foto de:A&M ART and Photos
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Este cigarro de melancolia nunca me pertenceu, no
entanto habita em mim há quarenta e sete anos, fuma-se, desgasta-se,
depois fica como novo, pronto a acender-se, pronto a iluminar-me como
se em mim existisse uma janela virada para a montanha e da minha cama
os lençóis de vidro em gemidos constantes, vibratórios, oscilações
melódicas e poéticas nas mãos do Outono, são quase horas de
adormecer e percebo que lá fora ainda brincam as neblinas pálpebras
da tarde, mesmo assim, oiço-a, olho-a com uma criança pela mão,
elas brincam, elas parecem felizes, e
Este cigarro sempre a desprender-se, sempre a
extinguir-se como uma sepultura de carvão mergulhada no cimento
névoa dos andaimes murmúrios que os lábios exageram quando tu
Eu?
Ela saltita entre mãos e cabelos de vento,
soltam-se os primeiros beijos nas asas do anjo solitário, ele é
assim,
Assim?
Eu, eu pertenço às neblinas lágrimas de insónia
que acompanham a noite,
Pensava que ela era minha filha, poderia sê-lo se
não fosse o raio do...
Não o é,
Nunca o será,
Este cigarro pertence aos habitantes carrancudos das
aldeias em flor e lá fora oiço-os, em longos gritos de sabão
(ACABOU-SE A DITADURA E A ESCUMALHA PRETORIANA)
Este cigarro e estes gajos, nojentos vermes como
línguas de azoto nos cornos da Lua, podia ser o seu filho, podia ser
o seu cigarro, e podia ser a sua noite, mas tudo, mesmo tudo, perdeu
quando de um velho cortinado apareceu uma rosa sombreada com bolinhas
encarnadas, podia ser o seu filho
Meu filho? Impossível...
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(ACABOU-SE A DITADURA E A ESCUMALHA PRETORIANA)
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Este filho que poderia
Mas não o é,
Poderia ser o teu filho, uma menina que brinca com
uma Primavera de olhos castanhos e braços loiros, uma menina que
saltita de cadeira em cadeira no café, saboreio-o e lembro-me de
quando era como ela, e lembro-me de quando ele poderia ser,
Mas...
Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu
perceberia, eu, eu, eu, eu...
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Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu
perceberia, eu, eu, eu, eu..., eu teria o prazer de abraçá-la como
se fosse minha, e não o é, e este cigarro parece louco, feliz,
contente, arde docemente nas tuas mãos e pertence aos tubarões de
limalha que deixamos ficar sobre a mesa-de-cabeceira num hotel em
Lisboa, parecíamos filhos de Belém, e não o éramos, parecíamos
filhos de um rio
E nunca o fomos,
Parecíamos um corpo decadente e nunca o fomos
porque estávamos sempre em ebulição, éramos água dentro de uma
panela de pressão, ouvíamos o apito do comboio quando da janela
apenas sentíamos as vertigens da noite anterior, poderia ser o teu
O meu?
Sim, o dele, e no entanto...
Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu
perceberia, eu, eu, eu, eu...Claro que não o é porque se o fosse eu
saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...Claro que não o é porque
se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...
E no entanto somos apenas duas locomotivas
descarriladas, duas vozes... duas vozes quase roucas, quase, quase...
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Quase mas não o é, e sinto-a e vejo-a a brincar
com a mãe como se ela fosse a minha mãe e a outra ela, eu
Uma feliz madrugada em flor.
(A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U
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(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 20 de Outubro de 2013
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