segunda-feira, 16 de junho de 2014

Lanternas cinzentas


Há silêncios que lutam enquanto dormes, e sonhas,
há mãos que se cruzam, mãos que rezam...
há silêncios que tu não entendes,
palavras escritas na escuridão,
há silêncios que labutam, que gritam... que morrem...

Há cabelos que se despedem do amanhecer,
cabelos brancos, cabelos frágeis, e mãos que rezam,
há silêncios que não te esquecem,
que nunca te ignoram,
cabelos loucos, cabelos que namoram,

Há...
talvez...
um poemário à tua espera,

Há silêncios dentro do teu armário,
e crucifixos embrulhados em cinzentas pálpebras,
há as tuas palavras,
que acredito, não acredito...

Mas que tento acreditar!
Há luzes que brilham, luzes que são engolidas por embarcações enjoadas,
lágrimas, e tristes madrugadas,
poesia, poesia... nos teus cabelos suicidados...
há silêncios...

E... e adormecidos soldados.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 16 de Junho de 2014

domingo, 15 de junho de 2014

O vazio

foto de: Stéphane Spatafora Photographe

O vazio,
e falsas esperanças mergulhadas no buraco da solidão,
o vazio que se traveste de dor, o silêncio que embrulha o sofrimento,
este rio que são as tuas mãos, perdidas no musseque anónimo da paixão,
as crianças saltam até agarrarem as flores que habitam o tecto da noite,
vazio, sisudo... sentido proibido de amar,
o vazio imprevisto, descontínuo... o vazio agreste dos olhos da estátua de granito,
há sombras que embriagam os teus seios de porcelana e eles, eles a construir sorrisos desde...

(desde o último luar)

O amor,
também ele, vazio,
pobre,
ângulo obtuso quando alimentado pelo púbis da madrugada,

(hoje não corações, hoje não beijos – a esplanada recheada de vampiros)

O vazio,
homem rude, homem dos sete ofícios, o homem mendigo que descobriu a falsa esperança,
o fantasma,
o vazio dos telhados que a cidade ignora, despreza, que a cidade... não quer,

Que cidade é esta?

Vazia,
sem pessoas, sem imagens, sem..., sem nuvens,
o sombreiro carnívoro que devora todas as palavras que a tua pele transpira,
gotículas de poesia descendo o teu corpo, até que a falsa esperança ilumina o teu cabelo,
e sei que deixou de viver,
hoje... nada, a cidade provocadora, a cidade dos teus suspiros,
uma porta que se encerra, e morre, e levita,
a lanterna do Adeus, sempre acesa, sempre pronta a suicidar-te com os beijos de alvenaria cansada,

(hoje, hoje não)

Que cidade é esta?

(desde o último luar)

Que deixei de amar a espuma dos espelhos de amanhecer,
e sem o perceber,
descobri que a falsa esperança... que deixei de amar, não existe mais,
o vazio, o vazio corpo da sílaba encarnada...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Junho de 2014

sábado, 14 de junho de 2014

Gaivota “AMAR”

(para Oumara Moctar Bambino)


Não me encontro neste labirinto de palavras,
precisava de uma lanterna invisível, pequeníssima e frágil,
uma lanterna que me guiasse quando viajo nos olhos de gaivota “AMAR”,
perco-me, desejo-me e desejo-te, quando te transformas em mar, e eu,
e eu, eu me transformo em neblina sem som, em carcaça encalhada...
não me encontro, não, não existe no teu sorriso uma canção,
(oiço o Oumara Moctar Bambino)
(Feliz porque o oiço)

Não me encontro e perco-me nos teus lábios, meu Amor sonâmbulo,
sou um ponto algures no espaço, em rotação,
sei que das tuas lágrimas crescem gaivotas de “AMAR”,
gaivotas lindíssimas, gaivotas com sabor a mel,
gaivotas..., gaivotas de papel,
como silêncios embebidos nas nocturnas madrugadas sem nome,

Insignificantes, estes braços que te abraçam,
estes olhos que te absorvem como as tempestades de paixão,
sou quase engolido pelo teu coração,
feliz... feliz porque o oiço, porque... porque a música dele é poema vadio, é poema rebelde,
porque o oiço, porque a sua música me provoca uma translação,
e voo, e voo... até aos sonhos do Tejo,
não me encontro, não tenho medo das tuas coxas quando ele entra em nós, e somos dois pássaros em suspensão, brincando nos lençóis da tua pele, e voo...
até me cansar,
e voo... voo para te encontrar,
gaivota, minha gaivota de “AMAR”
minha gaivota com sabor a Aurora Boreal...
… minha gaivota irreal,

(oiço o Oumara Moctar Bambino)
(Feliz porque o oiço)

Não me encontro, e só te observo em sonho,
imagem transparente dos espelhos embriagados,
não, não me encontro, não... não no centro das palavras,
objectos, cacos, cacos e carcaças apodrecidas...
e esqueletos doirados das tardes intermináveis,
tardes em que o teu corpo era poesia...

POESIA NUA DESPIDA... POESIA, POESIA EM DESPEDIDA.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Junho de 2014

sexta-feira, 13 de junho de 2014

O esconderijo da Lua


Toco-te,
estilhaças-te como o espelho da velha cristaleira,
depois, depois entra o mar nas tuas veis de nylon,
toco-te, e finjo ser um barco esquecido nas tuas mãos,
em silêncio, em silêncio para que ninguém perceba que no meu corpo habitam porcelanas em cacos,
alguns sons metálicos, melódicos, alguns... alguns ciclónicos ventos,
perguntas-me como é o amanhecer quando lá longe a Lua se esconde na montanha do desejo,
e eu, eu sem jeito, não sei responder,
entretenho-me a construir beijos num velho muro em xisto,
preguiçosos,
doentes,
toco-te e sinto, a claridade do teu olhar a entrar na caverna do Adeus,

(Ai como eu sofro...! Oiço-o enquanto alicerço as minhas pernas ao cansaço)

Querias o amor, e eu, eu dei-te o amor...
daí sobejaram os segmentos de recta da tua boca,
e deixaste alguns círculos de chapa nos cortinados da madrugada,

(Ai...! Oiço-o...)

E deixei de o ouvir,
afogou-se num poço de luz,
e...
e reapareceu quando um menino de bibe descobriu que existia noite depois do dia,
toco-te, e estilhaças-te nas escadas sem rumo,
desgovernadas,
loucas, loucas e apaixonadas...
Consegues imaginar a paixão de uma escada?
Claro que não, claro que não...
dizes-me,
que... que as escadas não se apaixonam,
que as pedras, os cacos de porcelana... nunca existiram,

(Ai como eu sofro! Oiço-o... na sua voz roufenha... São pássaros, menino, são pássaros... pássaros de cristal)

O caraças

Toco-te e finges orgasmos de coloridas flores,
toco-te, toco-te e... estilhaças-te como o espelho da velha cristaleira,
morres,
desapareces no interior da alvenaria ensonada,
lá fora, nada, nem uma locomotiva para te recordar,
um rio, um Cacilheiro embriagado, nada...
lá fora, toco-te,
toco-te e acordo...

Ai... ai como eu sofro, menino! Não..., não tenho sorte nenhuma.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 13 de Junho de 2014

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Versos de amor encurralados numa vidraça estilhaçada

foto de: A&M ART and Photos

Não acredito nos teus cabelos, são voláteis, são versos de amor encurralados numa vidraça estilhaçada,

Um dia, qualquer dia, todas as árvores do meu jardim se transformarão em desejo,
das suas folhas, cairão palavras,
coisas,
pedras,
cabelos, vidraças... todas... estilhaçadas,

Todas perfumadas,
não acredito, e tenho medo à noite vestida de insónia,
todas elas, todas mesmo..., um dia, qualquer dia..., cairão na tua mão,
como granizo envenenado pelo silêncio dos teus beijos,
como barcos defuntos no cemitério do prazer,

Não acredito nos teus cabelos,
e quando sinto a presença do teu corpo, percebo que não existe corpo,
apenas uma montanha de sombras,
apenas..., e nada mais do que isso, porque, porque tu nunca tiveste corpo,
porque..., porque tu não existes!

Se não existes,
se não tens corpo...
como poderás ter beijos em silêncio..., como?

Ah... e a tua boca?
Sem palavras, sem lábios, sem... sem comestíveis corações de papel,
ao jantar,
uma colher de sopa misturada com algumas insignificantes carícias...
e..., e uma flor semeada no teu ventre de cristal,

(Não acredito nos teus cabelos, são voláteis, são versos de amor encurralados numa vidraça estilhaçada)

Tínhamos cartas que os anos 90 engoliram numa tarde de Agosto,
nas folhas apenas alguns desenhos,
um alucinante odor a paixão,
e..., e tudo se perdeu, e tudo... tudo mesmo, morreu numa noite de Novembro...
Viva a solidão! Viva esta vida sem vida... Viva, vivendo, sem cartas com odor a “paixão”,

(ouvem-se sílabas de areias no teu olhar)

E a luz da minha biblioteca, ténue como as minhas mãos, despede-se de mim com um sorriso de incenso.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 12 de Junho de 2014

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Pássaros de aço


Deixei de sonhar,
a vida entranha-se nos meus ossos tridimensionalmente aos soluços,
e eu, às vezes, percebia que havia uma parábola no meu olhar,
comecei a despedaçar imagens, comecei a desperdiçar curvas, quadrados e triângulos,
os sonhos iam desaparecendo, como a chuva, aos poucos, misturada com finíssimos raios de sol,
e em vez de sonhar,
comprava num quiosque das redondezas algumas gramas de noite,
pensava eu que era o esqueleto de verniz mais feliz da minha cidade,
não o era,
e... e nunca o fui,
depois regressaram aqueles malditos pássaros de aço,
tão esfomeados que, que comecei a trocar os poucos beijos que me sobejaram por andorinhas de papel,

(batem à porta)

É o meu vizinho a queixar-se que os meus sonhos não o deixam adormecer,
respondo-lhe que..., que eu não sonho,
que... que há muito deixei de sonhar,
escrever,
e amar,

(o tipo ateima que sim, que são os meus sonhos,
canso-me...
e mando-o foder com todas as letras...)

São tristes os candeeiros da minha rua,
não respondem às minhas questões e anseios,
ignoram-me...
e quantas vezes... nem servem para me iluminarem,
abaixo os candeeiros da minha rua,
a minha rua...
e esta estonteante cidade,
a que pertenço e que me engole a cada milímetro de solidão,

(batem à porta)

(o tipo ateima que sim, que são os meus sonhos,
canso-me...
e mando-o foder com todas as letras...)

Deixei de sonhar,
deixei de ver as sanzalas iluminadas pelo doce luar,
deixei de ouvir o melódico som dos mabecos,
e da espuma brilhante do mar do Mussulo,
dois ou três caixotes em madeira apodrecida,
e apenas uma pequena caixa de sapatos com um, com... com dois, talvez três sonhos,
um avião telecomandado,
e livros do meu pai,
um par de calções,
e... e alguns tarecos,
e os sonhos?
Deixei de sonhar e voava, e voava quando calçava as minhas sandálias de couro...

(batem à porta)

É o carteiro!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 11 de Junho de 2014

terça-feira, 10 de junho de 2014

Que faço às limalhas do teu olhar!


Que faço às limalhas do teu olhar!
São pingos de sofrimento embrulhados em folhas de alumínio,
folhas adormecidas, folhas mortas, folhas... folhas embalsamadas,

E o teu olhar vive num cubo de vidro,
respira as magoadas madeixas de uma triste madrugada,
são singelas paredes, são insignificantes sombras...
são transeuntes encalhados numa calçada,

Que faço às limalhas do teu olhar!

E o teu corpo voa como a gaivota de amar,
poisa em mim como se eu fosse o mastro cansado de um veleiro,
desço à preia-mar,
cerro os olhos para não ver o teu triste olhar,
um cartaz apressadamente preenchido, grita-me e obriga-me...
… e obriga-me a chorar,
e obriga-me... e me obriga a sonhar,
com o teu olhar,
as limalhas do teu olhar quando prisioneiras das tempestades que os teus seios inventam,
esqueço,
e pareço...
o velho às voltas com a roda da vida,

Sento-me em ti!

Sento-me em ti não sabendo que és de papel,
que... que quando o vento se enfurece, tu... tu desapareces, tu...
tu... tu te transformas em silêncio,
em neblina,
em... em equação sem resolução,

Que faço às limalhas do teu olhar!
São pingos de sofrimento embrulhados em folhas de alumínio,
folhas adormecidas, folhas mortas, folhas... folhas embalsamadas,

Folhas como eu, folhas como ele, folhas... folhas apaixonadas,
que faço, meu amor, aos pingos do teu sofrimento,
quando vaiadas todas as mandíbulas da paixão,
e ao acordar, a minha mão não encontra o teu corpo de andorinha... tu, tu nunca lá estiveste,

Tu... tu nunca exististe dentro de mim,
tu, tu desejas não desejando o amanhecer,
e é tão distante, e é tão longínquo... que me perco nos teus braços invisíveis,
engano-me quando o espelho da saudade me informa que hoje...
“hoje não há felicidade”!
Hoje apenas existe uma cidade, uma rua, e... e uma velha calçada,
sem pressa de fugir, sem pressa de amar..., amar não amando os dias sem sentido,
eu sentado, esperando que tu, que tu... que tu sejas tu e não a noite vestida de limalhas, as limalhas do teu olhar!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 10 de Junho de 2014