segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Partilhável como os teus seios de abrigo em noites escuras

foto de: A&M ART and Photos

Partilhável como os teus seios de abrigo em noites escuras, partilhável como veleiros mendigos em mares por navegar, partilhável como um esqueleto em vidro e pintado à mão,
O corpo
À mão, em dedos como lâminas, os cabelos incham, aumentam de volume, voam sobre os arbustos comestíveis das searas negras, vultos com sorriso nos olhos, à mão, vêm como penas dos pássaros assassinados pelo vento, e o corpo
Navega, estreme como a tua voz quando me ouvias dentro dos cubos de gelo que existiam no velho jardim dos desejos cabelos, os cabelos incham, aumentam de volume, cresce, o corpo cresce vagarosamente, a idade constrói-se num calendário esquecido no arame que vive e sempre viveu... nas traseiras da casa, o banco onde te sentavas, depois do jantar, morreu, e o livro que trazias sempre debaixo do braço
Morreu?
Não, não morreu, deixei de o ver, desapareceu, ausentou-se numa noite de Inverno, estava a lareira acesa, havia lençóis de geada em frente à nossa casa
Lembras-te?
Da casa, do livro... ou da geada?
De mim, se ainda te lembras de mim...
Não, Morreu?
Como morrem todos os livros e todas as geadas, de cansaço, de insónia, de
À mão, meu querido?
De nada adiantaram as gaivotas que nos visitavam ao cair da noite, porque morreu a noite, porque morreram as gaivotas... e
As fotografias, também morreram?
Não, morreu?
E nada fazia crer que tu, tal como o livro, e tal como a geada... deixasses
Deixasse o quê, meu querido?
Deixasses de me visitar, deixasses de perceber como eram construídos os sonhos antigamente, não hoje, mas ontem, o correio electrónico impaciente, não se cala, desassossegado, impaciente...
Saudades das cartas perfumadas com corações desenhados pela tua mão minúscula, pela tua mão... de criança, na altura, cresceste, és mulher, de papel ainda vives deambulando junto ao Tejo, oiço-te quando espero pelos barcos, oiço-te quando me sento num banco em pedra, sinto o frio no rabo, e imagino-te... saltitando nas minhas coxas, oiço
Os apitos,
Partilhável como os teus seios de abrigo em noites escuras, partilhável como veleiros mendigos em mares por navegar, partilhável como um esqueleto em vidro e pintado à mão,
O corpo
À mão, em dedos como lâminas,
Os apitos, comestíveis, partilháveis... como se fosses um livro emprestado, folheado por toda as pessoas lá do bairro, e à mão, o corpo
Inchava e aumentava de volume, e o teu cabelo parecia uma noite de luar, e o teu cabelo parecia uma noite de boémia, num qualquer bar em Cais do Sodré, e o teu cabelos, os apitos, cruzavam o rio, olhava-te e sentia dentro dos teus olhos as tempestades
O corpo, chora, meu querido?
Morreu...
Tempestades como ramos de rosas sobre a lápide do teu desejo, como a lápide da tua vagina quando as gaivotas
Quais gaivotas, meu querido?
Quais gaivotas, meu amor...
De nada adiantaram as gaivotas que nos visitavam ao cair da noite, porque morreu a noite, porque morreram as gaivotas... e
As fotografias, também morreram?

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 12 de Agosto de 2013

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