foto de: A&M ART and Photos
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Partilhável como os teus seios de abrigo em noites
escuras, partilhável como veleiros mendigos em mares por navegar,
partilhável como um esqueleto em vidro e pintado à mão,
O corpo
À mão, em dedos como lâminas, os cabelos incham,
aumentam de volume, voam sobre os arbustos comestíveis das searas
negras, vultos com sorriso nos olhos, à mão, vêm como penas dos
pássaros assassinados pelo vento, e o corpo
Navega, estreme como a tua voz quando me ouvias
dentro dos cubos de gelo que existiam no velho jardim dos desejos
cabelos, os cabelos incham, aumentam de volume, cresce, o corpo
cresce vagarosamente, a idade constrói-se num calendário esquecido
no arame que vive e sempre viveu... nas traseiras da casa, o banco
onde te sentavas, depois do jantar, morreu, e o livro que trazias
sempre debaixo do braço
Morreu?
Não, não morreu, deixei de o ver, desapareceu,
ausentou-se numa noite de Inverno, estava a lareira acesa, havia
lençóis de geada em frente à nossa casa
Lembras-te?
Da casa, do livro... ou da geada?
De mim, se ainda te lembras de mim...
Não, Morreu?
Como morrem todos os livros e todas as geadas, de
cansaço, de insónia, de
À mão, meu querido?
De nada adiantaram as gaivotas que nos visitavam ao
cair da noite, porque morreu a noite, porque morreram as gaivotas...
e
As fotografias, também morreram?
Não, morreu?
E nada fazia crer que tu, tal como o livro, e tal
como a geada... deixasses
Deixasse o quê, meu querido?
Deixasses de me visitar, deixasses de perceber como
eram construídos os sonhos antigamente, não hoje, mas ontem, o
correio electrónico impaciente, não se cala, desassossegado,
impaciente...
Saudades das cartas perfumadas com corações
desenhados pela tua mão minúscula, pela tua mão... de criança, na
altura, cresceste, és mulher, de papel ainda vives deambulando junto
ao Tejo, oiço-te quando espero pelos barcos, oiço-te quando me
sento num banco em pedra, sinto o frio no rabo, e imagino-te...
saltitando nas minhas coxas, oiço
Os apitos,
Partilhável como os teus seios de abrigo em noites
escuras, partilhável como veleiros mendigos em mares por navegar,
partilhável como um esqueleto em vidro e pintado à mão,
O corpo
À mão, em dedos como lâminas,
Os apitos, comestíveis, partilháveis... como se
fosses um livro emprestado, folheado por toda as pessoas lá do
bairro, e à mão, o corpo
Inchava e aumentava de volume, e o teu cabelo
parecia uma noite de luar, e o teu cabelo parecia uma noite de
boémia, num qualquer bar em Cais do Sodré, e o teu cabelos, os
apitos, cruzavam o rio, olhava-te e sentia dentro dos teus olhos as
tempestades
O corpo, chora, meu querido?
Morreu...
Tempestades como ramos de rosas sobre a lápide do
teu desejo, como a lápide da tua vagina quando as gaivotas
Quais gaivotas, meu querido?
Quais gaivotas, meu amor...
De nada adiantaram as gaivotas que nos visitavam ao
cair da noite, porque morreu a noite, porque morreram as gaivotas...
e
As fotografias, também morreram?
(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 12 de Agosto de 2013