terça-feira, 29 de novembro de 2022
A paixão – segundo o poeta enforcado
O tejo
Se Deus estivesse no meio
de nós, nunca tínhamos feito amor naquele silêncio que abraçava a noite, junto
ao Tejo.
Enquanto trocávamos
carícias na ardósia da insónia, sentia as tuas mãos em pequenas brincadeiras no
meu peito, mordias-me a orelha esquerda, como se eu fosse um pequeno poema em
construção sobre a maré que cobria os nossos sexos; e a paixão incendiou-nos,
que do teu corpo em gotículas de prazer, eu, eu ouvia o mar.
O circo
Tínhamos quinze anos e
querias que eu fugisse contigo e transformar-me em trapezista. Como seria feliz
hoje se fosse trapezista, em vez disso, preferi ser poeta; o enforcado.
Os barcos
Imagino-os deitados sobre
mim na cama dos sonhos, pegam na minha mão e levam-me em grandes caminhadas pela
cidade, junto ao mar.
Hoje, sou o comandante de
todos estes barcos em cartão, todos estes barcos que habitam dentro do meu
peito, e às vezes, durante a noite, oiço os apitos de todos os luares de
Luanda.
Como é bom, ter a vossa
mão, meus queridos!
Alijó, 29/11/2022
Francisco Luís Fontinha
Madrugada
Em cada
pedacinho de mel,
Há uma abelha
que sofre,
Uma abelha que
chora…
Que ama,
Em cada
pedacinho de mel,
Há uma abelha
que sonha,
E transporta na
mão
Um triste poema.
Em cada
pedacinho de mel,
Uma palavra;
madrugada.
Alijó,
29/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
Olhos de amar
Desenho-te neste
triangular silêncio
Que a luz
escreve no meu corpo
Oiço-te em
gemidos
Declamares os
meus poemas
E descanso no
teu sorriso.
Desenho-te sem
saber desenhar
E escrevo na tua
mão
Sem saber escrever
Mas invento o
vento
No teu saber.
Morro.
Cruzo os braços
dentro desta urna invisível
E das minhas
lágrimas
Em partida
Vêm a mim as
estrelas adormecidas.
E parte de mim
O rio onde me
afogo;
Tenho medo
Que a noite não
regresse mais
Aos meus lábios
insaciados na tempestade.
Desenho-te neste
quadro sem nome
Em fúria que
desce a montanha
Onde poiso as
cores do Outono
E uma ardósia de
sono
Prende-me aos
teus olhos de amar.
Alijó,
29/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
Recado
E se a noite te
procurar,
Aceita-a,
E não tenhas
medo de amar.
Alijó,
29/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
segunda-feira, 28 de novembro de 2022
Conversa com Deus
Nunca vi o mar.
Se eu pudesse, desenhava
o mar nos teus olhos, se eu pudesse, escrevia o poema nos teus lábios quando
nasce o Sol, depois, subia à montanha mais alta do planeta terra e conversava
com Deus; se eu pudesse conversar com ele, não lhe diria nada, como nada digo
com quem converso.
Mas reconheço que tenho
uma certa inquietação e digamos que…
Um desejo?
Não, minha querida, não.
Mas se eu pudesse,
perguntava-lhe onde estão todos os papagaios em papel que lancei, e hoje,
brincam juntamente com ele, no céu.
Mas reconheço que tenho
uma certa inquietação e digamos que…
Medo?
Não, minha querida, não,
Sabes, nunca tive medo.
Pela manhã pedíamos
uísque, torradas e cigarros, depois, levantávamos voo sobre a cidade e só
voltávamos quando sabíamos que todos os barcos que dormiam no Tejo já tinham
zarpado em direcção ao terceiro esquerdo da rua nas floreiras adormecidas;
subíamos as escadas, cambaleando no sono invisível da madrugada, abríamos a
porta de entrada, com acesso a uma pequena divisão onde adormeciam livros,
discos e sombras e fotografias, depois abríamos a janela e da rua chegavam a
nós todos os nomes que tinham passado pelos corpos que às vezes deixávamos
junto à esplanada, o Tejo, cansado da noite, deitava a cabeça nas minhas
pernas, declamava-lhe um poema e ficávamos assim, invisíveis, até que a noite
descia sobre nós – na algibeira, cinco cêntimos de euro.
As palavras que lançávamos
contra a parede que dava acesso à varanda, e sempre que acreditávamos que
tínhamos o Sol escondido no peito, depois de bateram contra a janela, acabavam por
regressar a nós.
E se podíamos deitar fora
todas as coisas possíveis e imaginárias, às palavras, nunca o conseguimos, até
que um dia, eu e o mar, começamos a lançar da varanda, papeis escritos e
rasurados, desenhos, riscos, diversa mobília e um par de calças; e não sabíamos
que a paixão tinha tomado conta das nossas mãos, e uma noite, percebi que tinha
a minha mão entrelaçada com a mão do mar.
Medo?
Não, minha querida, não,
Sabes, nunca tive medo.
Fiquei tão feliz, olhei-o
e pela primeira vez, beijei o mar.
Um desejo? E o Tejo?
Não, minha querida, não.
A alvorada trazia a nós
todas as canções que a noite semeava num qualquer bar, numa qualquer rua, junto
ao rio. Do meu mar, aquele que nunca tive a oportunidade de olhar, escrever ou
pintar, chegavam a mim todos os silêncios que um poeta medíocre como eu,
poderia ter.
E mesmo assim, quando me
faltavam as palavras, tocava-lhe nos seios, e já com as minhas mãos nas suas
coxas poéticas que apenas a noite consegue descrever (eu nunca serei capaz de o
fazer), deixava sobre a sua pele o mais belo poema de amor.
Acusaram de homem louco. Acusaram
o poeta de medíocre, e hoje vende versos ao domicílio com a promoção de leve dois
e pague um. E não é preciso adivinhar o resultado, quando ninguém consome
poesia nos dias de hoje; a fome.
O desejo invadia-nos
naquele apartamento e no terceiro esquerdo da rua nas floreiras adormecidas, eu
e o mar, escrevíamos no pôr-do-sol as lágrimas das manhãs que teimavam em regressar
sempre ao teu púbis, como se este, ao contrário das ruas e de todos os
esconderijos da cidade, fosse o único lugar do planeta terra onde poderia
encontrar Deus; e ele, nunca me quis ouvir.
Um desejo?
Não, minha querida, não.
E a paixão habita neles
como habitam em mim os papagaios que fazem companhia a Deus, nos céus de
Luanda.
Alijó, 28/11/2022
Francisco Luís Fontinha
(ficção)
Noite de luar
Não sei precisar
Quantos beijos posso
escrever
Em cada milímetro quadrado
da tua pele,
Tão pouco
Quantos poemas posso
desenhar
Em cada milímetro quadrado
da tua pele,
E se me perguntarem qual
a raiz quadrada
Do teu olhar,
Sei precisar;
Um milhão de estrelas em
desejo
E uma noite de luar.
Alijó, 28/11/2022
Francisco Luís Fontinha