sábado, 7 de abril de 2018

Encíclica manhã do deserto


Habitas no infinito predicado da solidão.

Oiço a voz das flores na tua mão,

O frenesim angustiado das palavras silenciadas,

Presas na carcere do silêncio,

Habitas no meu corpo,

Na minha morada,

Longínqua…

Perdida em ti.

O coração prateado,

Nas estradas inabitadas do medo,

O soldado,

Carregando a mochila da saudade,

Desce a Calçada,

Senta-se no rio…

Madrugada dentro,

O uísque fervilhando dentro de um copo de vidro,

A cabeça estonteante,

Nos livros acorrentados aos teus lábios,

A cidade morre,

As janelas imaginadas por mim parecem cobras embriagadas,

Soltas,

Tontas,

Como eu…

A cair,

Sobre mim,

O jardim esquecido no luar de hoje,

O meu corpo não se mexe,

Dorme,

Na encíclica manhã do deserto,

Ao final da tarde,

O cansaço das vidraças,

Quando me abraças…

E sou feliz em ti.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 7 de Abril de 2018

domingo, 1 de abril de 2018

Não, não o quero.


Viver nos teus olhos, não o quero.

Viver embrulhado no poema, não o quero.

Viver vivendo apenas para viver… também não o quero.

Viver saltitando,

Correndo,

Descendo,

Subindo a Calçada da Tristeza, não, não o quero.

Escrever no teu corpo, desenhar nos teus lábios, não, não o quero.

Não o quero.

Pertencer aos livros ardidos.

Trazer-te a Lua, quando a solidão amanhece em ti, e sinto na tua mão o silêncio do desespero.

Não, não o quero.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Abril de 2018

sábado, 31 de março de 2018

Amar sem vento


Amar sem vento, enquanto a Lua adormece o corpo cansado,

A viagem entre parêntesis, distante da sombreada escuridão,

O passo apressado,

Ofegante,

Que caminha na tua mão.

 

Amar sem vento,

Saltar as amarras do sofrimento,

Há gente, com lamento,

Enquanto os ossos fornecem o alimento,

 

A Paz sagrada, imune predicado,

Uns shots no mercado,

Um poema poeirento…

Que poisa no livro sangrento.

 

Amar.

 

Amar sem vento,

Correr as avenidas da tempestade,

Amar,

Amar-te sabendo que a saudade,

Vira gente,

Como o mar,

Ou um barco afundado.

 

Eu sento.

 

Eu sento no amar sem vento…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 31 de Março de 2018

sexta-feira, 30 de março de 2018

As sanzalas de vidro


As sanzalas de vidro,

O silêncio suspenso nas sanzalas de vidro quando a manhã se suicida contra os rochedos do medo,

Os musseques que brotam sangue, os musseques que dormem na tua mão, meu amor,

São palavras escritas no vento,

Na despedida do sofrimento.

As maçãs da madrugada sobre as pálpebras do cansaço, digo-o enquanto habita no teu corpo uma serpente de aço,

As ratazanas que brincam com os meninos nas sanzalas de vidro,

O pequeno-almoço penhorado pelas Finanças, e lá fora a tua sombra encurralada nos livros,

Assim, como quem esquece a vida,

Ou se esquece da vida, como tu, meu amor, como tu…

Silabas tenho-as quantas quero, guardadas nos meus braços, no longínquo ângulo recto, o tecto da noite empobrecido, como eu, como tu.

As sanzalas de vidro, meu amor, os pequenos trapos das bonecas de areia que o mar alimenta, e há sempre um barco entre nós.

E há sempre um poema em nós, meu amor,

As pedras,

As pedras assassinas descendo a montanha,

O sigilo bancário nas barbas das Finanças, o horror, o terror, a torrente aventura de partir para o teu colo, meu amor, telegrama insignificante; STOP. MORREU. STOP.

E que sim, que fugia das cavernas que habitavam as sanzalas de vidro,

A chuva que não cai, a chuva que cai, o trémulo beijo no leite da manhã,

A literatura, tua, na minha cama,

Adormecida, cansada,

E desperto ao som de um velho relógio com engrenagens MADE in CHINA…

STOP.

MORTE. STOP.

Nas sanzalas de vidro.

Há caracóis, cerveja choca, poesia embriagada…

Dia,

A noite,

Na despedida da MORTE. STOP.

Encerro a luz, ficam tristes as sanzalas de vidro,

E mesmo assim, desenho-as nos teus lábios.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30 de Março de 2018

domingo, 25 de março de 2018

O silêncio amanhecer


Podia ser o mar,

Suspenso no teu corpo amanhecer,

Na palavra escrita, o silêncio amar,

Que grita,

Após a partida da alvorada.

O poeta embrulhado no escrever,

Como uma amante,

Que das lágrimas de chorar…

Não consegue ver,

Nem sente,

O silêncio escurecer.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25 de Março de 2018

sábado, 24 de março de 2018

Sonâmbulo das cavernas


Esta melancolia, aprisionada na tua mão, meu amor,

Esta triste despedida,

Na calçada sofrida,

Quando o beijo esvoaça na fogueira prometida.

O sangue frio do massacre, lá longe, na sanzala, os perdidos cabelos de Primavera,

Quando a fala,

Quando o silêncio do teu sorriso,

Perde o juízo,

Sonâmbulo das cavernas, no limiar da pobreza,

A bela,

A bala na cabeça de um canhão,

E tu, meu amor,

E tu meu amor procurando a sombra do coração,

Desisto.

Insisto,

Desisto da tua fotografia esbranquiçada,

Na sala malvada,

Insisto no pôr-do-sol ao final da tarde,

Saio de casa,

Procuro-te no arrozal,

E finjo ser um poeta, e finjo ser a fogueira que arde…

Sobre ti, meu amor, sobre ti.

O miúdo com a fralda de fora,

Da praia regressa o secreto amor,

Aqui mora,

Habita a mais bela flor,

Que o meu quintal acolhe,

A sede,

O molhe,

As rochas envenenadas pela madrugada,

Sofre, descansa, abraço-te minha amada,

Que toda a vida teve.

Eu vi, quando acordei,

A esplanada do amanhecer,

Sabes, meu amor,

Chorei,

Cansei da vida sem prazer,

Respirar,

E morrer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Março de 2018

quarta-feira, 21 de março de 2018

Fotografia


(21 de Março, dia Mundial da Poesia)

 

 

 

Tão singela a porcelana do teu rosto,

Boneca de trapos, entre livros e plátanos,

Entre farrapos e palavras adormecidas,

Que só o vento sabe esquecer.

Tão magras as tuas mãos sapientes,

Quando tocam a minha face de xisto,

Grito, grito…

Existo!

Tão melódica a tua voz de cantadeira,

Quando o mar sobe a calçada,

E traz no ventre a despedida,

Triste, amargurada.

Dentro do parêntesis da madrugada,

A simplicidade do teu sorriso,

Tão simples o teu desejo,

Quando o beijo, enraivecido, se abraça à noite,

Tão simples o teu cansaço,

Nesta terra de ninguém,

Alguém,

Quase nada,

Perdido no espaço.

Tão singela a porcelana do teu rosto,

Quando a alegria parte, morre…

E poisas eternamente numa fotografia.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21 de Março de 2018

sábado, 17 de março de 2018

Montanha em fuga


Este Sábado bafiento,

Perdido no ciúme da madrugada, presente no ausente,

Como uma ponte em cimento,

Latente,

O cheiro do teu cabelo numa esplanada de Verão,

O cigarro aceso, que tão mal faz ao coração,

Dizem eles, os médicos,

Mas eu não acredito,

Sendo iletrado,

Sou também um homem apaixonado,

Terno, lento,

Lanço este grito,

Quando o rio adormece na tua mão,

Tão lindas, as flores, meu amor,

Quando o poeta escreve a canção,

O dia, término cansaço da rua deserta,

Porta encerrada, porta aberta,

O carteiro traz-me a carta, a tua carta lacrada,

No marfim encarcerada,

Os beijos, as lanternas dos beijos emancipados,

Quando os corpos lançados,

Ao mar,

Um sopro de vento entra pela janela,

Encerrada,

Aberta,

Sem ninguém, ausente serpente do amar…

Tão bela,

E de lábios a palpitar,

Oiço o mar no teu corpo de limão,

Esqueleto camuflado pelas lâmpadas do anoitecer,

Sem querer,

Vou ao teu encontro, abraço-te e recordo a montanha,

Uma criança em fuga,

Que ninguém a apanha,

É isto o meu viver?

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17 de Março de 2018

sábado, 10 de março de 2018

Hoje, só hoje!


Hoje,

Só hoje,

O teu corpo dilacerado nas montanhas da insónia,

Mergulhado na planície do sofrimento,

Hoje,

Só hoje,

Os teus olhos comendo as lágrimas da madrugada,

Junto ao mar, hoje, só hoje…

Nas palavras de amar,

As tuas mãos enroladas no meu rosto,

Em pedra, frio como a tempestade…

De viver…

Hoje,

Só hoje,

Os barcos em busca da liberdade,

Quando os livros adormecem na tua mão,

E, no teu cabelo, uma andorinha… brinca, e, sofre…

Hoje,

Só hoje,

O teu coração sobre a mesa,

Quente,

Saltitante…

Como as serpentes do amor.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10 de Março de 2018

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Lisboa em chamas


O corte das palavras,

A garganta dilacerada pela imensidão do poema,

Quando os olhos da lua se cerram e dormem,

As cidades invadem os livros,

O projecto nasce na tela branca da solidão,

A água que se mistura no cotovelo das esplanadas de Verão,

E os incêndios nas mãos do poeta,

Uma caneta foge,

Abandona a casa dos espíritos,

Junto ao rio…

 

Amar-te paras quê? Se as minhas palavras são de aço,

Enferrujam os frágeis dedos de porcelana,

Quando da noite regressa,

E abraças a minha cama,

 

Lisboa em chamas,

 

As ruas desertas, os peixes cansados das paredes infestadas de ratos de papel,

A minhoca perfurando a terra, seca, cálida…

 

O corte das palavras,

A música perplexa nos confins da montanha,

Escrever-te? Amar-te?

 

Se o cupido morreu no meu olhar,

Numa noite de saudade,

 

Junto ao rio…

 

Abraças a minha cama!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Fevereiro de 2018