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E o mar em finos fios a correr pela casa, ouviam-se
os petardos anárquicos misturados nas palavras amargas, às vezes,
trazias nos olhos lágrimas de prata, tinhas asas de vidro, e quando
te perguntava
Matilde, mexeste nas minhas tintas?
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir
Não, não mexi, pai
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir
Pai?
Sim, Matilde!
A mãe?
Que tem a mãe?
Onde está?
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir, e
tínhamos flores em recipientes cerâmicos, de várias cores,
pintavas-os com os restos de tinta acrílica dos meus tubos que ias
buscar ao meu atelier, metias as mãozinhas no bibe, e de cabelo
balançando dentro do vento que acabara de sair da caixa de madeira,
aos poucos aproximava-se da grande cidade o paquete com ventos
lilases e folhas de árvore empobrecidas pelo sal e devido ao calor,
transpiravam os carros junto a Belém
Não sei, Matilde, nunca soube onde está a tua mãe,
E os carros arfavam, e tu sorrias, e eu empoleirado
nas grades ouvia os pedaços de fumo do cigarro de um magala que pelo
fardamento devia andar nos lanceiro, na Ajuda, sentado e de pernas
cruzadas, sobre as coxas via um caderno com uma capa que tinha
desenhos de flores, via também um livro “O Doutor Jivago” de
Boris Pasternak, e ao longe, nos jardins de Belém dois amantes
provavelmente separavam-se eternamente para o todo e sempre,
ouvias-lhe
Sim, Matilde!
A mãe?
Que tem a mãe?
Onde está?
Ouvias-lhe as lágrimas de prata e tu, com asas de
vidro, sorrias, ouvias-lhe os silêncios entre as árvores e os
arbustos,
Tenho de ir
Porquê pai?
Já alguém te disse que tens o coiso grande?
Não sei, Matilde, nunca soube onde está a tua mãe,
E aos poucos Lisboa entrava dentro de mim, e aos
poucos sentia a paixão da cidade a entranhar-se nos meus frágeis
ossos, de galinha de aviário, e perguntei ao meu pai
Pai, vamos para onde?
Olhou-me, lançou o cigarro ao Tejo, a sorrir e a
abanar as asas, sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir, Pai?
Vamos para Alijó.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó