Quanto às rabanadas do teu olhar,
Dispenso-as,
Não gosto muito de
rabanadas,
E detesto o Natal,
Verdade que não se comem
rabanadas apenas no Natal,
Mas não gosto muito de
rabanadas,
Mas gosto muito do teu
olhar.
Alijó, 08/12/2022
Francisco
Quanto às rabanadas do teu olhar,
Dispenso-as,
Não gosto muito de
rabanadas,
E detesto o Natal,
Verdade que não se comem
rabanadas apenas no Natal,
Mas não gosto muito de
rabanadas,
Mas gosto muito do teu
olhar.
Alijó, 08/12/2022
Francisco
Onde está a paixão das estrelas;
As visíveis, as
invisíveis e as imaginárias?
Onde habita a noite,
A mesma noite que numa
triste noite,
Me prometeu o Luar de
sangue
E a corda invisível que
transporto ao pescoço…
Onde está o dia,
Onde estão as palavras,
Palavras que semeava
durante o dia,
E que hoje,
Só as consigo olhar à noite,
Onde está a paixão das
estrelas;
As visíveis, as
invisíveis e as imaginárias?
E as desenhadas?
E a noite?
Onde está a noite que me
abraçava…
Onde está a paixão das
estrelas;
As estrelas enamoradas?
Apaga a luz,
Deita a cabeça no meu
peito…
E vamos imaginar o mar,
Apaga a luz.
Alijó, 08/12/2022
Francisco Luís Fontinha
Às vezes
Pergunto-me quantos
pássaros estão poisados numa árvore
Depois
Pergunto-me quantas
folhas tem a árvore
Depois
E se a árvore não tiver
folhas
Mas com pássaros
E se a árvore não tiver
pássaros
Mas com folhas
E se a árvore estiver
deitada no chão
Enquanto dorme
Sem pássaros
Sem folhas
Com fome
Sem sono
E se a árvore beber
E fumar
E se a árvore tiver
insónia
E passar a noite a olhar
as estrelas
Estrarei feliz por esta
árvore
Que eu olho
Que me olha
Ter pássaros
Ter folhas
Chorar de noite
Rir
E inventar o medo nas
traseiras de um barco
E se o meu jardim não
tiver árvores
Mas apenas sombras do tamanho
do Universo
E se o meu jardim não
tiver barcos
Beijos
Tristes beijos
Silêncios
E tristes silêncios
Sombras infinitas
Rectas
Retractos
Espuma
Círculos
Quadrados
Fios e pequenos silêncios
de luz
Sémen
Às vezes
Pergunto-me quantos
pássaros estão poisados numa árvore
Que eu olho
Que me olha
Depois
Penso em desistir de
sonhar
De fumar
Penso em deixar de olhar
as árvores
Os pássaros
As árvores e os pássaros
As folhas e as árvores
E as folhas das árvores
E as árvores dos pássaros
E o raio das folhas dos
pássaros
Que ainda não sabem onde
se escondem os pássaros das folhas
Acendo o último cigarro
Invento o sono nas
frestas que a noite me vai trazer
Espero que morra a lareia
E que o meu copo de
uísque se suicide no meu peito
E seria a primeira vez
que um copo de uísque se suicidava sobre o meu peito
Às vezes
Pergunto-me quantos
pássaros estão poisados numa árvore
Que eu olho
Que me olha
A quem escrevo
Que me escreve
E lançam sobre mim todas
as sombras do tamanho do Universo
E estes pássaros são em
papel
Muitas cores
Muitos tamanhos
Em cruz
Vertical
Longitudinal
Em círculo
Em pequeninos círculos
Nos lábios
Dos lábios
E as árvores
E os pássaros
E as folhas
E as árvores sem folhas
E as árvores sem pássaros
E os pássaros sós
E tudo isto antes de eu adormecer
Antes de eu morrer…
Alijó, 07/12/2022
Francisco Luís Fontinha
Vou abrir todas as cancelas da noite
As visíveis e as
invisíveis
Acendo o luar
E ligo a telefonia
Vou à janela
Abro-a
Puxo de um cigarro
Acendo-o
Estendo o braço
Abro a mão e pego o
primeiro pingo de chuva
Fecho a mão
Encosto-a ao peito
Depois
Beijo o primeiro pingo de
chuva
E chamo o mar
Enquanto o mar não vem a
mim
Sento-me e espero
E o mar começa a entrar no
meu corpo como um rio selvagem
Abraço-o cuidadosamente
para não o magoar
E segredo-lhe baixinho ao
ouvido
- Vem a mim
Depois vieram os barcos
E todos os peixes
E os barcos trouxeram as
nuvens
E os peixes trouxeram a
alegria
E as nuvens trouxeram as
estrelas
Ao fundo da rua
Um transeunte
Olha-me
Eu olho-o
Eu ignoro-o
Depois
Ele ignora-me
Entre nós
Nem palavras
Nem das palavras
Apenas as sombras das
palavras
Vem a mim
Traz as lanternas que
alimentam o sono
E ensina-me a desenhar círculos
de luz
Nas janelas da alvorada
E imagina quantos
silêncios de pedra
Tem esta alvorada
Abre os olhos e planta as
flores no meu peito
Depois
Traz as enxadas com que
vamos capinar
Todo o capim das planícies
Onde às vezes
Deitas a cabeça e
soletras o meu nome
Pego nos círculos de luz
que me ensinaste a desenhar
E coloco-os nas vidraças
da janela
Escrevo o teu nome
E o teu nome
Cresce na lareira
Enquanto o primeiro pingo
de chuva começa a voar
E condenado que está
Fica prisioneiro do teu
olhar.
Alijó, 07/12/2022
Francisco Luís Fontinha
Em minha casa
Suspenso na
parede da sala de jantar
Também existiu
um relógio de parede
Em muitas casas
Existe um
relógio suspenso na parede
Habituei-me a
ouvi-lo
Noite e dia
Dia e noite
A cada quinze
minutos
A lenga-lenga
(hino de nossa senhora de Fátima)
Morreu o meu pai
Ficou o relógio
E aos poucos
Sem percebermos
O dito foi
parando
Dava horas não
uniformes
Conforme lhe
dava corda para caminhar pela noite e parede
(ficou
rabugento, sonolento e muito parvo)
Depois
A minha mãe foi
embora
Deixei de dar corda
ao relógio
Hoje
Continua suspenso
na parede
Como se fosse
uma tela recheada de rabiscos
E agora dá-me
sempre o mesmo horário
Não tenho a
certeza de nada – mas sei que duas vezes por dia ele mostra-me as horas correctas.
Alijó,
07/12/2022
Francisco Luís
Fontinha
Sabes
Meu amor
Um dia morrerá a
árvore grande
O nosso
centenário plátano
Em seu lugar
Um dia
Será plantado um
call center
Provavelmente
Para venderem
garrafas de vinho
Ou bilhetes de
cruzeiro
Tínhamos a fogueira
de Natal
Não vamos ter
fogueira de Natal
Um dia
Meu amor
A nossa terra
A nossa querida
terra
Será apenas um couto
de caça.
Alijó,
07/12/2022
Francisco Luís
Fontinha
Sejamos francos
Quase tudo morre
Morrem as árvores e os
pássaros
E os filhos dos pássaros
E os filhos das árvores
Morrem os barcos
Os filhos dos barcos
E os passageiros dos
barcos
Morrem as estrelas
E um dia morrerá a Terra
e a Lua
Morre a noite
Quando acorda o dia
E morre o dia
Quando acorda a noite
Morrem os rios
E as montanhas
Morrem os corpos
E há corpos vivos que
estão mortos
Um dia morrerá o sol
E se a lua morrer
Não terás luar
E se o sol morrer
Não terás o pôr-do-sol
E o que te importa olhar
o mar
Se não há o pôr-do-sol?
Morrem as casas
As ruas e as cidades
Morrem os mendigos e a
pobreza
Quando morrem os pobres
Morreu o portão de
entrada
Do quintal de Luanda
Quando me sentava à
espera do avô Domingos
Depois de uma longa tarde
a passear os machimbombos com um cordel
Pelas ruas de Luanda
Morreram as mangueiras do
quintal
Morreram as mangas
Morreu o avô Domingos
E os machimbombos do avô
Domingos
Morreram os calções e as
sandálias
E o triciclo
Morreu o chapelhudo
Depois
Morreram os papagaios em
papel
E a construtora dos
papagaios em papel
Morreu a escola junto ao
jardim
(assassinada)
Morreu o antigo campo de
futebol
E que hoje é o mercado
Morreu o velho
Maximiniano
Que com um carro de mão
Transportava as bancas em
madeira para aluguer nos dias de feira
Morreu o Dispensário
A menina Maria e a Tuberculose
(felizmente que a tuberculose
morreu)
Morreram quase todos os
gajos
Que fumavam charros nas
escadas do Dispensário
Antes do avô Domingos
Morreu o avô Francisco
Depois a avó Valentina
A avó Silvina
O tio Augusto
Primos
Tios
Primos e tios e tias e primas
Morreram
Morreu o café Luso e a
cozinha do café Luso
E os charros que se
fumavam na cozinha do café Luso
E alguns dos gajos que formavam
charros na cozinha do café Luso
Morreu o primeiro Oásis e
hoje vendem lá comida de plástico
Morreu a peixaria que
habitava entre o Oásis e a Ribadouro
Morreu o café da Paz
E as janelas do café da
Paz
Morreram os amigos
Os que fumavam
Os que bebiam
Os que fumavam e bebiam
Os que nem fumavam nem
bebiam
Um dia
Começou a morrer o cabelo
do meu pai
Depois e aos poucos
Toda a parte direita da
cara e o couro cabeludo
Morriam
Caíam camo caem as folhas
no Outono
Por fim
Morreu o meu pai
Ao outro dia
Começou a morrer o cabelo
da minha mãe
(dona Arminda, quantos
cigarros fuma por dia? – nenhum, Doutora Luísa, nunca fumei!)
- O seu filho tem de
deixar de fumar
Não deixei
E também a minha mãe
Morreu
Morreu o barco que me
trouxe de Luanda
Morreu a carruagem da CP
que me trouxe de Lisboa para o Porto
E do Porto para o Pinhão
Morreu o carro que me
trouxe do Pinhão para Alijó
E o motorista do carro
que me trouxe do Pinhão para Alijó
Morre o silêncio
O beijo
Morrem os lábios onde
brincam os beijos
Morrem os olhos que nos
iluminam
E a luz que ofusca os
olhos
Morre a manhã
E o desejo da manhã
E a manhã em desejo
Morre o abraço
O uísque
E o bagaço
Morre a paixão
Morre o amor
O marido perde a companheira
A companheira perde o
amante
O filho perde o pai
O pai perde o filho
Tudo perde
Tudo morre
Morre a lareira quando
deixa de ter lenha
E morre a lenha
Quando a lareira acorda
de mau humor
- E a saudade, meu filho?
O que tem a saudade, mãe?
A saudade morre, mãe?
- A saudade, meu querido,
a saudade nunca morre
- E os poemas, meu filho?
O que têm os poemas, pai?
Os poemas morrem?
- Os poemas, meu querido,
os poemas nunca morrem
Morreu o banco de jardim
Que estava estacionado em
frente aos Correios
À noite
Sentava-se lá uma linda mulher
De livro na mão
Livro que eu já tinha
lido
E quando percebi
Já tinha a minha mão no
livro dela
E ela tinha a mão na
minha mão
Falávamos de literatura,
poesia, arte e música
Até que de madrugada
A mãe dela
Também já morta como o
banco de jardim
Vinha-a buscar
E eu furioso
Pronto a assassinar o
resto da noite
Para que brevemente fosse
dia
Durante a tarde
Escrevíamos em conjunto
poesia
Morreu o banco de jardim
Morreu a mãe da linda
mulher
A linda mulher não sei se
morreu
Mas o livro ainda deve
andar por qualquer uma das prateleiras da minha estante
Sejamos francos
Quase tudo morre.
Alijó, 06/12/2022
Francisco Luís Fontinha