quinta-feira, 21 de abril de 2016

Cansaço de uma Primavera apaixonada


A voz silenciosa da montanha

Montanha envergonhada

No luar.

A voz alicerçada dos mártires que o vento leva

Leva o assobio melódico da Primavera apaixonada

Nos rochedos de chorar.

Cansada.

A voz esconde-se na planície do amanhecer

Amanhecer largando a esperança

Na cidade embriagada.

A voz do meu corpo camuflado pelas roseiras

Roseiras de rosas amarelas à nascença

A voz… a voz triste da alvorada.

Cansada.

A voz silenciosa da montanha

Montanha meu leito

Que regressa à noite a chorar.

A voz maltratada pela floração do meu jardim

Jardim onde habito sem jeito

E espero pelo mar.

Cansada.

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 21 de Abril de 2016

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Árovre “saudade”



Sou a árvore sem medo de acordar
Sou o fruto proibido em cada amanhecer
Sou o silêncio do teu olhar
Nos dias de envelhecer
Sou a árvore da alegria
E a sombra da melodia
Sou a árvore “saudade”
Para recordar este dia
E nunca esquecer
A mulher da minha vida…

Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 20 de Abril de 2016

terça-feira, 19 de abril de 2016

Sentido desespero


A ponte desesperada.

O silêncio amargurado das velhas esplanadas

Caindo do Céu como serpentes de aço

Voando sobre o cansaço

Das velhas madrugadas,

Morro de medo que apareça a tua mão no meu peito,

Fico sem jeito

E deixo de sentir a alvorada,

A ponte desesperada,

A ponte enigmática sobre o rio da solidão,

O peito na mão

Sem mão,

Esperada vaidade dos alicerces da cidade,

A ponte, desesperada; a infinita sombra do sufoco,

A chuva dos dias envergonhada pelas cintilações do medo,

E eu, e eu vou partir.

Vou deixar este caderno e esta esferográfica de carvão…

O meu testamento,

A minha vontade,

A garganta desafinada

Quando desce sobre mim a brisa do amanhecer,

Sinto o frio da saudade,

Sinto o calor do desejo

Na espuma dos dias ambíguos,

Ausentes de mim.

Atravesso o desassossego.

Morro enquanto lêem o poema da tristeza

Que atravessa a ponte

Dos transeuntes embriagados,

Sinto o fumo do teu corpo

Neste velho sótão sem nome,

Ao longe vejo a ponte desesperada,

E tal como eu, em frente ao espelho, também um desesperado apaixonado,

Um velho caixão de sombra

Descendo a calçada da morte,

Então a ponte está desesperada?

Ponte. O desespero da carnificina dos cadáveres cerâmicos,

Cacos, pedacinhos de algodão

Rompendo pelo sótão adentro.

A ponte desesperada,

O silêncio na ponte

Enquanto o meu corpo sente…

O desespero da ponte.

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 19 de Abril de 2016

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Retracto sem ninguém


Cai o sono sobre a alvorada; não tenho pressa de caminhar.

Imagino os ossos das tempestades invisíveis poisarem sobre os meus ombros enforcados no levante amanhecer, imagino a límpida água dos sonhos sobrevoando as minhas mãos,

Cai o sono e sou forçado a desistir.

Habita a paixão na adolescência dos cacos envergonhados,

Abraço-te, beijo-te, alimento-me da tua sombra que traz a noite das clarabóias de papel, um barco atravessa-me e tombo junto ao cais; a morte.

Os infelizes corações de prata encalhados nos rochedos da Aurora Boreal da loucura, o sino da aldeia encostado ao zimbo sombreado do sofrimento, tinhas-me medo, ausentavas-te do meu corpo como uma corda de nylon,

Cai o sono, levanta-se no horizonte uma fina película de dor, pertencias aos pássaros envenenados pelo luar,

E hoje és apenas um retracto sem ninguém.

É tarde, meu amor,

Hoje não andam machimbombos nas ruas da amargura,

O capim das palavras arde junto às cubatas recheadas de infortúnio,

Crianças enlameadas jogam ao futuro como se o futuro fosse um jogo, um desejo não concretizado, mesmo assim, morrem como pássaros no Inverno,

Cai a noite e o sono da noite,

Cai o sonho e o sonho da noite,

Cerro todas as janelas e portas, fico encurralado das tuas garras, lá fora, esperam-me os cartazes da revolta,

O destino meu não saber onde vou dormir hoje.

É tarde,

A lua parece um ponto esquecido no Céu,

Como todas as partes do meu corpo; ponto de luz esquecidos no Céu.

Cruzo os braços, socorro-me dos cigarros para alimentar o medo da tua ausência, mas não consigo sobreviver à chuva, ao vento…

Não te procuro mais neste aldeamento de porcelanas sem remorsos, não te procuro mais nesta leviana cidade de bares e ruelas sem nome,

É tarde, é tarde e nada tenho na algibeira.

Olho-me no espelho da poesia, pareço triste, pareço um pequeno farrapo em busca do fogo, uma faca atravessa-me e sei que morre também em mim a poesia,

Sinto-o como se fosse hoje,

Sinto-o como se fosse agora,

Este cais de barcos enferrujados onde deixo ficar a minha pobre algibeira, fumo os cigarros da noite enquanto lá dentro bebem, comem…

E eu, e eu fumo o último cigarro do poema,

Há marés de vidro que cortam os meus pulsos,

O sangue jorra como se fosse o rio das palavras enlatadas pela insónia,

Há marés de vidro no meu coração,

Há marés de vidro no meu olhar,

Que me cega, que me faz ausentar de ti…

É tarde, meu amor, e amanhã não te procurarei mais, nunca mais.

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 18 de Abril de 2016

domingo, 17 de abril de 2016

O barco que fode o rio

Acordou a manhã, o sifilítico cansaço da espera regressa após vinte e quatro horas de ausência, termina o tempo, ao revés do dia traz a noite os conflitos do dia, a paixão amargurada quando o papagaio de papel sobe e perde-se no Céu, o orvalho dentro de mim em pequenos salpicos de sangue, tenho pena do Ricardo, tenho pena da Madalena, e o sangue
Hoje vi-te pela primeira vez, tinhas no olhar o mel da madrugada, tinhas nas olheiras o rio da paixão, quando a noite geométrica de um cardo dorme, senta-se sobre o tapete do silêncio, a noite habitada pelos fios de nylon das pirâmides de vidro, tinhas fome, escondias-te num verso envenenado pelo cio, engatava-te como se engatam gajos em Belém, não faz mal, o tempo há-de dar-me razão, um dia, quando partires para as borboletas em flor, não havendo outro, vou eu, velho, submerso em ossos perfumados das sílabas de papel, não faz mal, não importa, e o sangue,
E o sangue rebelde nas veias de um covarde, o doente malcriado, sonâmbulo e indisponível das auroras assustadas, Ricardo e Madalena
Amanhã, meus queridos, amanhã,
E Ricardo e Madalena enjoados pelas umbreiras da loucura, a casa parecia uma espelunca recheada de rochedos, o sono, o lixo espalhado por cada milímetro quadrado, em esquadria, ele mentia
Está tudo bem meu amor, está tudo bem,
E ele mentia, não estava nada tudo bem, não havia locomotivas com sabor a Primavera, e ele, lá longe, entre gemidos,
Madalenaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Lindíssima,
O era, confesso que nunca mais abri a porta de entrada, a sala sempre escura, negra, vazia, e o escuro sentado no sofá da inocência,
Dormes?
Acordou a manhã, a alegria do nascer do dia, o rosto inclinado do homem do terceiro esquerdo, os gemidos de Madanela, UIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII, ao fundo o rio, o Tejo entre os parêntesis da meninice dela, os lábios, o engate junto ao copo de uísque, já está, esfregava ele as mãos,
Tenho medo, confesso que nunca tive jeito para a escrita, não gosto de escrever, ler, gosto é de brincar num jardim junto ao rio,
Dormes?
Claro, acordou o dia, madrugada provisória numa greve de fome, tenho fome, abraço-te e beijo-te, levo-te para o quarto, encostas a cabeça ao meu peito e choras, recordas as manhãs numa qualquer rua da cidade entre bebidas baratas e quartos de esconderijo, claro que este corpo pertence-te, sempre te pertenceu, mas não gosto dele, mas não tenho braços para arcar com tanta dignidade, sobre a cama, ele parecia uma árvore em poiso, sobre a cidade, o rio, o barco que fode o rio, e o rio que mata o amor da minha vida?
Lindíssima.
 
 
Francisco Luís Fontinha
Domingo, 17 de Abril de 2016

sábado, 16 de abril de 2016

Túbia


túbia dos lábios em cromados beijos

a fúria da tempestade alimentando o desejo

que se perde num olhar

não vejo o silêncio

não sinto o mar,

túbia do cansaço alicerçado à escuridão

um simples gesto

um simples poema

túbia do deserto quando a noite morta

invade a solidão dos musseques floridos

túbia da morte em circunferências loucas

finge-se a sorte

das planícies do medo

arrebata-se a sombra sobre os cadáveres do degredo

entre rochedos

e penedos

que apenas a ondulação da insónia sabe abraçar,

túbia meu do alimento proibido

que travestido de Inverno viaja de cidade em cidade

túbia sentido as pálpebras quebradas

do triste sino

das lamentáveis madrugadas.

 

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 16 de Abril de 2016

sexta-feira, 15 de abril de 2016

A morte de um esqueleto


Tenho medo. A noite traz os esqueletos da insónia, perfilam-se em frente ao meu quarto, e sei que brevemente haverá uma revolta.

Tenho medo,

À minha volta brincam as flores da Primavera, loucas, loucas como as serpentes bronzeadas dos dias sem escrever,

Das palavras, o silêncio da madrugada que acorda embriagada,

Tonta, alimenta-se das minhas mãos como se alimentam os pássaros dos meus sonhos, medo, tenho medo.

Tenho medo da noite,

Do sifilítico cansaço da espuma do mar,

Dos barcos encalhados junto aos esqueletos, em frente ao meu quarto,

Fujo deste esconderijo,

Fujo desta cidade amaldiçoada pelo vento…

Medo.

Sinto o peso do xisto sobre os meus ombros,

E o bolorento desejo guardado na minha algibeira,

Tenho medo,

Sim,

Sinto a maldição das Calçadas que dormem no rio,

Sim,

Sinto a solidão das manhãs a olhar para o infinito, assim, assim como olham os esqueletos em frente ao meu quarto,

O peso da lua,

O peso do medo abraçado à lua,

Do medo,

Hoje, hoje acordei desconectado das sílabas do prazer,

As flores do meu jardim, tristes,

As bananeiras do meu jardim, contentes,

E os esqueletos que habitam em frente ao meu quarto…

Ausentes,

Diminutos segundos de lentidão,

O medo.

Sinto.

A lentidão dos ossos dos esqueletos em frente ao meu quarto, homens, mulheres, crianças, plantas e alguns animais de estimação,

Um cartão de cidadão grita,

Zurra,

Pimba…

E morre de overdose,

Sei que sim,

Sei que este medo pertence à neblina da minha terra, sei que este medo pertence às desavenças cotidianas, embargadas sonolências das noites em papel,

O medo,

No medo,

Sinto.

Sinto a sombra do meu esqueleto de vidro,

Sinto a sombra do meu cabelo quando chove torrencialmente no meu olhar…

E regressa o medo,

A morte,

A morte de um esqueleto.

 

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 15 de Abril de 2016