foto: A&M ART and Photos
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Não sei se amanhã, cedo, recordarei os teus olhos
de hoje, amanhã, não sei, se recordarei, cedo, os lábios teus que
percorreram o meu corpo invisível, como uma cortina de fogo, dentro
de um copo com água, um cilindro, o cubo, não, sei talvez que não
recordarei, porque não sei o significado de recordação, perdi o
sentido de navegação, e hoje, como ontem, sou um pedaço de madeira
desgovernada sobre os teus ombros penumbrosos e frios que o Outono
provoca em ti com as canções de pequenos silêncios, sei, ou será
que me esqueci? Como seriam os teus lábios, de cedro, antes de
mergulharem em mim, coitado, um transeunte doente, e enfeitiçado,
mal-educado, ausentado
não
Cedo, amanhã, preguiçarei como um marinheiro à
procura de um corpo homem para poisar as desejosas insónias que
vivem nos homens com cheiro a oceano, o sal entrava em nós, e
vivíamos como dois camarotes partilhados mutuamente como duas
pequenas divisões de uma casa flutuante, germinados, os nossos
corpos de vapor nas asas de uma triste gaivota, o covil como nunca o
tínhamos visto, não, sei se amanhã, cedo, alguma coisa em mim para
recordar, mas o quê, concretamente?
nuvens? pratos com sopa mais parecendo copos com
água? ou... as tuas mãos sobre mim, como uma caneta de tinta
permanente, sempre e sempre e nada, ausente de ti porque eu
desconhecia as cavernas que o medo provocava em nós, porque tu
sentias o meu peso como simples gramas de poeira depois de o vento
desaparecer entre candeeiro a petróleo e bananeiras de regresso a S.
Pedro do Sul, havia muitas, nas termas, uma fonte, circular, cheirava
a enxofre, borbulhavam pequenas partículas de sémen, e tu, sempre o
tu, sentíamos-nos felizes como dois pássaros voando entre
Carvalhais e Favarrel, e nunca vi as tuas mãos entranharem-se-lhes
no tronco resinoso do pequeno pinheiro manso da tapada do meu avô,
chegávamos lá, e sempre lá, ouvíamos os sussurros expeditos das
vozes enlatadas do atum e da sardinha, até que me pedias para um dia
Juras que um dia me recordarás?
até que... um dia desenhasse corações nas espigas
de milho, empoleiradas, todas elas, atulhadas, como homens e mulheres
entre quatro paredes, e
Não,
e cedo, amanhã, preguiçarei como um marinheiro à
procura de um corpo homem para poisar as desejosas insónias que
vivem nos homens com cheiro a oceano, o sal entrava em nós, e
vivíamos como dois camarotes partilhados mutuamente como duas
pequenas divisões de uma casa flutuante, germinados, os nossos
corpos de vapor nas asas de uma triste gaivota, e assi o desejavas
antes de eu nascer,
Talvez te recorde,
e o significado de recordação,
(talvez um dia consiga recordar-te, meu querido)
… significado, omitido, como todas as âncoras que
ligam os corpos celestes ao fundo do oceano, e pedras, e pedras
estranhas, fazem amor numa pequena rua no Paquistão...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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