foto de: A&M ART and Photos
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Escrevo-te como se hoje fosse o meu último momento
antes de partir, lá fora espera-me um bar recheado de alfazema e
flores artificiais sobre as mesas, há cinzeiros que não me servem
de nada, deixei de fumar, viver vivo como um mendigo suspenso no
olhar da claridade nocturna das mãos de porcelana das candeias a
petróleo, precisava de uma janela, precisava de uma porta e não me
deixaram nada, apenas flores
Artificiais?
Sinto-o sufocado, deixou de ler, deixou de escrever,
deixou de amar como amam os homens de cabelo cinzento, e deixou de
pertencer ao infinito amanhecer para integrar o pelotão fantasma da
solidão,
E uma lápide chora,
Dorme,
Inventa sepulturas nas rochas fundeadas no mar junto
ao cais onde estão aprisionados barcos, veleiros e gajas com
vestidos de chita, as ovelhas pastam nos longínquos lameiros da casa
assombrada, e sem luz, e sem dinheiro...
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
Não o é, nunca o foi, nunca o conseguirá ser,
porque nasceu para ser trapezista num circo de aldeia, porque se
apaixonou por uma bailarina e desde a fuga das ruas caneladas que
habitavam os silêncios marginais dos aparelhos enferrujados, tais
como, torradeiras, máquinas de lavar roupa, máquinas...
As gajas não me amam, queixava-se ele na confissão
ao padre Abílio, e máquinas, e máquina de costura com mais de
setenta e cinco anos, e a última vez que escrevi no teu corpo de
insónia, foi, deixa-me recordar,
Não foi, esqueci-me que nunca tiveste corpo,
esqueci-me que eu nunca soube escrever, e esqueci-me que tu és
apenas uma janela sem vidros, pregada na fachada de um edifício, sem
dentes, sem boca e lábios, e que afirma convictamente que os beijos
são
Chocolate,
Que os beijos são de chocolate,
E eu, detesto, não gosto de chocolate, dizia-me ela
sempre que a olhava e via dentro dela o cortinado rendado em voltas
circunflexas devido à presença não permitida do vento, e
Proibida a entrada a pessoas estranhas à obra, e
gajas com o corpo recheado de palavras, alguém tinha escrito nos
seus corpos de granito, esculpido um desejo, desenhado um orgasmo,
proibido fumar em recintos fechados, dentro do teu corpo, não,
dentro dos teus abraços, não,
Chocolate,
No confessionário,
Que os beijos são de chocolate,
Ou
Não...
Que tu serás, foste e és a mentira mais linda que
alguma vez existiu dentro dos meus olhos de verniz, que você
pertenceu aos cogumelos venenosos e mendigos das florestas
comestíveis em tarde de neblina, vinham-nos pedir para subirmos ao
sótão da ingratidão, recusávamos, e tu
Não fumo, obrigado,
E tu ficavas inerte, indecisa entre
Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...
(Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não
o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o
amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo,
amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não
o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...)
E eu, detesto, não gosto de chocolate, dizia-me ela
sempre que a olhava e via dentro dela o cortinado rendado em voltas
circunflexas devido à presença não permitida do vento, e o
crucifixo das tuas sílabas de madrugada solitária deixava-se
adormecer enquanto tu, tu rezavas às escondidas, e eu, detesto, não
gosto
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
De chocolate, dizia-me ela sempre que a olhava,
Olha, sabes? Não, diz, O nosso telhado sofre de infiltrações,
sinto quando chove... sobre o meu rosto pequenas gotas de plasma com
pétalas de rosa, fazia de conta que não a ouvia,
Desculpa, não percebi, Dizes-me que o cortinado da
sala de jantar está perdidamente apaixonado pela persiana da vizinha
do terceiro direito? Não, não o pode ser... era o que nos faltava
agora,
Apaixonados...
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
(Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não
o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o
amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo,
amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não
o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...)
E decididamente, não.
(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 17 de Outubro de 2013
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