Hotel Quinta da Seixeda – Alijó
quarta-feira, 15 de maio de 2013
terça-feira, 14 de maio de 2013
As janelas do Outono
foto: A&M ART and Photos
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Dissimulávamos-nos entre as raízes
poeirentas
dos velhos candeeiros a petróleo
deitávamos-nos sobre uma velha
secretária em madeira apodrecida
e rezávamos
como personagens de um livro de
insónias sobre o divã da saudade
percebia que os teus olhos
os olhos meus contra a cortina de fumo
que alimentava o eterno silêncio
desejo
desejando palavras indesejadas
como nós
havíamos um dia de recortar as imagens
das nossas cartas perfumadas
e suspendê-las ou decalcá-las... ou
simplesmente... queimá-las contras os vidros das janelas do Outono,
Havia um corpo ancorado ao teu
que confesso... nunca percebi a sua
história de cadáver sem sonhos
voando entre as montanhas dos pássaros
encarnados com telhados de vidro...
ouvia
ouvíamos os ossos do esqueleto
incompleto das tuas coxas ranger como gonzos
durante a noite construída em mentiras
e falsas imagens
com legendas tridimensionais
incolores
sofredoras como os bancos de madeira
onde nos sentávamos...
que coisa... esta nossa vida
de equação de Einstein...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Desisto quando percebo que todos os corpos são corpos
foto: A&M ART and Photos
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Escondes-te do mar, dentro do mar, existe à tua
volta um túnel hiperbólico, ausente do vento de nordeste,
escavam-se na rocha as palavras por dizer, proibidas, emagrecidas,
escondes-te e desces e desces e desces,
dentro do meu corpo,
Sou o teu hospedeiro, o eterno viajante, sem
bagagem, sem luvas, e na algibeira, poucas, as migalhas de sílabas
para matar a saudade de escrever, quando a vontade há muito foi
embora, agora, ficou, tu, a ausência de pessoas, de beijos, a
ausência de calendários, como que existissem nas paredes em ruínas
das almas que vagueiam pela cidade, corações, amor, desilusão,
poucas vezes me confesso no espelho junto ao contentor de lixo, uma
vezes cheio, outras, ultimamente, vazio, penumbro, escuro, e fundo,
peço um copo com água e açúcar, fico estável,
não saudável, hirto, consigo caminhar sobre a espuma nocturna dos
desejos masculinos, pensões de vinte e cinco euros, escadas em
madeira, terceiros andares, quartos andares, pessimamente, os sótãos,
difíceis para quem sofre do reumático, e quando se alcança a
janela que dá para um telhado de oxigénio, existo, perco o pouco
fôlego e desisto quando percebo que todos os corpos são corpos,
apenas carne, ossos, e desejos, e dos tais beijos, desisto, perco-me,
subo e subo e subo... até abraçar o teu corpo infinito enrolado em
rectas paralelas e círculos de luz, tenho olhos verdes, e tu
dizes-me que sou tímido, não sei, talvez, a primeira vez senti um
frio na espinha, quando percebi que o comboio vinha na minha
direcção, acordei repentinamente, interrompi o sonho, e até hoje,
procuro-o... apaixonei-me por ele, e pelas loucas locomotivas com
paragem em Cais do Sodré, um dia, eu, percebi que quase morrias nas
minhas mãos, apenas porque tinhas esquecido de encerrar os
cortinados de lona dentro do caixote de madeira, subo, subo até
dizer chega, por hoje, baste de sacrifícios, de loucuras, de tesões
sem palavras, nada
Entre nós,
o mundo acabou?
E sempre me respondeste que o mundo não acaba,
nunca, eterno, efémero, como as gargantas dos espelhos saltitando
das roseiras metáforas que a tua boca transpira,
acabou, terminaram as filmagens das últimas cenas,
o eterno fim quando lá do cimo, víamos, abraçados, mão com mão,
lábio com lábio, o recomeçar de um novo mundo, novas carruagens,
novos viajantes, estes, sem bagagem, sem papeis de parede nos
quartos, e que melhor quarto para dois, três ou... quatro, amantes,
do que uma parede em gesso forrada com frestas, um crucifixo sobre a
cabeceira, duas almofadas perfumadas com picos de bafio e hálito a
teia de aranha, a chuinga colada sobre a mesa-de-cabeceira, e os teus
gemidos travestidos de noite
Vagueando eu,
sobre os jardins inconsolado da marginal, sóbrios,
eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua
pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um
dia, ser também como tu,
Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...
vagabundo tu,
O mundo acabou?
eu, débil e triste, a tua partida em partida, os
pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e
imaginando, um dia, ser também como tu, uma mala de viagem dançando
de mão em mão, dormindo de quarto em quarto, não ter dono, não
ser de ninguém, caminhar e subir, caminhar e subir, e subir... e
caminhar sobre as tuas nádegas de areia,
O mundo acabou? Filho da noite, sou, comíamos,
bebíamos...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
segunda-feira, 13 de maio de 2013
a luminosidade eira dos sonhos
foto: A&M ART and Photos
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uníamos-nos como silêncios rochedos
que o mar absorvia
e de uma pequena palavra escrita tua
mão docemente desabitada
tínhamos uma janela quando a
abríamos-la e poisávamos-nos como ramos de oliveira
numa orgia manhã magoada no fundo de
um poço
um efémero buraco com triângulos
lábios
e de uma pequena... conversa de criança
a palavra descrita quando o corpo
evapora-se e acompanha a manhã
hoje é segunda-feira e tudo desaparece
conforme a luminosidade eira dos sonhos...
uníamos-nos como silêncios,
em prata folhas alimentadas por sombras
de alecrim
abríamos-la com os pequenos sorrisos
dos aleijados desenhos
que eu sem jeito nem perfeito
deixei cair nas escadas do ausentado
mestre da solidão canina
parecíamos uns velhos alicates
enferrujados
esquecidos à porta de uma velha tasca
na cidade grande com ruas estreitas e
muitas janelas de tecido...
e sabíamos que era noite pelos uivos
apitos dos marinheiros de palha.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
… significado, omitido, como todas as âncoras que ligam os corpos celestes ao fundo do oceano
foto: A&M ART and Photos
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Não sei se amanhã, cedo, recordarei os teus olhos
de hoje, amanhã, não sei, se recordarei, cedo, os lábios teus que
percorreram o meu corpo invisível, como uma cortina de fogo, dentro
de um copo com água, um cilindro, o cubo, não, sei talvez que não
recordarei, porque não sei o significado de recordação, perdi o
sentido de navegação, e hoje, como ontem, sou um pedaço de madeira
desgovernada sobre os teus ombros penumbrosos e frios que o Outono
provoca em ti com as canções de pequenos silêncios, sei, ou será
que me esqueci? Como seriam os teus lábios, de cedro, antes de
mergulharem em mim, coitado, um transeunte doente, e enfeitiçado,
mal-educado, ausentado
não
Cedo, amanhã, preguiçarei como um marinheiro à
procura de um corpo homem para poisar as desejosas insónias que
vivem nos homens com cheiro a oceano, o sal entrava em nós, e
vivíamos como dois camarotes partilhados mutuamente como duas
pequenas divisões de uma casa flutuante, germinados, os nossos
corpos de vapor nas asas de uma triste gaivota, o covil como nunca o
tínhamos visto, não, sei se amanhã, cedo, alguma coisa em mim para
recordar, mas o quê, concretamente?
nuvens? pratos com sopa mais parecendo copos com
água? ou... as tuas mãos sobre mim, como uma caneta de tinta
permanente, sempre e sempre e nada, ausente de ti porque eu
desconhecia as cavernas que o medo provocava em nós, porque tu
sentias o meu peso como simples gramas de poeira depois de o vento
desaparecer entre candeeiro a petróleo e bananeiras de regresso a S.
Pedro do Sul, havia muitas, nas termas, uma fonte, circular, cheirava
a enxofre, borbulhavam pequenas partículas de sémen, e tu, sempre o
tu, sentíamos-nos felizes como dois pássaros voando entre
Carvalhais e Favarrel, e nunca vi as tuas mãos entranharem-se-lhes
no tronco resinoso do pequeno pinheiro manso da tapada do meu avô,
chegávamos lá, e sempre lá, ouvíamos os sussurros expeditos das
vozes enlatadas do atum e da sardinha, até que me pedias para um dia
Juras que um dia me recordarás?
até que... um dia desenhasse corações nas espigas
de milho, empoleiradas, todas elas, atulhadas, como homens e mulheres
entre quatro paredes, e
Não,
e cedo, amanhã, preguiçarei como um marinheiro à
procura de um corpo homem para poisar as desejosas insónias que
vivem nos homens com cheiro a oceano, o sal entrava em nós, e
vivíamos como dois camarotes partilhados mutuamente como duas
pequenas divisões de uma casa flutuante, germinados, os nossos
corpos de vapor nas asas de uma triste gaivota, e assi o desejavas
antes de eu nascer,
Talvez te recorde,
e o significado de recordação,
(talvez um dia consiga recordar-te, meu querido)
… significado, omitido, como todas as âncoras que
ligam os corpos celestes ao fundo do oceano, e pedras, e pedras
estranhas, fazem amor numa pequena rua no Paquistão...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
domingo, 12 de maio de 2013
Lâmina da paixão em lábios minguados
foto: A&M ART and Photos
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Uma fina lâmina de aço vive no meu
corpo
e voa dentro das minhas veias até
chegar ao coração
até... conseguir-lo transformar em
vitrina mecânica numa loja de conveniência
vivo dentro de ti sabendo que as tuas
tristes palavras
aquelas que tu não prenuncias
como eu me recuso a escrever quando
sinto-te presente na escuridão da noite
e oiço uma voz lânguida e trémula e
moribunda...
que a morte traz e semeia na tua velha
mão de centeio,
Uma mulata despede-se de mim sobre o
cais das merendas
e entre poucas palavras
e entre longos beijos
escrevo-lhe nos seios o poema de ti
sobre mim com alguns estilhaços de vidro
que alguém deixou adormecer sobre as
pálpebras do orgasmo eterno auspício do sossego...
e eu permaneço intacto como os
triângulos de tédio no jardim das orquídeas,
Vivo parecendo uma lâmina com
aparências
a uma outra que dentro de mim escreve
poemas no sangue de neblina
quando desce sobre os pequenos barcos
de papel
vivo acreditando que os meus voos
nocturnos sobre os cristais de iodo
servem-te de martírio consolo nas
tardes de domingo
sei
que uma fina lâmina de aço
mastiga-se na tua boca de lábios
minguados pela paixão do adeus...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Ele enlouquecido como o cio dentro dos peixes
foto: A&M ART and Photos
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Ler-me-ás?
pergunto-me quando acordo, pergunto-me quando
adormeço não dormindo, e percebendo que não te entendo, olho-vos
no espelho do extremo oriente, subo sobre a cama, e à minha frente
existe um velho guarda-fato, um espelho, engorda-me, dilacera-me e
dizes-me que ontem havia um beijo suspenso na almofada que habita no
cadeirão junto à estante dos velhos livros, cada um, uma personagem
dentro dele, cada um, uma história cansada, velha, e os dentes de
marfim do velhíssimo crocodilo em pau preto transportado do outro
continente, atravessou o oceano, e no interior de algumas bicuatas...
chegou intacto à mesa da sala de estar, anda por lá, deambulando
como morcegos enquanto a noite come os sonhos das crianças nascidas
em Angola, brinca, dorme, não consegue sonhar, e tantas vezes lhe
oiço as palavras – O menino dá, mamã, o menino dá... - e as
bolachas, aos pouco, entravam boca adentro com a ajuda de uma
esferográfica, e quando acordávamos, ambos, via-mos nas paredes da
sala as inscrições hieroglíficas que o tal menino tinha deixado,
Estupor, estrupício, e malandreco,
ler-me-ás? E quando acordávamos, ambos, a
insignificante questão, olhava-te, e lia-te as poucas palavras que
os teus olhos de cereja transpiravam, e perguntava-me
Ler-me-ás? Absorviam-nos as noites mal iluminadas,
não dormíamos, não, e tínhamos medo das recordações também,
elas, como as bicuatas, pequenas, tão pequenas que mal davam para
encher um pequeno caixote de madeira, e tudo, em nós, pequeno,
pequeno amor, pequenas palavras, e grandes dores, em pequenos peitos,
com pequenos corações... ainda acreditas que o bicho consegue-se
libertar das bolachas?
o miúdo crescido, enorme, não pequeno, vês? O
miúdo atrofiado, chato, indigente, e insignificante como as pedras
da calçada da Ajuda, não ajuda nada recordares-me que debaixo do
rio havia garrafas de vodka estacionadas, sumo de laranja e gelo, por
cima de nós, no andar superior, uma ponte em aço atravessava-nos, e
como uma espada de areia, unia-nos os corpos separados anteriormente
por uma onda gigante, tão gigante... que comeu metade da cidade e
dos sonhos, tão gigante que nos obrigou a escondermos-nos debaixo do
rio, entre garrafas e cadeiras em plástico, mesas também em
plástico, e às vezes, tímidas, tremiam, dançavam como línguas de
vento sobre a fogueira do desejo
Estupor, estrupício, e malandreco,
o corpo do texto, ele enlouquecido como o cio dentro
dos peixes, “Liberation Serif” e de tamanho doze, o aquário de
ti sobre o meu corpo ancorado ao travesseiro adormecido era
literalmente içado pelo guindaste em desassossego que brincava,
domingos à tarde, pelo desterro do abrigo a que chamavam de porto de
mar, desembarcávamos depois de longas caminhadas e à nossa volta
Machimbombos em rotações milimétricas pelas mãos
do avô Domingos, um pequenos cordel de fino cristal voava sobre as
mangueiras despidas, sombreando-se-lhes pequenas cristas de galo
desenhadas com os lápis de cor que alguém tinha adquirido numa
superfície comercial num qualquer musseque da preferia da cidade,
era noite, descia-nos como desejos esperando corpos nus, e o velho,
cansado, entrava em casa como um petroleiro a entrar na barra e a
fazer-se ao cais,
e umas das vezes foi estampou-se contra um dos
candeeiros semeados no centro do passeio revestido com pequenas
pedras e palavras...
Ler-me-ás?
claro que não...
(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha
Existes não existes e insistes
foto: A&M ART and Photos
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Existes
porque eu desejo que existas
em mim
dentro do meu peito
Existes
até me apetecer que existas
como as árvores do quintal de Luanda
existirão elas ainda?
existes eu sei que existes
até eu o desejar
que existas
inventando-te para me abraçar
quando a manhã se transforma em
silêncio...
existes
mas... e existirás até eu me cansar
que existas...?
Existes e insistes existir
e oiço o longínquo emagrecer das
pontes de aço
existirás amanhã e depois de amanhã?
não o sei... mas existes
porque o desejo que existas
assim... fictícia e invisível como as
nuvens nocturnas
que poisam nos teus cabelos
domesticados pelas pombas do rio apaixonado
existes não existes porque então
insistes existir dentro de mim...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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