O vigilante nocturno
olha-me e alicerça-se aos meus braços,
sinto-lhe o
esqueleto enferrujado a caminhar no meu peito,
ofegante,
alimenta-se dos meus
velhos ossos com odor a madrugada sem luar,
peço-lhe um
desejo...
e... e nada posso
desejar,
o vigilante nocturno
é como uma âncora de luz sobre as minhas pálpebras envergonhadas,
que as flores
seduz...
e aos jardins
oferece poemas,
e... e palavras de
amar,
o amor enfurece as
árvores sem folhas,
nuas como as
gaivotas ao entardecer...
Depois acorda o
silêncio vestido de cidade,
e eu sem saber o que
fazer,
os comboios saltitam
dentro dos carris desalinhados,
os comboios parecem
corpos a arder...
há cinzas laminadas
de sangue no sonífero poético,
alucinações
desorganizadas em grande multidão,
uns que choram,
e outros... e outros
que choram por prazer,
e sem perceberem...
há uma placa de
zinco onde habita uma ponte,
nunca conheci o seu
nome,
nunca vi um sorriso
nas suas treliças,
Têm fome as
estrelas de papel que brincam no tecto da minha aldeia,
lêem pedaços de
nada e alguns cubos de sombra,
escrevem na
incandescente memória o álcool sobejante da noite passada...
ressuscitam os
outros vigilantes e demais arruaceiros sem gabardina,
e o meu corpo de
aço... tomba sobre o ombro de um transeunte desconhecido,
a cidade é uma
seara sem espigueiros,
desalojadas enxadas
em luta conta a pobreza...
têm fome as
estrelas e os planetas,
mendigos travestis
correndo montanha abaixo,
e suicidam-se nos
rochedos da infância...
triste, triste esta
vontade de escrever...
sabendo que nem às
pedras pertenço!
Francisco Luís
Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 5 de
Novembro de 2014