Blogue Cachimbo de Água em destaque –
Sapo Angola
quarta-feira, 1 de maio de 2013
terça-feira, 30 de abril de 2013
Qual cavalo, menino?
foto: A&M ART and Photos
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Não tenham pressa da minha presença, talvez um
dia, talvez, regresse, talvez, um dia, decida levantar voo e andar, e
andar, até encontrar o planalto das rochas encarnadas, não, pressa
não, porque um dia, eu, regressarei dos finos cortinados de espuma,
uma camisa furtada do estendal da vizinha Amélia,
as calças, são do cigano Mário Zé, especialista em auto-rádios e
carros de pequena cilindrada, e eu, desiludida, contigo, comigo,
connosco, e os velhos sapatos pertenciam ao primo Justino,
A cabeça balança entre as mãos frígidas dos
lilases argumentos sem palavras de amor, palavras de dor, ou
não às palavras,
Havia dentro de nós circos, roulotes e
malabaristas, o meu pai era trapezista e a minha mãe, entre os
intervalos de bailarina esfomeada, tinha um pequeno número de
ilusionismo, e
nunca me esqueci do sucesso número dela, quando me
colocava dentro de uma caixa de cartão, batia as palmas, e eu
Desapareceste da minha vida naquela fatídica manhã
de Sábado junto ao Tejo acabado de assassinar-se, os motivos, ainda
hoje desconhecidos, morte incógnita, mas presente entre nós, e tu
Eu desaparecia, ela abria cuidadosamente a caixa de
cartão, remexia, remexia, virava de um lado, mostrava o outro, e o
rapaz
Desapareceu de casa de seus pais, digo, desapareceu
da roulote onde vivia com os seus pais um rapaz do sexo masculino,
cerca de seis anos de idade, cabelo castanho e olhos verdes, vestia
calções e uma camisola antiquada, calçava umas velhas sandálias
de couro, e levava na mão esquerda, sim, penso que sim, espere, não
sei, quase que tenho a certeza, e levava não mão esquerda um cavalo
cavalo?
Perdão, um caderno de capa ondulada e escuro, sem
imagens, apenas com palavras semeadas numa tarde de vento quando os
bancos de jardim ainda tinham ripas de madeira, não podres, ripas de
madeira a sério, e já agora pergunto-me – Onde raio fui eu buscar
o cavalo? - há cada coisa, em cada hora, a cada momento, numa rua
deserta da cidade, uma feira de velharias, uma boina de um soldado da
EX-URSS, compro, não compro, pensei
deve ter piolhos,
Não comprei, depois, mostraram-me os cachimbos,
compro, não compro, não comprei
lembrei-me da quantidade de saliva – Do tipo... um
milímetro por segundo! - desisti
Pensei,
Vou comprar um livro,
que livro – Que tipo de livro deseja? - respondi,
talvez de AL Berto
Ela, Como? Quem?
pensei, que raio, nem ela conhece o AL Berto...
Desisto, desisto, e desisti, hoje sou feliz,
finalmente apareci dentro de uma das caixas de cartão que a minha
mãe fez um dia, num lindo espectáculo, desaparecer, cresci algures,
e o meu pai hoje não trapezista, reformou-se e vive desafogadamente
com uma linda reforma da Caixa, não, não aquela de cartão onde a
minha mãe me fez desaparecer, é a outra caixa, e a minha mãe,
hoje, abre a janela da roulote e conta o número de comboios machos
que passam em frente à árvore dos telhados bolorentos, porque os
comboios fêmeas, ela, deixa-as seguir, sossegadamente, como se
fossem o vento numa noite de cavalos...
cavalos?
Quais cavalos, menino?
Uma tarde, numa linda tarde, estava eu com uma das
mãos prisioneira de uma das barras de ferro do portão de entrada, o
quintal era enorme, tinha mangueiras, e ao fundo, nas traseiras da
casa, havia um galinheiro, tínhamos galinhas, patos e pombas, às
vezes, passeava-se por lá um velho triciclo, outras, escondia-se
debaixo da sombra, e, e nessa linda tarde, repentinamente e no
intervalo entre o depois do lanche e a chegada do meu avô, vi passar
em frente a mim...
Como não sabe quem foi o poeta AL Berto?
Uma menina vestida de branco, montando um lindíssimo
cavalo branco,
Tem ao menos alguma coisa do Pacheco?
ele, o cavalo olhou-me, e desde então, pertence-me,
e anda dentro de mim até que um dia
Qual Pacheco? O Luiz, minha senhora, o Luiz,
que não, não sabe dessas coisas, ora agora..., um
cavalo
Qual cavalo, menino?
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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5070 Alijó, Portugal
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Desenhava-te no espelho da montra do senhor Ernesto
foto: A&M ART and Photos
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Percebia-se, pelas tuas nádegas de algodão, que a
noite entranhava-lhes como pássaros na algibeira de um mendigo,
dormiam em caixas de papelão, pobrezinhos, escreviam sobre as
ombreiras do ensonado dia, “caixas simples cartão”, porque era
chique, porque estava na moda, porque ao fundo da rua sentia-se o
ressonar da lua, e a transpiração de saliva dos pulmões de aveia,
não tínheis pequeno-almoço, preçário, cardápio ou subsídio
diário, uma sandes de pouca coisa, ou quase anda, chorava no
interior de duas finas fatias de pão, sem saberdes que lá fora, ao
longe, de uma escada em madeira, desciam os anjos e os gemidos
silêncios da verdura que cobrem os campos da aldeia, como pedras,
lajes de granito, lápides em cimento, e aos poucos, de poucos,
apagariam-se-lhes todas as letras da literatura pura e nua, entre
desenhos e sílabas, entre candeeiros de vidro e lâmpadas de papel,
gostava muito de ti,
Desenhava-te no espelho da montra do senhor Ernesto,
em traços finos, colocava-te sobre os olhos um fio doirado de
cabelo, dava-te lábios com sabor a chocolate, tinha-te na boca como
oxigénio essencial à minha respiração, ouviam-se coisas mortas,
objectos despedidos, canas de pesca, carretos e chumbeiras, bóias,
anzóis e as pesadíssimas botas de borracha, e mesmo assim, ouvia-te
gosto de ti,
Percebia-se, pela ausência de cubículos para
todos, que nem nus somos iguais, uns, mais diferentes do que outros,
e havia sempre um que ficava sem onde pernoitar na fria noite de
Janeiro, aqui, porque lá, bastava-lhe cobrir-se com um ramo de
palmeira, havia um largo, eles abraçaram-se longamente e
esqueceram-se que eram uma rocha à beira do rio, do largo, mais
acima, uma duas palmeiras adormeciam já devido às distantes horas
que estavam previstas para regressarmos, nem um único som, uma única
palavra, nada
só e só o beijo da despedida,
Só e só, e não muito mais, como anos depois, as
palmeiras continuam adormecidas, mais velhas, claro, mas ainda estão
vivas, não há muito tempo, estive com elas, almoçamos juntos, e
recordamos noites, noites, noites que eu mesmo já tinha esquecido,
falaram-me de uns pássaros que poisavam nos nossos ombros, e também
de umas flores, se não estou enganado, isto é, se não fui enganado
por elas, de umas flores amarelas, ou cinzentas, ou
gostava muito de ti,
Ou incolores, como os beijos, ou indolores, como as
ondas do Oceano que ficávamos a olhar até desaparecerem sobre os
telhados de Lisboa, o cheiro do rio entrava dentro dos nossos corpos
escondidos em caixas de papelão,
“caixas simples cartão”
E hoje, quando estou no largo, debaixo das velhas
palmeiras, ao longe a lua em movimentos descoordenados, sem luz de
candeeiro, dos minguados olhos que o sol deixou sobre a
mesa-de-cabeceira, e derramadas sombras construindo imagens na
esplanada dos arbustos com braços negros e pernas encarnadas,
perguntava-te pelas cartas perfumadas, e tu
queimei-as, porquê?
Apenas pelo perfume, porque pelas palavras perdia o
sentido das letras, deixei de amar palavras, frases, livros,
cadernos, poemas, “... e toda a merda comestível...”, só e só
pelo perfume, só e só quando desce a noite e de barriga para o ar,
eu deitado, olho o tecto, vejo estrelas azuis, estrelas pretas,
estrelas... como chuva friorenta em Primavera, e só e só, tenho
saudades do perfume
das amoreiras em flor, das mimosas, de deitar-me no
chão e fazer desenhos imaginários no céu nocturno da cidade, a
cidade proibida, com calçadas, ruas, ponte e pontões, “putas” e
“cabrões”, a cidade dos barcos com ferrugem, a cidade das casas
comestíveis depois da sobremesa, e homens com alegria, e homens em
bebedeira em fila Indiana para ter acesso a uma merda de uma caixa de
papelão,
“uma linda caixa em fino cartão, três
assoalhadas, uma varanda para o Tejo, casa de banho completa, e
ascensor, e muitas cartas, cartas de amor, todas elas, perfumadas...”
E eu dava-lhe a mão, e passávamos a noite dentro
do ascensor, em subidas, em descidas, e às vezes
parávamos, e esquecíamos-nos que algum dia
estivemos debaixo de duas velhas palmeiras a construir o beijo mais
literário de sempre, o beijo poético
E às vezes,
o beijo fatídico,
E às vezes adormecias nos meus braços...
(ficção não revisto)
“Alguém vai dizer: ficção o
caralho...!”
@Francisco Luís Fontinha
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amor,
beijo,
cartas de amor,
cidade,
corpos,
espelho,
ficção,
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montra,
palavras,
palmeiras,
poema,
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5070 Alijó, Portugal
domingo, 28 de abril de 2013
Sabia-te quando terminavas nos sonhos
foto: A&M ART and Photos
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(ao Rei dos Sonhos)
Sabia-te quando terminavas nos sonhos e caminhavas
no corredor da saudade, ouvia-te dançar sobre o mosaico porcelana da
piscina em forma de rua, perdida, tu, corrias em direcção às
escadas de acesso da rua dos pequenos beijos de porcelana, dormias
entretanto, profundamente, pensava eu, quando olhava nos teu olhos
cerrados as imagens reflectidas de uma louca e antiga máquina de
slides, o picotado desenhado numa fina película de plástico
retirada a um saco incolor de supermercado, finíssima, ela não
maior do que um carro de linhas, que servia de carreto que com uma
manivela de arame fazia rodar as imagens em frente de uma lâmpada,
dormias, dormias, ainda dormes, e eu, permanentemente às voltas com
a manivela a inventar imagens picotadas numa tira de plástico com
uma agulha esquecida juntamente com o dedal da minha mãe,
a inventar imagens desde 1976,
Fundiam-se-lhe lâmpadas que só posteriormente
percebíamos a escuridão das equações diferenciais que tínhamos
para resolver, elas, como eles, poisavam sobre a mesa da sala de
jantar, ficavam lá, perdidas, fazíamos-las esquecidas, e às vezes,
poucas, só com a ajuda de drageias, elas, as equações (macho e
fêmea) acordavam do sono incrédulo que Deus nunca acreditou e aos
berros
preguiçosos,
preguiçosas,
Sabia-te quando terminavas, acordavas, abrias as
janelas do teu corpo, e deixavas entrar a luz que o espelho do
guarda-fato absorvia da velha máquina de slides, havia imagens
dentro de ti, e só quando te acariciava os seios, e só quando te
beijava os lábios de sonâmbulo cravo vermelho, e só
que desenhos mais esquisitos, como corredores,
pássaros, migalhas de aço e sobras de vento,
E só quando deitava a minha cabeça nas tuas coxas,
sentia eu, sentias tu, as imagens todas, as de ontem, as de antes de
ontem, e as imagens de infância, saíam do espelho do guarda-fato,
sentavam-se um pouco sobre a mesa-de-cabeceira, apenas para nos
contemplarem, e só depois, começavam a entrar em ti, e no fim, eu
entrava também, e tinha como missão, encerrar a porta,
hermeticamente, e dentro de ti, saltava, brincava, dormia, como tu
a inventar imagens desde 1976,
Como tu, dentro de uma piscina, caminhando a passos
apressados como se a rua estive quase a fechar-se, e a carapaça de
tartaruga aos poucos, em pequeninos milímetros de cada vez, até
todo o tecto baixar, e tu, desapareceres, em corrida, dentro de água
com o cheiro a saudade, com o silêncio dos cobertores suspensos nas
pálpebras tuas, que dormias, sossegadamente como um anjo louco, de
caligrafia como pequenas mandíbulas de areia, como eu, desesperado
procurando por ti, dentro de água, dentro de uma caixa de sapatos
onde funcionava uma pequena máquina de slides,
Com refrigeração,
a fundir lâmpadas desde1983,
E tubos de néons sobre a porta de entrada,
“sabia-te quando terminavas nos sonhos e caminhavas no corredor da
saudade, ouvia-te dançar sobre o mosaico porcelana da piscina em
forma de rua, perdida, tu, corrias em direcção às escadas de
acesso da rua dos pequenos beijos de porcelana, dormias entretanto,
profundamente, pensava eu, quando olhava nos teu olhos cerrados as
imagens reflectidas de uma louca e antiga máquina de slides, o
picotado desenhado numa fina película de plástico retirada a um
saco incolor de supermercado”, e uma campainha de serviço, um gajo
feio, como eu, devidamente fardado a preencher os impressos para a
atribuição de subsídios para a construção de máquinas de
slides, e eles
apenas com uma caixa de sapatos, uma lâmpada, duas
pilhas de volte e meio, alguns fios eléctricos, um pedaço de vidro
que fazia de lente, e cerca de cinquenta centímetros de plástico
com cerca de seis centímetros de largura, e um carrinho de linhas, e
claro, a manivela em arame... e um pedaço de pano que apelidamos de
lençol,
Com refrigeração?
e desenhos pacientemente desenhados com uma agulha,
A fundir lâmpadas desde1983,
pacientemente eu, a perder parafusos desde Janeiro
de 1966.
(não revisto; parte deste texto não é
de ficção e aconteceu com o meu amigo de infância - infelizmente
já falecido - JÚLIO)
@Francisco Luís Fontinha
Amargos poemas da morte
foto: A&M ART and Photos
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Há fogo nos teus olhos minguados pelo
silêncio da chuva
quando o meio-dia de um suicidado
relógio
cai sobre as pequenas lágrimas de
granito
como se os amargos poemas da morte
tivessem vida e começassem a
transpirar sílabas furtivas,
Há fogo nos teus olhos
como janelas cristais dentro de
hipercubos
como lábios de areia
da lareira dos sonhos
as tristes paisagens dos teus seios de
amêndoa,
Há tanta coisa dentro de ti
meu cansado amor sem teres a destemida
coragem de me olhar
escrever ou pintar no muro recheado de
ervas e sanzalas imaginárias
os poucos sonhos que as minhas mãos
deixaram no teu rosto argamassado
pelas geadas marés do vidro em
planícies embalsamadas pelo desejo da paixão,
Há fogo nos teus olhos minguados
pelo... da chuva
que te esqueces das poucas palavras que
ainda vivem dentro de mim
como uma roseira bravia e ensanguentada
pelas nuvens em demanda...
há meu amor
madrugadas fingidas em noites acordadas
tuas fantasias,
E que não sabias
que há árvores à nossa espera num
jardim invisível
onde passa um rio em corridas
apressadas
adormece no mar
do fogo teus olhos minguados pelo
silêncio da chuva.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
sábado, 27 de abril de 2013
De aço envergonhado
foto: A&M ART and Photos
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Haverá mares suficientes para eu me esconder, sendo
eu, um barco sem motor, com uma velha vela, sempre, e sempre, à
espera, à espera que acorde o vento, à espera que acorde o meu
corpo de aço, me levante, abra a janela da maré, e oiça o teu
coração,
e falta-me a coragem para dizer que te amo, alga
silenciosa dos rios amordaçados,
Haverá assim ventos suficientes para te trazerem
até mim? E se tu nunca apareceres, e se tu, não sei, se tu uma
rocha que vive no fundo do mar, como saberás, eu não sei nadar, e
se mergulhar, certamente, e pelas leis da física, jamais voltarei a
olhar a luz nocturna das ruas de Lisboa, pensar que dos néons há
galerias de arte que esperam visitantes, e há caves a transbordar de
suor, e há sótãos a apodrecer, sobre a cidade, quando regressa o
vento, quando tu desapareces para posteriormente, ao outro dia,
ver-te sentada numa esplanada, como se não me conhecesses, como se
nunca tivéssemos dormido juntos, inventando sonhos juntos,
desenhando desenhos, não juntos, porque tu, apenas me olhavas
embrulhados nos pincéis e nas tintas e nas telas e nas minhas
loucuras, sempre eternas, sempre desérticas, como as Primaveras,
como as dália e as margaridas, sobre a terra, à espera pelo
regresso do vento, de vela pronta
zarpar,
Prometer, imaginar ser amado dentro de um cubo de
vidro, apaixonado, eu, um barco sonolento, de aço, envergonhado, não
adianta semear flores numa laje de cimento. não adianta escrever,
ler, não adianta amar fingindo viver, não adianta caminhar,
não adianta fingir ser feliz quando somos a pessoa
mais infeliz do universos, não adianta, não adianta mentir fingindo
que estamos bem, quando todos os caminhos, todos os rios, e todas as
luzes morreram numa noite de insónia,
Não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter
esperança...
Também tenho o direito de gritar e parar de fingir
que está tudo bem,
“tão triste eu quando acorda a noite e cresce e
cresce sobre as angustias do jardim um deus louco com uma perna de
pau, tão triste eu quando as tuas mãos ausentes percorrem o meu
corpo sitiado entre grades imaginárias de aço inoxidável e fios de
seda e terminam viagem nas minhas mamas; primeiro regressa a noite,
depois ausentas-te juntamente com a noite e voas de
árvore em árvore até mergulhares nos uivos dos meus olhos
castanhos, depois, tão triste eu quando acorda a noite, depois a
tempestade suspensa no corredor, passas apressadamente e não me
olhas, depois, depois caiem todas as nuvens sobre este mísero divã
e do relógio depois, depois as minhas mãos começam a envelhecer, a
envelhecer depois o cortinado, a janela sem vidros, a envelhecer este
quarto de pensão enfeitado de área de serviço, depois o relógio
tomba silenciosamente no pavimento e morre o tempo,
tão triste eu. Acorda o chocolate na minha boca e
imagino-te sentado no divã a fingires que do outro lado da rua vive
um rio com barcos, que do outro lado da rua, tão triste eu, do outro
lado da rua...
tão triste eu Meu Amor ausentada de ti.”
E conheci uma rosa que roubei do jardim numa noite
de Agosto inventado num livro que poisava na mão de uma menina, os
silêncios da noite ausentes de estrelas e alecrim, havia no ar o
perfume do desejo, havia o perfume da noite submerso na paixão da
literatura e da poesia, eu e a menina morremos, inventados no livro
onde envelheceu a rosa e ainda hoje habita, tristemente só,
tristemente inventada das palavras escritas apressadamente antes de
acordar a noite,
não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter
esperança...
Não acredito em reencontros porque quando se perde
alguma coisa é para sempre ou então, ou então essa coisa não foi
perdida,
se eu escrever numa folha de papel e a amarrotar e a
esconder dentro de uma gaveta, um dia, mais tarde poderei reencontrar
esse manuscrito,
Mas se optar por a rasgar e destruir o reencontro
será impossível,
“Poema em cio”
Desesperadamente
as minhas palavras
coladas no vidro da morte
em pedacinhos amargos
a boca do poema
em cio
mergulha ele dentro do silêncio
no desejo dos barcos entre as estrelas
de papel
e a noite de fingir
assisto ao fim da noite
quando das vaginais madrugadas
ouvem-se os uivos das acácias em flor
desesperadamente
as minhas palavras
nos meus pequenos desejos de silêncio
amargo
caminhar dentro do mar
antes de acordar o pôr-do-sol
dos vidros da morte
as minhas mãos em crustáceos de
glicerina
os cogumelos da vaidade em sombras
sibilas
e a laranja do amor
aos poemas loucos
as migalhas do aço inoxidável
nos olhos do deus do cio
desesperadamente
(Desesperadamente
as minhas palavras
coladas no vidro da morte)
e a morte vive no meu corpo
desde o dia que acordei poema em cio
e todas as janelas da poesia não
tinham visibilidade para o mar
e todos os barcos
e todos os barcos
ouviam-se dentro das estrelas de papel...
Percebes agora porque haverá sempre mares
suficientes para eu me esconder, sendo eu, um barco sem motor, com
uma velha vela, sempre, e sempre, à espera, à espera que acorde o
vento, à espera que acorde o meu corpo de aço, me levante, abra a
janela da maré, e oiça o teu coração... e depois
dir-te-ei que te amo loucamente, sem medo, sem medo
de perder.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
A cidade dos rios
foto: A&M ART and Photos
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Não encontro esses olhos mergulhados
em pedacinhos
de som da cidade dos rios
não encontro os cabelos do vento
suspenso num livro de poemas
entre mãos e tristezas tardes onde
ancora o silêncio provocado
pelos teus beijos de cianeto,
Não encontro transeuntes na tua cidade
com mãos para me acenarem
com pernas
se possível
para me pontapearem quando me
transformo em canino rafeiro...
Não encontro as charruas que escrevem
nos montes bravios
sílabas vestidas com água fresca
e enxadas que provocam na solidão
feridas e dor e sonhos em frente às
montras de uma livraria
sem saberes que te sentas nas planícies
dos cisnes,
Não encontro a fogueira dos teus
lábios
sobre a lareira da tua boca
fechada
ausentada de mim
como as horas de Sábado depois de
partir a noite,
Depois
depois de ficares aprisionada a um
banco com ripas de madeira
a inventares no calendários das
cidades
nomes de ruas e ruas com edifícios que
têm nas pálpebras pequenas migalhas de cimento
como o cianeto dos teu beijos antes de
me abraçares...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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