quarta-feira, 12 de junho de 2013

o amor envergonhado

foto: A&M ART and Photos

imagino o amor envergonhado
aquele que procura nas palavras os abraços prometidos
o amor às vezes não desejado
que acontece como o granizo em plena tarde de Primavera

imagino e percebo
o desassossego dos olhos envenenados pela íris das sebentas
aos gemidos frios sonhos que inventavas

o amor
o raio do amor travestido e cansado
embrulhado num velho cobertor
entre palhas e silêncios
das janelas do abismo
os beijos
sem sentido
quando uma mão poisa sobre mim
sinto-a a argamassar-me como dentaduras em marfim
no meu pobre esqueleto de vidro
comendo-me ossos e sentimentos
e o amor zangado e perdido

o verdadeiro amor
de joelhos
junto ao mar
percebo das imagens reflectidas pelos espelhos do prazer
que zarpaste em direcção a uma ilha sem nome
idade
coração nem falar...
o amor
em ti
de ti
eu desejar
sonhar

o amor
fictício como lâminas de barbear
o amor sofrido sobre as árvores em flor
o amor...
aquele eterno amor
perdido numa calçada da Ajuda.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 11 de junho de 2013

A dactilógrafa em lápis de cor

foto: A&M ART and Photos

“Precisa-se de menina com o curso de dactilografia, experiência em teclados HCESAR, AZERTY e QWERTY, excelente apresentação, e terá como função desenterrar manuscritos de três velhas caixas de cartão onde jazem cerca de mil (textos e poemas), horário compatível com o vencimento, entrada imediata,”
Está frio, cercam-se os animais de encontro ao curral, as ovelhas paralelamente à linha do comboio com destino a Lisboa, Santa Apolónia, parecem substâncias amorfas, empobrecidas e levianas, levava comigo uma pequena mochila, pouca roupa, um par de sapatos, alguns papeis em branco, uma caneta e um lápis e uma velha borracha, no fundo, dormitava o único livro que me acompanhava, lembro-me como se fosse hoje, e podia eu lá esquecer, “Douto Jivago” de Boris Pasternak, Russo, ex-URSS, Prémio Nobel da Literatura em 1958, que infelizmente, e por razões políticas, não lhe foi permitida a deslocação a Oslo para receber o respectivo Prémio, coisas da vida, vida enfadada de coisas, no entanto, chego a Santa Apolónia com a esperança de ressuscitar o grosso volume em pedaços de cereja, e saboreados à beira Tejo, quase que o consegui, não fosse, eu não por razões políticas, mas meramente porque me distraía com o entrar e sair da barcos que quando voltava à leitura, já as páginas do meu livro tinham zarpado, levantando âncoras e desaparecido no horizonte, apenas tinha comigo mil escudos,
Havia montes e vales que eu desconhecia, havia árvores que eu nunca tinha observado em toda a minha vida, e claro, como podia eu esquecer-me das minhas ovelhas, quem sabe, perdidas, ao Deus dará, entre chuviscos e pequenas candeias de gesso que cambaleavam-se-lhes com o silêncio dos guizos, às vezes tinha medo por mim, quando acordava, olhava-me no espelho minúsculo e perguntava-me
Sonhaste com quê, hoje?
(e eu recordo-me que durante meses não sonhei)
Encontrava-me no final do dia com homens que se vestiam com plumas castanhas e com mulheres que se encharcavam em vodka até que o Tejo desaparecia do pôr-do-sol, e elas, começavam a voar em direcção à margem Sul, o Fernando cismava que queria um par de botas da tropa, e eu cismava que brevemente estaria novamente com as minhas queridas ovelhas, nem uma coisa nem a outra, apenas me lembro de ter aberto os braços...
Velhos ciúmes que um velho televisor a preto-e-branco inventa às mãos da dona Teresa, do rádio os gemidos sons da “Simplesmente Maria”, ouvia-a. Ouvia-a... e que nunca a percebi, confesso que era ignorante, e acreditava que os sons que entravam em mim vinham de um conduta como vinha a água potável, e em criança, apenas em calções, brincava com o arrefecimento lento da torneira do quintal, ouvia o galo desesperado por volta das cinco da madrugada, e mesmo ainda não conhecendo as horas e para que serviam os relógios, todos eles e que não eram muitos, desiludi-me quando descobri que o rio que eu olhava tinha deixado de existir,
Não acredito, dizia-me ele,
E quando acordo, sinto-me no fundo de uma planície de areia, sobre mim, hélices várias em movimentos vãos, como as páginas do livro de Pasternak que ainda eu vivo, lia vagarosamente, tão vagarosamente... que me esquecia de adormecer, que me esquecia que tinha terminado o dia, começado a noite,
E
Imaginava-a sentada a uma secretária, e conforme eu ia falando, ela silenciosamente teclava os silêncios do meus lábios, e percebi que tinha morrido,
Precisa-se de menina com o curso de dactilografia, experiência em teclados HCESAR, AZERTY e QWERTY, excelente apresentação, e terá como função desenterrar manuscritos de três velhas caixas de cartão onde jazem cerca de mil (textos e poemas), horário compatível com o vencimento, entrada imediata, e por motivos de GREVE os muros em betão do recreio da escola
O Fernando cismava que queria um par de botas da tropa, e eu cismava que brevemente estaria novamente com as minhas queridas ovelhas, nem uma coisa nem a outra, apenas me lembro de ter aberto os braços..., e tombado livremente como uma andorinha depois de fazer amor como o cacimbo,
E os muros em betão, estão lá, esperam-vos, como eu espero que apareças vestida de branco em movimentos circulares sobre o teu branco também cavalo, e apenas te peço, imploro, que me deixes ficar a olhar-te, poiso os cotovelos sobre o portão de entrada e imagino-te hoje a dactilografar este texto...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Corpos como cansaços da solidão

foto: A&M ART and Photos

O corpo como o cansaço da solidão, submerso nos cadeados braços dos beijos encostados aos arbustos teus lábios, sentia-se a penumbra fria pele silenciosa como um texto acabado de escrever, ouvia-se ainda o cheiro da tinta, negra, derramada da caneta de tinta permanente, velhinha mas ainda de excelente saúde, como os teus olhos, quando me olhas e perdes a voz, ficas afónica, perdes-te nas palavras, desorganizas-te como textos escritos sobre os joelhos de um qualquer vagabundo, encerras os olhos, desces o cortinado do escritório, sentas-te no sofá e inventas mil desculpas para não me ouvires,
Percebo-te, claro, havíamos um dia de descobrir o buraco de minhoca que nos separou, é evidente que para o comum dos mortais não nos entende, às vezes, eu mesmo não consigo entender-te, e quando pego no livro de equações de Einstein para nos entendermos, mesmo assim, fico sem saber... quem sou eu? E tu, ainda existirás como mulher? Não serás hoje apenas um pequeno ponto de luz na distância mais longínqua? Pergunto-me enquanto fecho o livro, esqueço as equações e recordo-te conforme uma flor quando nasce, nua, viril, semicondutor os teus seios em púrpura de novos desenhos esquecidos no frio betão de ontem,
O amor, o amor desperdiçado, por medo, vergonha, timidez, por falta de luzes ou porque as estrelas deixaram de brilhar, parvoíces, medos sem significado, o amor desperdiçado entre as silvestres manhãs de neblina que absorviam os Sábados de Novembro, eras tua ainda, e depois de abrirmos a janela virada para o Tejo, uma golfada de ar entrava-nos e iluminava-nos o quarto ainda desarrumado, lá fora, apenas sentia o fumo do meu cigarro em curvas para depois se dissipar contra os fios de aço que prendiam um petroleiro à calçada, mesmo debaixo da nossa janela...
Ai o amor,
E era Sábado em ti,
A despedida do rio e as lágrimas minhas como desejos em voos de madrugada amanhecer, deixaste de ocupar o lado esquerdo da almofada, e as gaivotas nunca mais poisaram no peitoril da tua janela, aquela, a única que tínhamos com acesso ao rio, depois, veio a chuva, o granizo, as geadas, o frio, o inverno disfarçado de ódio, quando ódio nunca viveu nas nossas pequenas mãos, depois as palavras, as palavras que teimas em não pronunciar, por medo, vergonha, sofrimento, por amar, o mar, entender-te como entendo os barcos, não, não sentado
A alvorada de ti sobre mim, os dias tristes antes da chegada do Natal, passeava-me na rua e esquecia-me dos néons correndo a cidade, à solta em cada rua que eu entrava, olhava-os e quase que me pareciam cadáveres sem esqueleto, corpos, corpos como cansaços da solidão,
Ai o amor,
E era Sábado em ti,
Hoje, procuro a tua mão entre os escombros da saudade, não a encontro, vejo-me através do espelho da minha amiga Maria, sentado, triste, procurando um jardim para me aportar, lançar âncoras ao fundo, e entre fumo e luzes invisíveis, contar as gaivotas de sorriso igual ao teu e quantos apitos por minuto se ouvem dos engasgados barcos de porcelana, velhos, que sobre a mesa da sala de jantar, navegam, como moscas e abelhas, à procura de ti, como eu, entre escombros e falsos cinzeiros, e de ti, nada, nem um sorriso observo à entrada da barra, e lembro-me que deixaste de ser barco, e hoje, não sei, nunca o soube, depois dos Sábados de Novembro
E era Sábado em ti,
E tu, ainda existirás como mulher? Não serás hoje apenas um pequeno ponto de luz na distância mais longínqua?
Era sábado de luz...

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Letras serpentes voando

foto: A&M ART and Photos

Há os grãos de areia que poisam na tua pele
como letras serpentes voando de cerejeira em cerejeira
há as pedras pássaro que dormem na tua mão
como uma sílaba acabada de nascer
há nos teus seios pincelados de cinzento
flores de pétala amarela e olhos azuis,

Há a chuva embriagada
que das nuvens inventam o prazer nocturno da paixão
rompem as amarras e as correntes em aço
como saliva deleitada entre rios e pontes imaginárias...
há mulheres com bocas de cetim
brincando como crianças nos relvados e jardins,

Há os dias sem fazer nada
e os minutos às janelas envidraçadas
há lágrimas dilaceradas como águias envenenadas
pelos pequenos parafusos de aço
que alicerçam os barcos ao cais dos desejos...
há os grãos de areia que poisam na tua pele.

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Ai menina

foto: A&M ART and Photos

Letras apenas
pequenas
tretas
que às vezes não percebem
que as pretas
uvas
são eternas
formosas como cobertores de Outono,

Rosas
vestidos cansados sobre ombros de prata
nossas vozes recheadas pelos vendavais de lata
em casas rochas a areia assassina dos quintais de Inverno,

Ai menina
o que seria de mim dentro do poço no inferno
sabendo eu que a minha triste sina
é... dormir inventando letras de papel
aquelas... as pequenas
tretas dos silêncios papagaios coloridos,

Ventos os sofridos
vendo tudo
a minha alma que não tenho que nunca tive que não pretendo ter
vendo semáforos de Verão com guarda-sois semeados nas lajes graníticas
aquelas
onde brincam os teus lábios e gravitam as tuas mãos de cegonha...

Meu deus...
que vergonha
a minha triste palavra escondida na algibeira da montanha adormecida
Deus ignora-me? Claro que não meu versos transtornados
Deus passeia-se dentro de mim
sem que eu perceba o que são incógnitas equações em três apenas letras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 9 de junho de 2013

Finos cabelos de videira

foto: A&M ART and Photos

Sabia que eras de xisto
e mesmo assim
não hesitei em amar-te
sabia que o teu corpo era constituído por lâminas e pequenas fatias
e as minhas mão saboreavam-no quando acordava a noite,

Eu, eu sabia, que tu pertencias às pequenas migalhas
que dormem nos socalcos olhando o rio Douro,
e, e mesmo assim,
não hesitei,
não hesitei em amar-te...

Não hesitei em permanecer sonâmbulo
caminhando montanha abaixo até cair sobre o sofrimento deleite das gaivotas sem sorriso
não, não hesitei, não tive medo do amor teu, sabendo-te fatiada como cortinados livremente
dentro do vento,
docemente como finos cabelos de videira olhando o final do dia...

E mesmo assim, não, não hesitei em amar-te.

Francisco Luís Fontinha

O que são desajeitados beijos, meu querido?

foto: A&M ART and Photos

Começo a ter medo das cores, telas e do amor, começo a ter medo dos dias sem a presença de pessoas, o medo às mortas assassinas horas, medo da noite quando todas as luzes dormem, ou fingem dormir
Pergunto-lhes
Já dormem, meus amores,
E nenhuma delas me responde, e depreendo que dormem ou fingem dormir, ou apenas não me ouvem, eu ainda as oiço, quando em pequenos passos vão descendo das janelas com acesso ao pátio de pequenas lajes em granito como pavimento, entre ranhuras, pequenas ervas, flores minúsculas, sonhos, e desajeitados beijos
Perguntam-me elas
O que são desajeitados beijos, meu querido?
Respondo-lhes que são beijos com defeito, que na fábrica dos beijos não passam no controle de qualidade, são colocados numa caixa de porcelana, embalados e devidamente embalsamados, para mais tarde, pela madrugada, entrarem em vós, e posteriormente, em mim
Perceberam, meninas?
Que não, que apenas percebem de luz, de estrelas, da noite quando a noite é uma verdadeira noite, quando os corpos, misturados em óleo de cedro e untados com palavras dispersas, eles, mergulham como lâminas de areia na sepultura dos cadernos com capa preta, onde vivem as palavras proibidas, as palavras cansadas, as palavras
Amas-nos?
De que vale o amor se as luzes da noite ficaram eternamente negras, penumbra como a morte, de que me servem palavras se sei que ninguém as lê, eu próprio não as leio, tenho-lhes medo, odeio-as, mesmo sabendo que são minhas, envergonham-me, como as cores e as telas e os beijos,
Raios... me partam para as palavras...
A vossa nudez mistura-se com a minha timidez, oiço de dentro de mim os ouriços dos tentáculos vidros da minha gaguez disfarçada de ventoinha a pilhas, há vozes que teimo em não ouvir, há imagens que teimo em não recordar, há palavras secretas e escondidas nos caixotes de cartão entre o tecto e o cimo da prateleira da minha triste e pobre biblioteca, há tanta coisa em mim que eu mesmo deixe de perceber se ainda estou vivo, se ainda é-me possível sonhar
Sabereis dizer-me, minhas queridas luzes nocturnas o que são sonhos?
Sonhos são... deixai, deixai-me sossegado,
Depois veio o desemprego, a miséria, e tudo porque chove, digo eu, maldita chuva, fartei-me de água e gotinhas de água, e de poesia, porque
Amas-nos?
Porque será que tudo de ruim é culpa do tempo? Perdi o amor da minha vida, claro, por culpa da geada, esta foi devido à geada..., sou um parvalhão inconformado, claro, culpa do sol, quando queimei todos os meus desenhos e textos e poemas nos anos 90, claro, por culpa da droga
Que tem a droga relacionada com a meteorologia... não sei, minhas queridas luzes e lâmpadas, não sei, mas certamente e quase de certeza que a culpa foi do céu pouco nublado, não tenho dúvidas, ah..., ah e ah, às vezes há,
Parvalhão, tu, que acreditas nas coisas inventadas por um louco malabarista (começo a ter medo das cores, telas e do amor, começo a ter medo dos dias sem a presença de pessoas, o medo às mortas assassinas horas, medo da noite quando todas as luzes dormem, ou fingem dormir
Pergunto-lhes
Já dormem, meus amores), e acredito que um dia vou ser crucificado pelas luzes que eternamente cessaram a luminosidade, como a vida cessa e dá lugar à morte,
Ou falta de sorte, como eu, desde que nasci.

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Drageias apenas em ti

foto: A&M ART and Photos

Eras em pluma doce crisântemo do Éden jardim
escondias nos lábios a algibeira dos sonhos
e trazias nos braços as imagens prateadas
que o velho homem de chapéu negro deixou ficar após a tempestade
sobre a cidade dos vampiros de cabeça estonteante,

Comíamos sem comer
imaginávamos alimentos em todas as árvores que víamos
às vezes fingíamos caçar pássaros de asa amarela e azul
como os papeis que usávamos na secretária da noite
para adormecermos as nossas palavras em dor,

E por algumas drageias apenas
elas
as palavras vomitadas pela nossa empobrecida insónia...
inventavam sonhos e marés com vestidos de renda
e deixávamos de saber o nome dos dias,

Pintávamos minutos dos relógios procurando braços
para aportarem âncoras de iodo e laboratórios de análises clínicas
as palavras com teores de açúcar bastante elevados
e dos poemas havia uma pequena alteração no níveis de colesterol...
comíamos livros e nem assim conseguíamos sobreviver aos anzóis do amanhecer,

Se nos amávamos deixei de perceber
que na tua boca de Primavera envergonhada
habitavam calçadas como rios fundeados nos alicerces da tuas palavras
as mesmas e aqueles que as drageias apenas
elas as palavras eram pedaços de papel envenenado pela escuridão do prazer...

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha

sábado, 8 de junho de 2013

Como todos os versos dele...

foto: A&M ART and Photos

Tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo, ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de nós, e éramos felizes assim
Poemas que vão integrar esta colectânea,
Horríveis, sangrentos, húmidos às vezes, como esponjas derramando películas de suor que vogais e sílabas alimentam depois de nascer o poema, e morrer o texto, sulcos salivais, vaginais, vagabundos escondendo-se em folhas velhas de jornais, a cama, delírios imaginados por um transeunte camuflado num sobretudo castanho, havíamos combinado escondermos-nos no sótão enquanto nos acariciávamos olhando-nos num espelho magro, esquelético, voraz, volátil como alguns fluidos dentro de pequenas caixas de fósforos, e ardíamos como cachimbos na boca desespero do senhor António Emagrecido com voz penumbra soletrando as pequenas letras no cardápio do prazer,
Poemas que vão integrar esta colectânea, poemas de “merda” e textos de “merda” percorrendo socalcos e avenidas entre arbustos e automóveis de luxo, por favor – Mesa para duas – e depois despedíamos-nos após transcrevermos na palma da mão os poemas envenenados e moribundos, alguns, nem sobreviviam e na primeira carícia acabavam por despenharem-se-me nos seios circunflexos das paixões em marés de Primavera, éramos novas e queríamos – Queremos um quarto de casal se faz favor – e a pergunta parva de sempre
(as meninas vão dormir juntas)
Respondíamos que não, claro que não – Eu durmo no chão e ela dorme com o gato Jerónimo – PARVALHÕES...
Horríveis, percebem?
Os poemas, as noites em claro olhando uma lâmpada embrulhada em papel celofane, encarnada, e pela segunda vez sinto o meu corpo possuído pelo maldito sarampo, eu parecia um forno depois de aquecido e esperando a entrada em mim da massa, que posteriormente, como os poemas, renasce o saboroso pão, e trazias-me a manteiga de amendoim, e quando acordava, sentia-me embalsamada nas tuas mãos..., “tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo, ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de nós, e éramos felizes assim, assim, assim como hoje, poisando os cotovelos no peitoril de verniz sobre a Avenida Almirante Reis, e comíamos Sábados à noite, depois de acordarmos com hálito a chocolate e a beijos de açúcar”, mãos, as mãos tuas em mim, depois, depois a penúria de vivermos sobre um mar de areia branca, sem barcos...
Horríveis, percebem?
Como todos os versos dele...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Rosas de amor

foto: A&M ART and Photos

Tinhas na mão as palavras minhas
em ausências mergulhadas nos carris da insónia
trazias-me ao jantar os sabores do mar
com pequenas algas e pedaços de luar
tinhas nas mão as palavras minhas
dementes como esqueletos ósseos suspensos no estendal da noite
como acontecia aos orgasmos nocturnos nas miseras coxas em granito
tínhamos corações de xisto
e janelas com imagens encarnadas entre flores e pétalas às pálpebras quebradas
dos vidros restou nada
e da casa com cortinados de papel...
sobraram saudosos beijos embrulhados em simples abraços,

Tinhas na mão a pele silenciosa da madrugada
como pingos de chuva
em cansados versos por mim declamados
tínhamos os rios e as pontes e gaivotas embriagadas
nos confins voos em siderais mistelas de açúcar e canela
e demais minhas desérticas palavras
por ti
e de mim
abandonadas
tinhas
na mão minhas
corpos dispersos teu desejo travestido entre plumas e rosas de amor.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha