domingo, 20 de outubro de 2013

Este cigarro pertence aos habitantes carrancudos das aldeias em flor

foto de:A&M ART and Photos

Este cigarro de melancolia nunca me pertenceu, no entanto habita em mim há quarenta e sete anos, fuma-se, desgasta-se, depois fica como novo, pronto a acender-se, pronto a iluminar-me como se em mim existisse uma janela virada para a montanha e da minha cama os lençóis de vidro em gemidos constantes, vibratórios, oscilações melódicas e poéticas nas mãos do Outono, são quase horas de adormecer e percebo que lá fora ainda brincam as neblinas pálpebras da tarde, mesmo assim, oiço-a, olho-a com uma criança pela mão, elas brincam, elas parecem felizes, e
Este cigarro sempre a desprender-se, sempre a extinguir-se como uma sepultura de carvão mergulhada no cimento névoa dos andaimes murmúrios que os lábios exageram quando tu
Eu?
Ela saltita entre mãos e cabelos de vento, soltam-se os primeiros beijos nas asas do anjo solitário, ele é assim,
Assim?
Eu, eu pertenço às neblinas lágrimas de insónia que acompanham a noite,
Pensava que ela era minha filha, poderia sê-lo se não fosse o raio do...
Não o é,
Nunca o será,
Este cigarro pertence aos habitantes carrancudos das aldeias em flor e lá fora oiço-os, em longos gritos de sabão
(ACABOU-SE A DITADURA E A ESCUMALHA PRETORIANA)
Este cigarro e estes gajos, nojentos vermes como línguas de azoto nos cornos da Lua, podia ser o seu filho, podia ser o seu cigarro, e podia ser a sua noite, mas tudo, mesmo tudo, perdeu quando de um velho cortinado apareceu uma rosa sombreada com bolinhas encarnadas, podia ser o seu filho
Meu filho? Impossível...
A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...
(ACABOU-SE A DITADURA E A ESCUMALHA PRETORIANA)
A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...
Este filho que poderia
Mas não o é,
Poderia ser o teu filho, uma menina que brinca com uma Primavera de olhos castanhos e braços loiros, uma menina que saltita de cadeira em cadeira no café, saboreio-o e lembro-me de quando era como ela, e lembro-me de quando ele poderia ser,
Mas...
Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...
A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...
Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu..., eu teria o prazer de abraçá-la como se fosse minha, e não o é, e este cigarro parece louco, feliz, contente, arde docemente nas tuas mãos e pertence aos tubarões de limalha que deixamos ficar sobre a mesa-de-cabeceira num hotel em Lisboa, parecíamos filhos de Belém, e não o éramos, parecíamos filhos de um rio
E nunca o fomos,
Parecíamos um corpo decadente e nunca o fomos porque estávamos sempre em ebulição, éramos água dentro de uma panela de pressão, ouvíamos o apito do comboio quando da janela apenas sentíamos as vertigens da noite anterior, poderia ser o teu
O meu?
Sim, o dele, e no entanto...
Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...
E no entanto somos apenas duas locomotivas descarriladas, duas vozes... duas vozes quase roucas, quase, quase...
A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...
Quase mas não o é, e sinto-a e vejo-a a brincar com a mãe como se ela fosse a minha mãe e a outra ela, eu
Uma feliz madrugada em flor.
(A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...)

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 20 de Outubro de 2013

sábado, 19 de outubro de 2013

tracejadas mãos de areia nos seios sombreados da madrugada

foto de: A&M ART and Photos

se mergulho em ti é porque na constelação do teu olhar habita uma abelha
desenlaça-se e abraça-se aos beijos teus
se mergulho em ti
porque não o sei ou porque me esqueci
como pertenceram os teus lábios às sombras esqueléticas da noite
tracejadas
como lâminas disparadas por uma velha espingarda de cartão canelado
se mergulho no teu corpo
percebo que deixaste de o ser
ou...
talvez nunca o tenhas sido
… ou
talvez
tracejadas lâmpadas de luz esbranquiçada rosnando sobre as pedras da calçada
voando contra as montras sonolentas que os pilares mendigos
dormem no pavimento alimentado pela solidão
risos sinceros
vergonha de dizer-te
escrever-te
amo-te ou não te amo
a questão pertence às velhas teias de aranha
que brincavam nas frestas tuas mãos
se mergulho em ti é porque és o mar
ou um rio recheado de paixão...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 19 de Outubro de 2013

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

os lençóis da tristeza

foto de: A&M ART and Photos

dos lençóis da tristeza oiço os murmúrios que o cansaço deixa em mim
como conchas de sono pregadas na parede do desejo
o espelho que absorve os teus olhos é duplicado em migalhas de prata
e submergem
e suicidam-se
e não percebes que as entradas no silêncio o são proibidas
… inacessíveis
tristes
as nuvens castanhas com sabor a solução de luminol...
tangencias rectas crucificadas em ângulos trigonometricamente invisíveis
absortas
húmidas

queria ser uma sombra em granito
rompendo os soluços da noite
queria ser volátil
flor artificial junto à tua lápide
queria ser o túnel de vento
o buraco de minhoca
a teoria do caos...
a borboleta batendo as asas
e lá longe
os teus seios cintilando como avelãs
nozes
e fotografias envenenadas pelas lâmpadas de mármore

(não não tenho sorte nenhuma)

os triângulos da tua voz
são como grãos de areia mergulhados em sílabas melódicas
há conversas parvas entre copos de cerveja e perfume de vodka que um marinheiro Russo esqueceu na algibeira de um cargueiro com contentores de insónia
tenho medo de te encontrar e não entender o amanhecer que vive em ti
tenho medo do medo
medo de te amar e não saber que te amo
se é apenas amizade
vergonha de viver
ou... palavras apenas palavras sobejadas sobre a mesa da cozinha
dos lençóis da tristeza oiço os murmúrios que o cansaço deixa em mim
como conchas de sono pregadas na parede do desejo


(P.S. Amo os Pop Del Arte... como se eu fosse uma munição de areia e me entranhasse nos cobertores frios do teu corpo de solstício louco, lá fora chove, e eu quase que quero desaparecer sobre as árvores inconstantes da tua garganta, grito o teu nome, não percebem que existe um vagabundo igual a mim, que sofre, que ama, que vive fingindo viver... )


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 18 de Outubro de 2013

Aqui Há Poetas – Poesia Sem Gavetas II

Participação de Francisco Luís Fontinha - Alijó

quinta-feira, 17 de outubro de 2013


Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola
Francisco Luís Fontinha

Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...

foto de: A&M ART and Photos

Escrevo-te como se hoje fosse o meu último momento antes de partir, lá fora espera-me um bar recheado de alfazema e flores artificiais sobre as mesas, há cinzeiros que não me servem de nada, deixei de fumar, viver vivo como um mendigo suspenso no olhar da claridade nocturna das mãos de porcelana das candeias a petróleo, precisava de uma janela, precisava de uma porta e não me deixaram nada, apenas flores
Artificiais?
Sinto-o sufocado, deixou de ler, deixou de escrever, deixou de amar como amam os homens de cabelo cinzento, e deixou de pertencer ao infinito amanhecer para integrar o pelotão fantasma da solidão,
E uma lápide chora,
Dorme,
Inventa sepulturas nas rochas fundeadas no mar junto ao cais onde estão aprisionados barcos, veleiros e gajas com vestidos de chita, as ovelhas pastam nos longínquos lameiros da casa assombrada, e sem luz, e sem dinheiro...
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
Não o é, nunca o foi, nunca o conseguirá ser, porque nasceu para ser trapezista num circo de aldeia, porque se apaixonou por uma bailarina e desde a fuga das ruas caneladas que habitavam os silêncios marginais dos aparelhos enferrujados, tais como, torradeiras, máquinas de lavar roupa, máquinas...
As gajas não me amam, queixava-se ele na confissão ao padre Abílio, e máquinas, e máquina de costura com mais de setenta e cinco anos, e a última vez que escrevi no teu corpo de insónia, foi, deixa-me recordar,
Não foi, esqueci-me que nunca tiveste corpo, esqueci-me que eu nunca soube escrever, e esqueci-me que tu és apenas uma janela sem vidros, pregada na fachada de um edifício, sem dentes, sem boca e lábios, e que afirma convictamente que os beijos são
Chocolate,
Que os beijos são de chocolate,
E eu, detesto, não gosto de chocolate, dizia-me ela sempre que a olhava e via dentro dela o cortinado rendado em voltas circunflexas devido à presença não permitida do vento, e
Proibida a entrada a pessoas estranhas à obra, e gajas com o corpo recheado de palavras, alguém tinha escrito nos seus corpos de granito, esculpido um desejo, desenhado um orgasmo, proibido fumar em recintos fechados, dentro do teu corpo, não, dentro dos teus abraços, não,
Chocolate,
No confessionário,
Que os beijos são de chocolate,
Ou
Não...
Que tu serás, foste e és a mentira mais linda que alguma vez existiu dentro dos meus olhos de verniz, que você pertenceu aos cogumelos venenosos e mendigos das florestas comestíveis em tarde de neblina, vinham-nos pedir para subirmos ao sótão da ingratidão, recusávamos, e tu
Não fumo, obrigado,
E tu ficavas inerte, indecisa entre
Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...
(Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...)
E eu, detesto, não gosto de chocolate, dizia-me ela sempre que a olhava e via dentro dela o cortinado rendado em voltas circunflexas devido à presença não permitida do vento, e o crucifixo das tuas sílabas de madrugada solitária deixava-se adormecer enquanto tu, tu rezavas às escondidas, e eu, detesto, não gosto
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
De chocolate, dizia-me ela sempre que a olhava, Olha, sabes? Não, diz, O nosso telhado sofre de infiltrações, sinto quando chove... sobre o meu rosto pequenas gotas de plasma com pétalas de rosa, fazia de conta que não a ouvia,
Desculpa, não percebi, Dizes-me que o cortinado da sala de jantar está perdidamente apaixonado pela persiana da vizinha do terceiro direito? Não, não o pode ser... era o que nos faltava agora,
Apaixonados...
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
(Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...)
E decididamente, não.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 17 de Outubro de 2013

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?

foto de: A&M ART and Photos

Este corpo não é o teu, esses olhos com que iluminas as noites cansadas na solidão da insónia... não são os teus, essa boca, e esses lábios, não te pertencem, não é a tua boca, não são os teus lábios, as noites com que embrulhas as palavras, não o são, as tuas pobres noites embriagadas com sofrimento e dor, e a vida que vives, também não te pertence, não és nada, apenas uma imagem deixada num banco em madeira, sentas-te na penumbra, olhas-me sabendo que eu não te vejo, porque tu não existes, porque tu nunca exististe, és uma mentira pregada numa cruz metálica, foste crucificada quando as nuvens ainda eram nuvens e hoje, como tu
Não são nada,
Esse corpo que estampas nos meus olhos não é o teu corpo, e os seios que trazes no peito... são apenas tangerinas perdidas nos muros de xisto enroladas em socalcos, abelhas e pedaços de pólen, não são nada, e tudo em ti, apenas janelas de cansaço com cortinados de algas com perfume de mendicidade, gostava de ser como tu, invisível, transparente, gostava de pertencer às pedras com películas mergulhadas em sais de prata, gostava de ser uma fotografia tua,
Não são nada,
No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?
Como tu, o xisto esfarela-se e voa sobre os limos das volúpias ensanguentada que os mabecos deixam ficar sobre os charcos da infância, saltar à corda, jogar à bola, ao espeto... partir vidros por falta de pontaria, rir, brincar, chegar ao espelho e não acreditar que já não pertences aos corpos verdadeiros, em carne, ossos, palpáveis, comestíveis, corpos como aqueles que vivem nos edifícios das cidades dos machimbombos envenenados pelas tempestades de verniz que sobejaram das tuas unhas, como tu, o xisto esfarela-se e voa sobre os limos das volúpias ensanguentada que os mabecos deixam ficar sobre os charcos da infância, o livro de ti apaga-se, esconde-se dentro de gaveta da cómoda, sobre a mesa-de-cabeceira deixavas ficar as tuas pulseiras, os anéis... e outras tantas bugigangas, e as tatuagens que trazes no teu ombro esquerdo, hoje
No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?
Hoje parecem cromos dispersos dentro de uma caderneta inacabada, extinta, húmida quando entra-nos pela janela o jardineiro, o frio, e os arbustos da despedida, depois ouvimos o rio, o rio com braços, pernas, púbis e coxas, e mandíbulas em aço inoxidável,
Ferro forjado,
Enferrujado e velho, as cordas dos tentáculos de vidro invadem o teu corpo, e dizem-me que...
Esse corpo não é o dela,
E dizem-me...
Ferro forjado, ferro e ferro, ferro do bom, ferro verdadeiro, corpo molhado sobre os lençóis da despedida em arbustos de lágrimas, o apito do teu vazio peito, o uivo do teu lento olhar, a bandeira dos teus alegres cabelos... e mesmo assim
Tu nunca exististe,
E mesmo assim...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Ontem?
Porquê ontem?
Tu nunca exististe,
E mesmo assim...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Ontem?
E nunca sei quando é Domingo, e nunca percebo porque acreditam as rosas nas folhas do teu livro... e ainda lá dormem, e depois
Ontem?
Dizias-me que esse corpo não era o teu, que não, pois as montanhas não falam e os pássaros não são barcos e as sanzalas não são tardes de melancolia, e o musseque não é a Primavera, o Outono...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Não falas, e dizes-me que esse
Corpo?
Não, não... e dizes-me que as minhas mãos são de pergaminho.


(não Revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 16 de Outubro de 203