terça-feira, 23 de outubro de 2012

As folhas cansadas do Outono


Apareces, desapareces, inventas sombras nas entranhas do xisto douro em socalcos de oiro, teces nos lábios do rio as palavras bronzeadas que a noite transpira, e inspira, o poeta que dança nos braços de uma canção, apareces, desapareces, e constróis desejos nos tentáculos do poema, o poeta enlouquece nos olhos enamorados dos plátanos ternos e meigos dos loiros fios de luz que a manhã desenha na areia,
e desce a noite sobre ti,
desapareces, apareces,
nos versos das folhas cansadas do Outono,

E dizem que a lua cor de amêndoa navega nas gaivotas do Tejo, apareces, desapareces, inventas sombras, inventas-me quando a janela do minguante silêncio aquece na tua pele de água adormecida, oiço-te voar debaixo do tecto da saudade, eu corro, eu procuro-te desenfreadamente no Rossio depois de se despedir a tarde dos sótãos suspensos na solidão,
inventas, e dizes-me depois de adormecerem todos os sonhos da cidade que o poeta enlouquece a madrugada e enrola-se nos candeeiros invisíveis que os pássaros trazem do outro lado do rio,

Apreces, e inventas-me, inventas a saudade, inventas o desejo, e desapareces dentro da neblina cinzenta dos cigarros quando vêm os barcos ao teu submerso corpo de papagaio de papel no cordel enfeitado que o miúdo lança contra o vento.

Francisco
23/10/2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O tempo infinitamente ausente


Ernesto F. acreditava nas mentiras envergonhadas que todas as tardes de sábado cresciam entre as amoreiras e as finitas palavras de Teresa que transportava nos lábios o medo do mar, e frente ao espelho da noite, antes de adormecer,

- E se o mar me comer, ouviam-se-lhe os gemidos poisados na proa transversal do esquelético poeta que inventava cigarros nas páginas rasuradas do livro de poemas esquecido na casa de banho do sótão sem janelas, e sem janelas não parapeitos, e não parapeitos, não pássaros nas fotografias da madrugada,

- um dia assassino todas as canetas de tinta permanente e o papel mata-borrão que me irritam, e sem sentido, fogem nas ilhargas cansadas da morte, Ernesto F. detestava a mentira escrita na ardósia sorridente dos palhaços pintados com acrílicos embrulhados na salgada água da boca da criança perdida junto ao rio encalhado na algibeira do velho Armindo, de manivela em riste, a dar corda ao tempo infinitamente ausente,

um dia, um simples dia, tudo e todos vão parar, fim da linha cruzada dentro dos anzóis solidificados que o amor constrói nas plantas imaginadas pelo ciúme do vidro enraizado no peito do crucifixo suspenso na luz abstracta da maré antes da lua mergulhar dentro das coxas fantasiadas de rosmaninho e alecrim doirado, sinto-o-as quando abro o livro dos sonhos e todas as mentiras perfiladas na parada da Ajuda, sobre o céu azul invisível do sofrimento encarnado que as gaivotas deixam cair nas ruas desabitadas de homens vestidos de cacilheiro em círculos no pequeno quarto do sótão,

escrevo-te como se fosse hoje o meu último dia, de vida, de sonhos, de prazer, o último de qualquer coisa palpável, o último sorriso, o último adeus quando sofregamente o cavalo de aço em pequeníssimos milímetros desaparece na ponte de madeira envernizada e que toda a vida me perseguiu na clandestina areia do Mussulo,

- tão branca mãe, e os castelos de desejo no pescoço frágil da mulher silenciosa e docemente feliz depois de me olhar pela primeira vez embrulhado nos ossos catalogados das janelas da maternidade, tão branca mãe, branquíssima mãe, toda a areia do Mussulo, e os lugarejos de amêndoa às mangueiras de sombra nocturna,

os pássaros caiam sobre a terra queimada de Janeiro.

(texto de ficção não revisto)

manhã de Outono fictícia


cessam as luzes dos teus olhos
manhã de Outono fictícia
sem perceberes que da janela da saudade
rompem lágrimas envergonhadas
tímidas
madrugadas
quando a paixão entra no orifício circunflexo da solidão
e no cubo do medo a tua voz mergulha nas bocas em desejo,

cessam as luzes
e os olhares das plantas
cessam todos os silêncios que a lua constrói
na mão clandestina de uma abelha,

tímidas
madrugadas
envergonhas
lágrimas
todas elas
à janela com cortinados de sémen
o amor dorme docemente nos teus lábios
manhã de Outono fictícia .

(poema não revisto)

domingo, 21 de outubro de 2012

Carris da solidão


És construída de medos
enraizados nos silêncios azuis que a noite sem destino
tece nas palavras que habitam os poemas,

toco-te e acaricio o papel de veludo dos teus cabelos
dentro do sorriso das estrelas
no centro da cidade
sem perceber que choras
e estás triste
cansada talvez
talvez moribunda como os relógios empoleirados nas árvores de domingo
quando a tarde mergulha no espelho do guarda-fato,

escondes-te no quarto escuro
negro como o universo infinito
das rectas paralelas
os carris da solidão
abraços
beijos
um simples olhar nas persianas do teu peito
bate o teu coração sem destino
furioso porque estupidamente eu caminho sobre o mar invisível
construída de medos
silêncios muitos
beijos,

eu
eu o homem de palha com cabeça de vidro
perdido na margem do rio
à procura da tua mão
deliciosa no meu rosto embaciado pela neblina da paixão
o teu corpo estremece na terra húmida que o púbis da literatura
escreve na madrugada
sem olhar para a lua da tua boca.

(poema não revisto)

sábado, 20 de outubro de 2012

Beijos de café com natas


As rosas envenenadas que se escondem nas palavras
escritas
em todas as madrugadas
entre espinhos e bocas aflitas

as rosas de ti
que os lábios em beijos de café com natas
deambulam circularmente nas raízes dos pássaros com asas de xisto
voando clandestinamente sobre os socalcos do cansaço

mergulham no rio
e desaparecem na musicalidade poética dos beijos
vêm tristemente apaixonadas as palavras
que a noite esconde na algibeira dos cigarros encostados às cinzas das árvores solitárias

erguem-se em mim de ti algumas sílabas amargas
desejando voar nos teus olhos com silêncios de mar
e cubos de vidro
com janelas de amêndoa e portas de gelo

e o Douro em milhões de cores
vive sofregamente nas encruzilhadas das imagens
negras que da garganta do poema
alimenta docemente os pilares de aço da saudade.

(poema não revisto)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O pergaminho do desejo


As moléculas fantasiadas de amor
em toques superficiais no pergaminho
que as manhãs constroem
debaixo da paixão,

enfurecido
o orvalho poisado na pele elegante da dor
que as plantas do teu olhar
transpiram em fios de medo,

pego nos sonhos
e semeio-os nas áridas coxas do inferno
quando todos os relógios de pulso
dormem docemente na maré sem luar,

e finjo adormecer
nas lágrimas do desejo
que brincam nas finíssimas películas
das moléculas fantasiadas de amor...

(poema não revisto)