sábado, 25 de março de 2023

Primavera

 São os teus olhos, meu amor,

As amêndoas da Primavera,

São os teus olhos, meu amor,

As lágrimas do mar,

 

São os teus olhos, meu amor,

As estrelas que a noite lança sobre o luar,

São os teus olhos, meu amor,

O Sol das manhãs de Inverno,

 

São os teus olhos, meu amor,

As palavras que semeio nas noites de insónia…

São os teus olhos, meu amor,

Meu amor dos teus olhos,

 

São os teus olhos, meu amor,

As flores do meu jardim,

Do meu jardim, meu amor,

Os teus olhos…

 

 

 

Alijó, 25/03/2023

Francisco Luís Fontinha

Em flor

 Mil silêncios

Mil pecados desta morte anunciada

Mil pedaços de nada

Entre mil sombras semeadas,

 

Mil desejos

E outros tantos sonhos

Mil desencantos…

Nos mil e um apedrejamentos,

 

Mil silêncios

Nestes braços cansados

Mil madrugadas…

Nos mil corpos assassinados,

 

Mil dias em solidão

Dos mil e um momentos de dor…

Mil tombos no chão

No chão em flor.

 

 

 

Alijó, 25/03/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 24 de março de 2023

Esta estrada

 Esta estrada

Uma linha curvilínea suspensa no espaço

Onde caminho

Caminho…

E sei que não me levará a sítio algum,

 

(e como a maioria das estradas

Não nos levam a sítio algum)

 

Esta estrada

De curvas e subidas ingremes

Sempre abraçada a um Deus arrogante

A um Deus impiedoso

Esta estrada,

 

Onde caminho

Onde estou

Onde morrerei como uma serpente

Bebendo o veneno

Em pequenos tragos,

 

Esta estrada

Abraçada a outra estrada

Sem estrada

Na minha infeliz estrada

De ter uma estrada…

 

 

 

Alijó, 24/03/2023

Francisco

As faúlhas da madrugada

 Caem sobre mim as faúlhas da madrugada

Canfora manhã adormecida

Caem sobre mim as espadas afiadas da solidão…

Enquanto a dor se veste de alegria

 

Esqueleto desventrado

Bebo o cálice do veneno

Bebo as lágrimas da existência

E estar vivo… parece uma cansada tarde junto ao rio

 

Oiço-te entre pedaços de néon

E avenidas sem nome

Avenidas da minha infância

Que apenas dormiam na minha mão

 

Caem sobre mim as metáforas do texto não escrito

Nas imagens de um negro quadro

Pincelado de tristeza

E oiço os gritos da morte

 

E oiço os gritos de alegria da morte

Tão feliz… que ela é

Veste-se de cinzento

E faz-se passear de limousine encarnada

 

Veado selvagem

Pedacinho de mar

Das esplanadas em luar

E volto a ouvir a voz do silêncio

 

E volto a ouvir a voz rouca da escuridão

A noite traz os petroleiros da insónia

A noite traz nas mãos os incêndios nocturnos de uma alma embriagada…

E depois

 

E depois poisa em mim a nuvem doente

Das metástases que apenas um corpo invisível compreende

E felizes aqueles que transportam em si

As metástases do sofrimento

 

Quando esperam no corredor

O regresso da esperança de voarem

Na esperança de uma leveza indefinida

Indiferente à vida

 

Indiferente à dor

Caem sobre mim as faúlhas da madrugada

Canfora manhã adormecida

Quando dos lábios da alvorada

 

Vêm a mim as árvores acorrentadas

Os pássaros voam sem perceberem que lá fora

Uma menina

Come os chocolates da inocência

 

E eu

Aprisionado nuns calções

Procuro as primeiras lágrimas da manhã

Que habitam junto ao capim

 

Abro a janela

Vou à janela

Puxo de um cigarro…

E lanço-me em busca do espelho onde me escondi em criança

 

E estatelo-me no chão frio da infância

Um triciclo com assento em madeira… entre lágrimas e suspiros

E eu acreditando que um dia

Um dia…

 

Qualquer dia

No outro dia

Hoje

Amanhã… o sofrimento se transformará em silêncio.

 

 

 

Alijó, 24/03/2023

Francisco

Meia dúzia de retractos

 Enquanto escrevo, morro, enquanto escrevo, suicido-me na tristeza do poema, enforco-me na agonia de uma tela sem nome, suspensa numa manhã junto ao Tejo, do rio, vêm a mim os tristes cacilheiros, que entre viagens, me trazem o silêncio da despedida,

E despeço-me sem ter de quem me despedir, apenas me restam meia dúzia de retractos, meia dúzia de sombras…

E muitas dúzias de sonhos; morram todos os sonhos.

Morram todos os sonhos e todos os sonhadores e todos os poetas e todos os pássaros… e que morram também todas as noites com luar.

E já agora, que morram todos os cacilheiros e todos os barcos da minha infância.

Puxo do último cigarro. O veneno que me mantêm vivo e de boa saúde…

Inesperadamente, começo a odiar todos aqueles que morreram e que amei. Inesperadamente, começo a odiar-me, começo a odiar as minhas palavras, os meus desenhos… e todos os meus sonhos.

Enquanto escrevo, morro.

Suicido-me na tristeza do poema, enforco-me na agonia de uma tela sem nome como todas as minhas telas, sem nome.

De que serve um nome?

 

 

 

Alijó, 24/03/2023

Francisco

quinta-feira, 23 de março de 2023

Dos teus lábios a noite insipida

 Amo-te

Dos versos suspensos na madrugada

Das palavras semeadas no vento…

Amo-te

Pedacinho de flor

Que no meu jardim em poema

Cresce e brinca

Como uma criança mimada,

 

Amo-te

Do luar pincelado no teu olhar

Estrela cintilante

Amo-te

Enquanto a terra não se cansa de girar…

E Deus…

Em mim…

Sempre ausente,

 

Amo-te

Menina do mar

Canção embriagada

Amo-te…

Noite insipida

Que nos meus lábios dança

E dos teus lábios…

Encanta.

 

 

 

Alijó, 23/03/2023

Francisco Luís Fontinha

Abraço

 Abraça-me, meu pedacinho de mar,

Abraça-me enquanto respiro,

Enquanto pinto no teu olhar

As noites de insónia,

Abraça-me, meu pedacinho de mel…

Enquanto nas minhas mãos brincam as flores

E os pássaros de sonhar,

Abraça-me…

Abraça-me…

Enquanto a noite tem luar,

Enquanto a noite não me assassina

Com os sonhos de um cadáver sonolento,

E nunca te esqueças de guardar…

Junto ao peito,

O meu retracto…

Nem o silêncio do vento.

 

 

Alijó, 23/03/2023

Francisco Luís Fontinha