Caem sobre mim as faúlhas
da madrugada
Canfora manhã adormecida
Caem sobre mim as espadas
afiadas da solidão…
Enquanto a dor se veste
de alegria
Esqueleto desventrado
Bebo o cálice do veneno
Bebo as lágrimas da
existência
E estar vivo… parece uma
cansada tarde junto ao rio
Oiço-te entre pedaços de
néon
E avenidas sem nome
Avenidas da minha
infância
Que apenas dormiam na
minha mão
Caem sobre mim as metáforas
do texto não escrito
Nas imagens de um negro
quadro
Pincelado de tristeza
E oiço os gritos da morte
E oiço os gritos de
alegria da morte
Tão feliz… que ela é
Veste-se de cinzento
E faz-se passear de
limousine encarnada
Veado selvagem
Pedacinho de mar
Das esplanadas em luar
E volto a ouvir a voz do
silêncio
E volto a ouvir a voz
rouca da escuridão
A noite traz os
petroleiros da insónia
A noite traz nas mãos os
incêndios nocturnos de uma alma embriagada…
E depois
E depois poisa em mim a
nuvem doente
Das metástases que apenas
um corpo invisível compreende
E felizes aqueles que
transportam em si
As metástases do
sofrimento
Quando esperam no
corredor
O regresso da esperança
de voarem
Na esperança de uma
leveza indefinida
Indiferente à vida
Indiferente à dor
Caem sobre mim as faúlhas
da madrugada
Canfora manhã adormecida
Quando dos lábios da
alvorada
Vêm a mim as árvores
acorrentadas
Os pássaros voam sem
perceberem que lá fora
Uma menina
Come os chocolates da
inocência
E eu
Aprisionado nuns calções
Procuro as primeiras lágrimas
da manhã
Que habitam junto ao
capim
Abro a janela
Vou à janela
Puxo de um cigarro…
E lanço-me em busca do
espelho onde me escondi em criança
E estatelo-me no chão
frio da infância
Um triciclo com assento
em madeira… entre lágrimas e suspiros
E eu acreditando que um
dia
Um dia…
Qualquer dia
No outro dia
Hoje
Amanhã… o sofrimento se transformará
em silêncio.
Alijó, 24/03/2023
Francisco