domingo, 10 de abril de 2016

As máscaras


Assim permaneço inconstante

Neste lugar habitado pelos silêncios das amoreiras

Finjo ser feliz porque minto

E mentir faz parte da minha solidão

Fujo

Regresso

Permaneço inconstante na plenitude dos teus braços

Amargo sofrimento das fotografias onde morres

E sofres

Nesta cidade de sonâmbulos

O espelho da insónia

Pregado ao meu corpo

Assim permaneço inconstante

Com medo

O sofrido doente

Neste esconderijo

Fiquei desanexado do presente

Fugitivo da morte

Hoje não sei se te amo

Talvez nunca te amei

Porque o amor é-me estranho

Um ser prepotente

E ausente

De mim

Um esqueleto de palavras incertas

Uma máquina de roldanas fictícias

O livro em acabamento

Com todas as suas personagens

Lá fora

Meu amor

O nada

A absurda escuridão vestida de mar

O semáforo da paixão entre verdes e encarnados

Paro

Inclino-me para o desassossego

As manhãs dos teus lábios

Argamassados pelo colorido beijo

O livro vive

Dentro de mim os parafusos da melancolia

As porcas do cintilante pássaro da madrugada

A paixão novamente no ventre da solidão

Que o tempo há-de levar

As ruas desertas

As casas invisíveis

Como gargantas em granito

Procurando o pôr-do-sol

Ausento-me de ti

Sei que amanhã estarás a ler a minha lápide

Amaste

Não amei

Desamaste em poucas horas

Para voltares aos meus braços

O caminho deserto do silêncio

A rua sem transeuntes envergonhados

Amo-a sem o saber

Ou querer

O sítio esquelético da minha sombra

Em busca do privilegiado tesão do amanhecer

Durmo

Ajuda

Ajuda

A calçada dos ventres desventrados dos destroços de prata

Amo-te

Sem saber a razão

Cintilam em mim os terramotos da lentidão sonolência da sorte

Ausento-me

Corres

Amas-me como eu amo estes livros

Estes cadernos

Estas sebentas encurraladas na escuridão

Regressa o sono

Regressa o desejo das Calçadas envidraçadas pelo engate de um puto

A ressaca

A ressaca dos amigos

Quando ninguém habita o meu coração

Sem ajuda

Com Ajuda

Belém enraizada no meu corpo

Nos meus ossos

Na minha boca entrelaçada nos teus seios

Pássaros

Árvores

E gaivotas

Nos meus restos mortais

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 10 de Abril de 2016

sexta-feira, 8 de abril de 2016

a partida


ela partiu numa manhã de neblina

levava na bagagem a solidão dos dias e das noites acorrentada à minha mão

olhou-me pela última vez

(alguma vez te disseram que tens o coiso grande?)

Disse-me adeus

E quando alguém nos diz adeus é para sempre

Aos poucos desapareceu na neblina

Sentei-me num banco de pedra

Cruzei os braços

Puxei de um cigarro na esperança que alguém me oferecesse lume…

Pequei num livro que ela me tinha oferecido no dos outros encontros furtivos

Sempre em esconderijos

E vi o mar deitado a meus pés

Que mais eu poderia querer?

neblina

sentado

um livro

e uma ausência programada

a falsa partida

o dia mais feliz da minha vida

saltava

dançava de alegria

esta finalmente livre…

e foi a manhã mais linda de Lisboa

num qualquer Novembro cinzento e escuro

as gaivotas poisaram sobre mim

transeuntes sorriam-me e eu sorria-lhes

a felicidade era tanta que tinha medo de ser mentira

felizmente

não o era

tinha-me libertado da menina mimada

 

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 8 de Abril de 2016

quinta-feira, 7 de abril de 2016

A infância lacuna do amor


Na longitude do amor

Desenho a cabana do sofrimento

A saudade regressa do infinito ausente musseque

Procuro os pequenos charcos da infância na algibeira do tempo

Queria ser gente

Correr

Saltar

Brincar no teu olhar como brincavam as gaivotas sobre o meu cabelo

Habitar nas tuas mãos com que afagas o meu olhar

Sentar-me nos jardins inventados pela escuridão da paixão

A solidão vive

Absorve-me como absorve as tempestades

O silêncio do medo agarrado ao meu corpo sonolento

Os meus ossos ficam colados no espelho dos tristes dias ausentado

Como uma fotografia sem ninguém

Cubro-me pela madrugada em construção

Sonho

Vivo sonhando com papagaios em papel

Imagino-me no parapeito de uma janela gradeada pelas sombras do abismo

O amor morre

Morre como morrem os fantasmas do amanhecer antes de ir para a escola

Sou um marinheiro desempregado

Passo os dias junto ao mar na ânsia que alguém me venha procurar

E novamente saltito nos charcos dos musseques de zinco

O medo

O medo de não regressar nunca

Às palmeiras de cartão

 

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 7 de Abril de 2016

quarta-feira, 6 de abril de 2016

janela virada para o mar


sinto o peso da lua

sobre os ossos em papel

que habitam o meu corpo

escondo nas mãos o luar nocturno da solidão

dos tristes pássaros do meu jardim

escrevo-lhes e converso com eles

a minha presença incomoda-os

e pareço uma imagem aprisionada num hipercubo de sombras

sonhos

rios infindáveis

palavras esquecidas no vento

correndo nas minhas veias de vidro martelado

o opaco desejo nas madrugadas embriagadas pelas andorinhas

o silêncio abraçado a uma árvore

sinto o peso da lua

sobre os ossos em papel

que habitam o meu corpo

aos poucos vejo o teu olhar sentado sobre o meu peito doente

como se existissem roldanas de cartão

na pele que me alimenta

sou um aldeão sem aldeia

mas das montanhas

regressam os homens do coração granítico

que trazem a noite

e me roubam as palavras

depois a tua boca entrelaçava-se na minha

um fino sorriso de nylon brincava na janela virada para o mar

os barcos encalhados nas tuas coxas

em pequenos apitos sonâmbulos

uma casa em chamas

dois corpos em chamas dentro da casa em chamas

o farol lá longe

guiando-nos até ao infinito

a morte

a paixão laminada pelos orifícios do deserto

sinto-me um prisioneiro esquecido num qualquer porto de mar

cordas

correntes de luz dificultando-me a mobilidade das palavras

os livros também em chamas

na casa em chamas

com dois corpos em chamas

o inferno inventando o suor do teu corpo

as asas que te levam para o Céu

também elas em chamas

a fogueira dos nossos cadáveres sobrevoando o horizonte

descemos a calçada

sentamo-nos junto ao rio

dois condenados ao amor impossível

às cartas nunca escritas

o amanhecer quase a chegar

nos teus lábios as pedras preciosas da saudade

há tanto tempo com esta enxada rosada na mão calejada pelas pálpebras do incenso

há tanto tempo

aqui

sem ninguém

 

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 6 de Abril de 2016

segunda-feira, 4 de abril de 2016

túnel de xisto


perdi-me nesse túnel de xisto

acorrentado ao rio encurvado nos teus seios

socalco após socalco

desço até ao poço da tristeza

escrevo nos rochedos

os caracteres mutilados do sonho

oiço os gemidos de um corpo esquecido no regresso do pôr-do-sol

imagino-me dentro desse corpo de dor

como se fosse a minha última palavra

entre ossos sem remetente

ou destinatário

deixei de receber cartas

pequei nas que tinha escrito na infância e transformei-as em cigarros coloridos

papéis que ardem no comportamento da memória

estou cansado de me perder

e de ser achado pela madrugada

junto a um qualquer apeadeiro deserto

aqui morreram os comboios

aqui morreram os meus pequenos sonhos

derramados pelas âncoras do desejo

na alvorada

não tenho tempo para recordações

não tenho tempo para corações de geada

quando hoje o túnel de xisto

habita esta cidade de cadáveres sem ninguém

ausentes

empobrecidos pelo tempo

não dou conta do adormecer das horas

não tenho horários

sentimentos

nem pulso para suportar um simples relógio de corda

morreram os relógios

e morreram os pulsos que se acorrentam aos relógios

sem remetente

ou destinatário

 

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 4 de Abril de 2016

domingo, 3 de abril de 2016

entre parêntesis


o peso do corpo

quando o corpo se ausenta da realidade

a morte vulcânica do sentido proibido da vida

os tristes pássaros empoleirados nas avenidas sem destino

a lucidez do alpendre da solidão

caminhando calçada abaixo

os ossos

o pó dos ossos

manchado nos camuflados risos da manhã

ao teu lado

oiço amo-te

ao teu lado

oiço-te desejo-te

mas a madrugada roubou-nos o desejo

tenho uma estrada abandonada

nos abismos da madrugada

o silêncio enraizado na melancolia do suor teu corpo

a alegria

sentindo a solidão dos obscenos corpos de nata

há-de viver em mim a mulher desenhada nos espiões da noite

o amanhecer morre no ínfimo acreditar da noite

tenho sono

meu amor

amanhã viverei no teu corpo

amanhã sentirei o teu corpo

fatias finas

papel amargurado

nas algibeiras dos corpos suicidados

a morte

os amigos da morte

na ambição do sonífero sonolento

hesito

morro

neste barco de sentinelas amordaçados

o tempo

sempre ausente de ti

enigmático coração de vidro

sofro

deixo-me sofrer pelos teus lábios

os beijos

o comboio em direcção ao nada

transeuntes acabrunhados

que só o vento desenlaça na porta de uma casa de alterne

o medo da morte

a embriaguez dos rostos maltratados

que os livros comem ao pequeno-almoço

são horas de partir

meu amor

a ausência do cachimbo oco que habita a minha mão

a ausência do olhar

correndo em redor do mar

a cerveja quente o uísque alicerçado às minhas costas

fumam

comem cigarros livros de papel fumado

a noite é um corrupio sonolento da alma

amei-te

quebrado nas montanhas da solidão

este magro corpo acordado do sono

este magro sono acordado no magro corpo

gosto de ti

dos teus olhos vestidos de noite

entre parêntesis

snob

sono da alegria de morrer

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 3 de Abril de 2016

sábado, 2 de abril de 2016

Ao espelho


Sofro por ti meu amor

Sinto a tua mão no meu rosto cansado pela doença

Sinto no meu corpo

As marras do destino

Habito em ti

Sou pedaço do teu cansaço

Livro das tuas palavras

Algumas parvas

Algumas insignificantes

Sofro o derradeiro sofrimento

Que as marés do inferno me trazem

Não tenho medo da tua partida

Não tenho medo da tua ausência

Suicido-me nos teus lábios

Acabrunho-me nas imensuráveis paixões dos poços da morte

Estou só meu amor

Partiste sem me avisar

Naquela noite das sombras do esquecimento

Suicido-me no teu perfume

Caminho calçada abaixo

As rosas da melancolia

As raízes dos soníferos orgasmos da manhã

Fugidios corações de aço

No corpo debruçado sobre o parapeito do desejo

Estou cego meu amor

Os dias tristes da tua ausência

Ao longe os apitos da locomotiva do adeus

Nunca mais quis o amor

Nunca mais quis a infância desenhada em Luanda

Perder-me numa Alijó encurralada no esquecimento

O frio

O frio disfarçado de abismo

O amor regressado do mendigo palhaço do deserto

Saber que amanhã estou só

Eu

A noite

O amontoado de sucata

As árvores do teu sorriso

Estou só


Só neste sargaço da sonolência do labirinto de asas

Pássaros enraivecidos

Limitados pela cabeça do sono

Tenho medo meu amor

Tenho medo da madrugada

E acreditar que estás vivo

Ao meu lado

Esticando o dedo…

Então engenheiro!

Não tenho palavras do suicídio fictício da minha vida

O Tejo peneirento algures nos teus lábios

Estou feliz hoje

Permaneço no esquadro envidraçado do teu olhar

Meu amor

Me encontro encurralado no esquecimento

Submersos esqueletos de gelatina

Ao espelho

O meu corpo envidraçado

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 2 de Abril de 2016

sexta-feira, 1 de abril de 2016

a flor em solidão


uma flor em solidão

alicerça o seu perfume no meu corpo rasgado pelas andorinhas

velhos farrapos voam em direcção ao mar

sussurram palavras desamadas

em construção

no papel em destruição

habita o meu olhar

tenho tudo

e não tenho nada

tenho uma mãe

tive um pai

tenho pão

livros

e nada me falta

pego nas esferográficas do amor

sou feliz

deambulo pelos jardins desta cidade envelhecida

não tenho medo das tuas mãos

tenho uma mãe

tive um pai

nada tenho

e nada me falta

uma flor em solidão

cravada no peito

sangro

sinto a dor dos Oceanos prateados

sinto a dor dos barcos ancorados

escrevo

escrevo nas velas de um velho veleiro

o poema da flor em solidão

e a morte separa-nos

eleva-se ao decimo quinto andar esquerdo do silêncio

e abraça-se no horizonte

e dorme junto às tuas pálpebras de solidez paixão

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 1 de Abril de 2016

quarta-feira, 30 de março de 2016

as tempestades do silêncio


a desilusão da noite

quando o corpo cessa de sonhar

debaixo do alpendre os ossos sobejados das tempestades do silêncio

um fio de sono

refugia-se na madrugada

a insónia partiu sem deixar rasto

fugiu das minhas pálpebras

enquanto a solidão brincava no mar

e um barco

e um barco enferrujado atrapalha-se com os meus frágeis braços de porcelana

tenho medo da chuva clandestina

sem morada para aportar

tenho medo da morte que semeia a dor

que semeia o sofrimento

e a escuridão entra no meu peito

sinto o meu coração em pequenas fatias de cansaço

apetecia-me escrever-te

mas deixei de ter palavras para ti

em tempos tinha o teu rosto aprisionado num caderno

mas com a idade

esqueci-me dele

do caderno

e esta ausência viagem permanece sem destino

que só a desilusão da noite

sabe desenhar na areia húmida dos teus seios

o desejo sem navegar em ti

o esquecimento dos teus lábios saqueando a cidade

navego em ti como um sonâmbulo arbusto do teu jardim

e a noite me leva para o infinito

o grito

o sorriso das serpentes nas amarras do beijo

o triste sono sobrevoando os lençóis da alegria

amanhã estarei aqui sentado?

amanhã estarei aqui sentado a folhear o caderno

onde se encontra aprisionado o teu rosto?

amanhã haverá tempestades de silêncio?

(mas com a idade

esqueci-me dele

do caderno

e esta ausência viagem permanece sem destino

que só a desilusão da noite

sabe desenhar na areia húmida dos teus seios)

amanhã?

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 30 de Março de 2016

terça-feira, 29 de março de 2016

as palavras mortas


as palavras morrem dentro de mim

como carcaças em vozes famintas

saboreando o vento da noite

quando a tempestade se despede da cidade

o sem-abrigo lamenta a sua sorte

e eu confesso-me culpado

porque ajudei a matar as palavras…

… as palavras que morrem dentro de mim

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 29 de Março de 2016

domingo, 27 de março de 2016

o silêncio suor na penumbra palavra em destruição


a destruição da alma

na abóboda silenciosa da manhã

um suspiro

a ausência do teu corpo

neste manchado lençol de prata

a ausência do teu corpo

neste imensurável destino menino

a sinfonia da saudade

encastrada nos ossos da alvorada

sinto-me um cadáver inventado pelo sonho

sussurro-te as palavras mágicas da sombra

sussurro-te as palavras mágicas do Adeus

e desapareço na ténue lentidão do sorriso

amo-te destruição da alma

conflito íngreme da solidão

estou só

muito só

que nem tempo tenho para abraçar os barcos em regresso

que trazem promessas

riquezas

brincadeiras de criança

a bandeira do amanhecer

hasteada nos teus braços

a insónia amestrada no palco do circo

o frágil miúdo

inacabado

ausente

e apaixonado pela cidade

inventei amores

inventei desamores

inventei milhões de iões

beijando electrões

inacessível inculto dos comboios da noite

vou com o circo

amo o circo

e as montanhas de Lisboa

amo o circo

e as montanhas de Luanda

barcos

o engate do miúdo numa noite de copos

invade-me o sono

o silêncio suor na penumbra palavra em destruição

não tenho ossos

sonhos

noite

não tenho nada

meu amor

nada

 

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 27 de Março de 2016