredo tem medo do degredo

foto: A&M ART and Photos

o segredo
degredo
medo,

sentido proibido
risco contínuo
estrada desassossegada
envenenada,

a minha vida
vida
uma vida destruída
vida de prostituta
vida... desgraçada
labuta ele e luta
vida minguada
quando desce de mãos na algibeira
a calçada
endiabrada
ela
só entre a espada e a parede,

uma voz com sede
escrevendo letras na planície estrelar
ovos
bacon
pão com nada
vida ai vida
vida de “merda” vida enganada
vida... enforcada,

o segredo
degredo
medo,

a vida que de minha não é anda
emprestada
pago-a em suaves quarenta e sete doces prestações...
vida
vida
que me dizes tu desta “puta” desgraçada?

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Uma louca mulher e silêncios homens de Francisco Luís Fontinha

foto: A&M ART and Photos

As personagens coabitam na maternidade dos sonhos, vivem e dormem, ambas, dentro de um exíguo espaço do tamanho de uma algibeira minguada, penumbra e vazia, imagino-os colados ao tecido onde provavelmente alguém deixou o local exacto para as janelas e pelo menos, já não digo mais do que isso, uma porta de entrada, quintal, não, é impossível, porque não existe terreno suficiente no meu cérebro, e não vivo, porque as personagens umas ontem, outra hoje, e talvez amanhã... morrerá a réstia esperança dos segredos com cabelos castanhos e olhos verdes,
imagino-os
Ai sentados, ai coisa nenhuma, ai... deitados como âncoras de marfim quietas, formadas e bem vestidas, na formatura matinal, e todos os dias, a todas as oito horas da manhã... um pão e uma caneca com leite, depois, acordavam os complementos vitamínicos, como cigarros, vodka e às vezes, eles, tombavam como árvores quando a tempestade aparece e sem qualquer aviso, batem à porta,
quem é?
Correio,
ou é ou é, quase sempre é para receberem, porque para darem alguma coisa, não, nunca utilizam o correio, pelo menos, falo por nós, por mim, por ti
E eu, a infeliz dos dois,
E ele, o desgraçado com óculos e seios postiços, e ele, que em dia normais é ela, ou, ele, não interessa, e ele caminha dentro de nós as duas, cansadas, como animais, eles, abrindo, encerrando, as portas de entrada e as janelas de saída
da algibeira minguada?
De emergência, tinham escrito numa das paredes do sono, havia a planta do exíguo espaço, coisa pouca, “quebrar em caso de emergência” e nós
batemos, batemos... e a dita coisa não quebrou, ficou a olhar-nos, ficou...
E nós, como vós, entre as mulheres delas e os homens nossos, voávamos como pássaros loucos, no exterior complexo com grandes de ferro nas janelas, ele
eu escrevia na traseira das portas de madeira, desenhava na porta da casa de banho, inventava o mar na parede do corredor, e ainda nos sobrou tempo suficiente para assaltarmos a cabine telefónica estacionada no Hall de entrada, éramos também como os pássaros
Loucos embrulhados em drageias,
e os pássaros transformavam-se em cobras, e pela manhã, lá andavam eles a passear no corredor, tinham aproveitado o sonho, e devido ao diâmetro ínfimo, elas, conseguiam, e atravessavam as grades
E comiam-nos, e bebiam-nos, até chegar o medico e obrigar-nos a levantar, e levantávamos-nos, e entre as cobras, fumávamos os primeiros cigarros do dia, os primeiros cigarros da sobriedade, e
desistíamos de viver percebendo que tínhamos deixado a vida suspensa na rua dos plátanos e as personagens coabitam na maternidade dos sonhos, vivem e dormem, ambas, dentro de um exíguo espaço do tamanho de uma algibeira minguada, penumbra e vazia, imagino-os colados ao tecido onde provavelmente alguém deixou o local exacto para as janelas e pelo menos, já não digo mais do que isso, uma porta de entrada, quintal, não, é impossível, porque não existe terreno suficiente no meu cérebro, e não vivo, porque as personagens umas ontem, outra hoje, e talvez amanhã... morrerá a réstia esperança dos segredos com cabelos castanhos e olhos verdes,
Imagino-os...
imagino-me deitado sobre o mar à espera que o barco da loucura me venha resgatar, levar-me para terra, e se possível, ao menos isso, cremarem-me
Como Gogol fez com o manuscrito de “Almas Mortas”... e apenas cinzas, de mim, de ti, e de vós... entre paredes e verniz até à mesa da sala de jantar, penhorada, hipotecada,
imagino-me e imagino-os
Comendo amêndoas recheadas com chocolate.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha