sexta-feira, 24 de março de 2023

As faúlhas da madrugada

 Caem sobre mim as faúlhas da madrugada

Canfora manhã adormecida

Caem sobre mim as espadas afiadas da solidão…

Enquanto a dor se veste de alegria

 

Esqueleto desventrado

Bebo o cálice do veneno

Bebo as lágrimas da existência

E estar vivo… parece uma cansada tarde junto ao rio

 

Oiço-te entre pedaços de néon

E avenidas sem nome

Avenidas da minha infância

Que apenas dormiam na minha mão

 

Caem sobre mim as metáforas do texto não escrito

Nas imagens de um negro quadro

Pincelado de tristeza

E oiço os gritos da morte

 

E oiço os gritos de alegria da morte

Tão feliz… que ela é

Veste-se de cinzento

E faz-se passear de limousine encarnada

 

Veado selvagem

Pedacinho de mar

Das esplanadas em luar

E volto a ouvir a voz do silêncio

 

E volto a ouvir a voz rouca da escuridão

A noite traz os petroleiros da insónia

A noite traz nas mãos os incêndios nocturnos de uma alma embriagada…

E depois

 

E depois poisa em mim a nuvem doente

Das metástases que apenas um corpo invisível compreende

E felizes aqueles que transportam em si

As metástases do sofrimento

 

Quando esperam no corredor

O regresso da esperança de voarem

Na esperança de uma leveza indefinida

Indiferente à vida

 

Indiferente à dor

Caem sobre mim as faúlhas da madrugada

Canfora manhã adormecida

Quando dos lábios da alvorada

 

Vêm a mim as árvores acorrentadas

Os pássaros voam sem perceberem que lá fora

Uma menina

Come os chocolates da inocência

 

E eu

Aprisionado nuns calções

Procuro as primeiras lágrimas da manhã

Que habitam junto ao capim

 

Abro a janela

Vou à janela

Puxo de um cigarro…

E lanço-me em busca do espelho onde me escondi em criança

 

E estatelo-me no chão frio da infância

Um triciclo com assento em madeira… entre lágrimas e suspiros

E eu acreditando que um dia

Um dia…

 

Qualquer dia

No outro dia

Hoje

Amanhã… o sofrimento se transformará em silêncio.

 

 

 

Alijó, 24/03/2023

Francisco

Sem comentários:

Enviar um comentário