domingo, 27 de outubro de 2019

Abstenção


Abstenho-me de sonhar.

Sinto no corpo o cansaço das armas proibidas.

Abstenho-me de sonhar,

Desenhar,

Escrever no sonho a madrugada de amar.

Pintar.

Mar.

Abstenho-me de sonhar.

O poeta das noites perdidas.

O astronauta das tardes prometidas,

Junto à ribeira,

Lá longe,

O apito do comboio em suicídio…

Apetece-me partir.

Fugir.

Escrever no teu olhar

As tardes passadas na eira.

Sem fronteira,

Caminho velozmente contra o vento,

Alguém, alguém mente,

E sofre,

As dores do sofrimento.

Abstenho-me de sonhar.

Escrever,

Desenhar.

Abstenho-me de pintar,

Quando uma gaivota poisa no teu silenciar….

E pela madrugada,

Sem o saberes, sem o quereres,

Uma nuvem começa a chorar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

27/10/2019

Censura



Este meu quadro; colagens de lábios, como podem verificar, foi confundido pelo Facebook como vaginas e foi bloqueado. Censurado. Vergonha.

 

 

Francisco Luís Fontinha


sábado, 26 de outubro de 2019

Medo


O medo.

Tenho medo do medo.

Tenho medo de voar sobre o medo,

Quando o medo,

Corre velozmente até à Foz.

Quando a Foz, com medo,

Esconde-se no medo da voz.

O medo.

O medo do medo, como eu, com medo, me escondo na noite com medo.

O medo das palavras.

O medo da ausência de que partiu com medo.

As palavras do medo, quando o livro do medo, fica poisado no medo da mesa-de-cabeceira.

E eu,

Com medo,

Brinco no medo da eira.

Ai o medo!

O medo de amar.

O medo do medo de não ser amado com medo.

O medo das flores,

As flores do medo,

Sós,

No jardim do medo.

O medo de caminhar,

O caminhar junto ao mar, com medo,

Com medo de zarpar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alij´p

26/10/2019

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

As estrelas


As estrelas, mãe!

As estrelas são tão lindas, belas,

Parecem os teus olhos sonolentos enquanto voavas sobre o infinito.

Uma gaivota poisa no teu sorriso de areia branca,

Finges que estás feliz…

Mas sei que tens medo, estás triste como as noites de Inverno.

As estrelas, mãe!

As estrelas habitam no teu cabelo, branco como a chuva,

Na limpidez do orvalho.

Amanhã, junto à noite, vem procurar-me…

Tanto para conversarmos.

Que deixei de escrever para guardar as palavras só para ti…

E tenho-as, aqui, na minha mão…

Que tantas vezes te afagou o cabelo.

Entre livros e desenhos,

Éramos felizes!

Como hoje.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

25/10/2019

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

As mandibulas nocturnas do silêncio


Escrevo saudade nas mandibulas nocturnas do silêncio.

Desenho o silêncio nas pálpebras da saudade.

Escrevo-te sabendo que não me vais ler mais.

Oiço a tua voz sofrida nas vidraças de Luanda.

O miúdo dos calções corria, sorria, com as tuas brincadeiras.

Levaste-me a ver o mar.

Levaste-me a ver os barcos.

Eu…

Sonhava um dia ser um dos paquetes fundeados no cacimbo.

Fazias-me papagaios em papel colorido.

Corríamos com um cordel na mão;

Ele subia, subia…

Perdendo-se nas nuvens do fim de tarde.

E hoje,

Tudo é recordação.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

21/10/2019

domingo, 20 de outubro de 2019

Corpo de geada


(para ti, meu amor)

 

 

Tenho na mão um punhado de areia.

Tenho dentro de mim uma jangada de saudade,

Que navega no teu peito, meu amor.

No silêncio uma camuflada veia,

Onde escrevi liberdade,

Das palavras lágrimas de uma flor.

Tenho no corpo a lápide, a estonteante dor.

Tenho na mão um punhado de areia.

Uma caravela indesejada,

Que vagueia…

E semeia,

No meu corpo a geada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/10/2019

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

A enxada da vida


Que te direi,

Se nada tenho para te dizer.

Que farei com estes livros,

Sós,

Abandonados…

Sonhei,

Uma noite,

Que os queimei.

E juntamente com eles, todos os meus fantasmas na fogueira.

Não.

Não chorei.

Nesta casa é expressamente proibido chorar.

Nesta casa é expressamente proibido falar em mar.

Porque esta casa é uma sombra esquecida na calçada.

Pedaços de alvenaria engripados,

Sempre em ternos espirros.

Que te direi,

Hoje,

Amanhã!

Porque amanhã,

Serei,

Um pedaço de xisto descendo socalcos até ao rio.

Amanhã serei barco, caravela… jangada.

Perdida,

Achada,

Na enxada da vida.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

18/10/2019