sábado, 27 de abril de 2013

De aço envergonhado

foto: A&M ART and Photos

Haverá mares suficientes para eu me esconder, sendo eu, um barco sem motor, com uma velha vela, sempre, e sempre, à espera, à espera que acorde o vento, à espera que acorde o meu corpo de aço, me levante, abra a janela da maré, e oiça o teu coração,
e falta-me a coragem para dizer que te amo, alga silenciosa dos rios amordaçados,
Haverá assim ventos suficientes para te trazerem até mim? E se tu nunca apareceres, e se tu, não sei, se tu uma rocha que vive no fundo do mar, como saberás, eu não sei nadar, e se mergulhar, certamente, e pelas leis da física, jamais voltarei a olhar a luz nocturna das ruas de Lisboa, pensar que dos néons há galerias de arte que esperam visitantes, e há caves a transbordar de suor, e há sótãos a apodrecer, sobre a cidade, quando regressa o vento, quando tu desapareces para posteriormente, ao outro dia, ver-te sentada numa esplanada, como se não me conhecesses, como se nunca tivéssemos dormido juntos, inventando sonhos juntos, desenhando desenhos, não juntos, porque tu, apenas me olhavas embrulhados nos pincéis e nas tintas e nas telas e nas minhas loucuras, sempre eternas, sempre desérticas, como as Primaveras, como as dália e as margaridas, sobre a terra, à espera pelo regresso do vento, de vela pronta
zarpar,
Prometer, imaginar ser amado dentro de um cubo de vidro, apaixonado, eu, um barco sonolento, de aço, envergonhado, não adianta semear flores numa laje de cimento. não adianta escrever, ler, não adianta amar fingindo viver, não adianta caminhar,
não adianta fingir ser feliz quando somos a pessoa mais infeliz do universos, não adianta, não adianta mentir fingindo que estamos bem, quando todos os caminhos, todos os rios, e todas as luzes morreram numa noite de insónia,
Não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter esperança...
Também tenho o direito de gritar e parar de fingir que está tudo bem,
“tão triste eu quando acorda a noite e cresce e cresce sobre as angustias do jardim um deus louco com uma perna de pau, tão triste eu quando as tuas mãos ausentes percorrem o meu corpo sitiado entre grades imaginárias de aço inoxidável e fios de seda e terminam viagem nas minhas mamas; primeiro regressa a noite,
depois ausentas-te juntamente com a noite e voas de árvore em árvore até mergulhares nos uivos dos meus olhos castanhos, depois, tão triste eu quando acorda a noite, depois a tempestade suspensa no corredor, passas apressadamente e não me olhas, depois, depois caiem todas as nuvens sobre este mísero divã e do relógio depois, depois as minhas mãos começam a envelhecer, a envelhecer depois o cortinado, a janela sem vidros, a envelhecer este quarto de pensão enfeitado de área de serviço, depois o relógio tomba silenciosamente no pavimento e morre o tempo,
tão triste eu. Acorda o chocolate na minha boca e imagino-te sentado no divã a fingires que do outro lado da rua vive um rio com barcos, que do outro lado da rua, tão triste eu, do outro lado da rua...
tão triste eu Meu Amor ausentada de ti.”
E conheci uma rosa que roubei do jardim numa noite de Agosto inventado num livro que poisava na mão de uma menina, os silêncios da noite ausentes de estrelas e alecrim, havia no ar o perfume do desejo, havia o perfume da noite submerso na paixão da literatura e da poesia, eu e a menina morremos, inventados no livro onde envelheceu a rosa e ainda hoje habita, tristemente só, tristemente inventada das palavras escritas apressadamente antes de acordar a noite,
não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter esperança...
Não acredito em reencontros porque quando se perde alguma coisa é para sempre ou então, ou então essa coisa não foi perdida,
se eu escrever numa folha de papel e a amarrotar e a esconder dentro de uma gaveta, um dia, mais tarde poderei reencontrar esse manuscrito,
Mas se optar por a rasgar e destruir o reencontro será impossível,
“Poema em cio”

Desesperadamente
as minhas palavras
coladas no vidro da morte
em pedacinhos amargos
a boca do poema
em cio
mergulha ele dentro do silêncio
no desejo dos barcos entre as estrelas de papel
e a noite de fingir
assisto ao fim da noite
quando das vaginais madrugadas
ouvem-se os uivos das acácias em flor

desesperadamente
as minhas palavras
nos meus pequenos desejos de silêncio amargo
caminhar dentro do mar
antes de acordar o pôr-do-sol

dos vidros da morte
as minhas mãos em crustáceos de glicerina
os cogumelos da vaidade em sombras sibilas
e a laranja do amor
aos poemas loucos
as migalhas do aço inoxidável
nos olhos do deus do cio
desesperadamente

(Desesperadamente
as minhas palavras
coladas no vidro da morte)

e a morte vive no meu corpo
desde o dia que acordei poema em cio
e todas as janelas da poesia não tinham visibilidade para o mar
e todos os barcos
e todos os barcos ouviam-se dentro das estrelas de papel...


Percebes agora porque haverá sempre mares suficientes para eu me esconder, sendo eu, um barco sem motor, com uma velha vela, sempre, e sempre, à espera, à espera que acorde o vento, à espera que acorde o meu corpo de aço, me levante, abra a janela da maré, e oiça o teu coração... e depois
dir-te-ei que te amo loucamente, sem medo, sem medo de perder.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

A cidade dos rios

foto: A&M ART and Photos

Não encontro esses olhos mergulhados em pedacinhos
de som da cidade dos rios
não encontro os cabelos do vento suspenso num livro de poemas
entre mãos e tristezas tardes onde ancora o silêncio provocado
pelos teus beijos de cianeto,

Não encontro transeuntes na tua cidade
com mãos para me acenarem
com pernas
se possível
para me pontapearem quando me transformo em canino rafeiro...

Não encontro as charruas que escrevem nos montes bravios
sílabas vestidas com água fresca
e enxadas que provocam na solidão
feridas e dor e sonhos em frente às montras de uma livraria
sem saberes que te sentas nas planícies dos cisnes,

Não encontro a fogueira dos teus lábios
sobre a lareira da tua boca
fechada
ausentada de mim
como as horas de Sábado depois de partir a noite,

Depois
depois de ficares aprisionada a um banco com ripas de madeira
a inventares no calendários das cidades
nomes de ruas e ruas com edifícios que têm nas pálpebras pequenas migalhas de cimento
como o cianeto dos teu beijos antes de me abraçares...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Gaivotas com pequenas pinceladas de neblina

foto: A&M ART and Photos

Sob o cinzento céu passeavam-se as gaivotas com pequenas pinceladas de neblina que os barcos a vapor semeavam nas ruas da cidade, havia algumas árvores, tristes árvores, havia uma mulher com os braços cruzados que sonhava com o mar e com o vento que transporta as gaivotas, as gaivotas que poisam sobre as árvores prateadas, quando todas as luzes se apagam como quando os espelhos cessam de projectar imagens, lágrimas que caiem da mesa-de-cabeceira e rolam sobre as tábuas indolores do soalho, alguma parte dele, apodrecida, outra, voando como as gaivotas, sob o cinzento céu de Abril, e outra
doente
E da terra inclinada, projectam-se contra o tronco débil das pequenas árvores, rochas e objectos de pequeno porte, os vidros das janelas que ajudam a proteger do silêncio as pequenas árvores, partem-se, estilhaçam-se e derramam-se como líquidos vaidosos sobre a neblina porcelana dos vestidos das bonecas das meninas que brincam debaixo das oliveiras, pequenos torrões de açúcar aguardam pela sinfonia melódica das cantigas endiabradas que aos poucos se vão ouvindo do pátio da escola primária, um rapaz de calções
doente, com pequenas pedras da calçada, parte os vidros da escola, joga ao espeto com um ferro pesado e aguçado, um dia quase que ficou com o pé esquerdo prisioneiro no recreio da escola, furou-lhe a bota e só abrandou quando quase atingiu o centro da terra, aí, percebeu a razão de não caírem as árvores, os edifícios das cidades, que em casos especiais, quase chegam ao céu, e tudo à sua volta
Estranho, os calções baloiçavam entre duas cordas de nylon, um travessão de madeira servia-lhe de assento, e depois de um ponto final, um novo paragrafo e perdoar-lhe
amar-te-ei?
E o cinzento céu a misturar-se com o solitário vapor dos barcos de cartolina, e porque as gaivotas de papel com pequenas pinceladas de neblina não sentem o cheiro da nafta horrenda que se ouvia nos portos de embarque, o miúdo de calções, quase em pequenos vómitos, subiu as escadas do paquete abandonado, enorme, com tantas janelas que quando tentou contá-las, desistiu, porque eram muitas, porque ainda não sabia contar,
porque o cheiro envenenado da nafta parecia madrugadas em bolor no tronco das pequenas árvores da menina com os braços cruzados,
Amar-me-ás?
Porque o cheiro envenenado
Amar-me-ás? Perdoar-lhe como os marinheiros perdoam às marés o sombreado dos cais e dos soníferos para a constipação e dores de cabeça, e a diarreia, e para todas as desilusões do amor depois de adormecer a tempestade, depois de adormeceres, deitares a cabeça sobre uma almofada de xisto, e sonhares que
se amanhã fosse Sábado... pegava no vapor e zarpava... abria a janela, borda fora com o diário de bordo, passava pelas pequenas árvores onde uma mulher com os braços cruzados brinca com as meninas das bonecas vestidas com a porcelana fina, e depois
De chegar à cidade, percorrer todas as ruas como as procissões de aldeia, fazia-me à literatura, imaginava imagens em espelhos de guarda-fato que deixei numa pequena casa em Vila de Migalhas, construía personagens do tamanhos das pequenas árvores, com corações sofridos, com braços cansados, com pernas distantes das temperaturas íngremes que os velhos termómetros de mercúrio desenhavam nas ardósias da contemplação de uma fotografia em plena Primavera,
doente
Amar-me-ás?
amar-te-ei?
E a bailarina, enquanto não descruzar os braços e folhear o livros dos sonhos, não poderá nunca responder
Amar-me-ás?
Não sei, ainda não sei...
e eu
amar-te-ei?
Só depois do cinzento céu se alicerçar nas pequenas árvores, e eu, tu, elas, e elas, deixarem de brincar, despirem a fina porcelana e inventarem novas imagens nas ruas da cidade encharcadas com o velho vapor do barco de cartolina
e eu, um rapaz de calções
doente, com pequenas pedras da calçada, parte os vidros da escola, joga ao espeto com um ferro pesado e aguçado, um dia quase que ficou com o pé esquerdo prisioneiro no recreio da escola, furou-lhe a bota e só abrandou quando quase atingiu o centro da terra, aí, percebeu a razão de não caírem as árvores, os edifícios das cidades, que em casos especiais, quase chegam ao céu, e tudo à sua volta,
Depois de subirem as escadas, tocam suavemente o céu.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Desenho de Francisco Luís Fontinha

Encarnadas lágrimas que o silêncio inventa

foto; A&M ART and Photos

Da caverna envergonhada onde se esconde a saudade, oiço as encarnadas lágrimas que o silêncio inventa no rosto da menina sentada no banquinho de madeira junto às roseiras brancas, e bravias, e do teu corpo nublado desenham-se sobre as mesas de granito os carris ilimitados, alguns, que me transportarão até ao Douro, outros, vão deixar-me a meio-caminho, o dúctil, a escancarada melodia sobre as marés de sémen pensando serem as vozes do destino em revolução, havia greve dos poetas e ficcionistas, havia músicas com palavras, e palavras sem músicas, e comboios que fingiam caminhar sobre os carris de aço, os próprios e verdadeiros carris do iluminado jardim das agonizantes bolhas de bolor que se faziam crescer nas dobradiças dos pilares embainhados que se ouviam das
cavernas
Das tuas nádegas, também elas, em greve, de fome, de zelo, de palavras,
hoje não se escrevem palavras, pedimos desculpa pelo incómodo,
“Por motivos de greve, hoje fechados”
Uma escarpa com lençóis de purpura fina sobre uma mesa de vidro, um pequeno livro, aberto, numa página sem numeração, sem significado nenhum, um beijo surge da capa do livro, aberto, sobre a mesa de vidro, um beijo com três cores, um beijo que iluminará a caverna envergonhada, aquela, de há pouco, onde se esconde a saudade,
a minha saudade,
A voz que precisa de alimento, as coxas do vento que precisam de uma vela, um mastro, ou
a gaivota do tio Joaquim,
Ou uma velha Caravela, só, só e só, e companhia limitada, nenhuma, só e falida, falida como os porcos bravos das pocilgas nocturnas, invisíveis, quando das viagens a S. Pedro do Sul, e chegava lá, não cansado, não triste, desiludido, chegava lá feliz, contente, como se o ar que se respirava em Carvalhais fosse mais leve do que o ar respirado em Alijó, e mais pesado, do ar que eu estava habituado a respirar em Luanda, e mesmo assim, mal saía do carro, beijava os meus avós, e corria loucamente para a eira, abria a porta do espigueiro ou canastro, e com a paciência de um desiludido com as nuvens destes longínquos Oceanos, começava a contabilizar as espigas loiras do milho, desistia, e sentava-me sobre o granito da entrada, e ao longe, conversava com dois espantalhos que o meu tio Serafim tinha construído para afastar os pássaros do cereal, e na altura, eu
não percebo porque fazem isto aos coitados dos pássaros,
E coitados uma ova, são espertos, e começaram a aprender a viverem com os espantalhos, e quando me apercebia, via-os sobre eles, ia até lá, e todos “cagados”, como as estátuas, ou como os homens iguais a mim, que quando se passeiam pela rua, debaixo de árvores, e
com tanto metros quadrados de superfície tinham logo de “cagar-me em cima de mim estes filhos da puta” mas é este o meu destino, há pessoas que nascem para serem doutores em seis semanas, há pessoas que nascem para serem ricos em apenas cinco lições, e há pessoas, como eu, que nasceram para servirem de sanita aos pássaros, e mesmo assim, confesso-te que gosto deles e que me fascinam,
Da caverna envergonhada onde se esconde a saudade, oiço as encarnadas lágrimas que o silêncio inventa no rosto da menina sentada no banquinho de madeira junto às roseiras brancas, e bravias, e do teu corpo nublado desenham-se sobre as mesas de granito os carris ilimitados, alguns, que me transportarão até ao Douro, e só agora percebo que a menina sentada no banquinho de madeira, és tu...
mas... afinal quem tu és?
E talvez sejas apenas um desenho mergulhada em palavras e copos com vodka como aqueles que deixamos sobre uma mesa num bar em cais do Sodré, claro
ainda tu eras menina, e ainda eu, não sabia que era eu,
Assim éramos nós antes de inventarem estas coisas todas que nãos nos servem de anda.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

A Floresta do Medo

foto: A&M ART and Photos

As palavras estonteantes que prenunciavas na minha ausência
e eu sem o saber acreditava em sonhos de infância
e cidades de vidro
e noites com lâmpadas mágicas vestidas com livros de poesia
e manhãs de quinta-feira pobres ou doentes ou quase nada,

De mim
quando sinto o meu corpo rolar sobre as rochas de insónia
e mergulhar no líquido viscoso dentro de uma conduta de cerâmica
oiço-os e sei que me perseguem
como cães raivosos provenientes das catacumbas do prazer,

Às palavras sem o destino perfume dos cinzentos fetos despidos como as ervas daninhas
quando caminham pela floresta do medo
sei que eles me perseguem
e que nunca me encontrarão porque há muito me sinto morto
longe deste silêncio disfarçado de felicidade...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 24 de abril de 2013

As cubatas da saudade e os musseques com homens de pano, com mulheres de palha...

foto: A&M ART and Photos

Eu pensava que os dias eram pequenos aeroplanos sobrevoando as cubatas da saudade e os musseques com homens de pano, com mulheres de palha, com meninos em forma de triciclo, e sempre que me erguia, ouvia, sentia, vinha até mim uma nuvem encarnada com olhos verdes, sobre ela, brincava um menino com um papagaio de papel e de cor amarelo, e eu sem saber o que fazer, puxava o cordel, e caía o céu sobre nós, as estrelas transformaram-se em papeis tão finos e pequenos que,
mal se conseguiam observar quando atingiam o pavimento térreo do largo dos morcegos nocturnos, havia mãos entrelaçadas, havia suspiros misturados em suor e lábios diluídos em pequenas bocas de sobremesa, depois do jantar, o cigarro perfumado, construído devidamente para o efeito, e uma borboleta em batimentos de asa fazia com que no terceiro andar direito, onde apenas dormia a minha vizinha Amélia, caíssem todos os objectos que jaziam sobre a cristaleira, coisa estranha, a minha, a vida de mim, como as mãos de ti penduradas nas mãos de ela, e claro que nas mãos dela, mas hoje, a mim, apetece-me escrever “nas mãos de ela”, e das mãos de ela
Nasceram pássaros, pequenos objectos em puro cristal, pratos em porcelana, barrigas de aluguer, flores de papel e janelas com cortinados de vidro e no lugar dos vidros, pequenos quadrados de tecido, de preferência, escuro, preto, assim, quase nunca se nota a sujidade, e nas tascas perdidas pela cidade, uma finíssima toalha em plástico ornamentava uma mesa caquética, que quando se pegava nos talheres, e como às vezes, estes, eram tão finos que se dobravam sobre o próprio estômago de aço, e tínhamos de recorrer às nossas mãos para dilacerar meio frango no churrasco em menos de quinze minutos, e era nessas alturas que sentíamos a mesa em pequenos tremores de terra, depois iam aumentando... até o líquido dos copos do jarro de alumínio, se derramar, e aos poucos, caminhar sobre a horrenda decoração estampada na toalha de plástico, e era quando vinha a menina Joana, trazia sempre um pano entalado entre a cintura e o cinto que segurava-lhe as calças de ganga, que nós fazíamos apostas para adivinharmos de que cor era, e como sempre, eu perdia, porque nunca acreditei que ela tivesse a cintura esbranquiçada, como eu tenho todo o meu corpo, e o restante, fosse num tom castanho com sílabas de madrugada, e o frango, como sempre, uma delícia...
e de mãos dadas lá íamos caminhando solenemente junto ao mar, nuas, sem pudor ou medo que o feitiço da paixão e do prazer provoca nas pessoas, nas flores, ou mesmo nos pássaros, e um dia pensei como seria uma cena de amor entre duas moscas, num sótão, apenas com uma divisão, a um dos cantos, um pequeno divã, e em toda a volta do compartimento uma longa estante recheada de livros, onde apenas havia o vazio da clarabóia, imaginava as moscas como nós, nuas, dávamos as mãos, e eu poisava-lhe a minha mão sobre o ombro dela, ela a princípio, em pequenos movimentos de asas, como a borboleta, olhava-lhe nos olhos, como tu, olhas-me e desejas-me, e gemidos de silêncio rompiam a escuridão da pequena solidão de vidro, deitava-me de barriga para o ar, às vezes, sentia as asas dobradas como pequenas folhas de cartolina, tu, docemente, colocavas-me a mão debaixo de mim, e voltavas a fazer com que as minhas asas, fossem novamente asas, e não papel grosso amarrotado, como os dias que não saíamos, como as noites que nos amávamos sem percebermos que do outro lado do telhado, um parvalhão com um mata-moscas na mão, perseguia-nos, sem perceber
Que o amor
quando quer,
Acontece.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha