desenho de: Francisco Luís Fontinha
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Tinhas na boca o perfeito cubo de gelo, era noite e
estava vestida com um pano negro com finas lâminas de seda, havia
entre nós um muro de ardósia com desenhos desconexos, três, de
cima para baixo, três frases suspensas numa madrugada inventada,
desleal, dislexia, complexa talvez, como voláteis vapores de enxofre
sobrevoando as janelas do pedestal granítico da escada que existia
nas traseiras dos cais... e entre nós e o muro, uma canção, o
orgulho em beijos fatias recheadas com doce de abóbora, as sandálias
tuas perdidamente perdidas na camuflada relva clandestina dos
amanheceres sem ordem, dos amanheceres vagabundos, e sujos,
Tinhas,
O perfeito cubo de gelo, era noite e estava vestida
com um pano negro com finas lâminas de seda, as tristes árvores dos
teus cabelos em pequenas labaredas que a lareira dos sonhos forjava
consoante os minutos suicidados na ponte Romana que servia
simplesmente para atravessarmos a ribeira sem nome, passado,
esquecíamos-nos dos relógios de pulso que as cavernas de areia
engoliam como simples, complexos, dislexia... rebuçados de açúcar
doirado,
Fumo,
Havia em ti âncoras de silêncio e porcelanas
manhãs de chuva ensanguentada como ontem, depois dos parafusos que
ajudavam a suster o muro, o tal que estava entre nós...
simplesmente, complexo, dislexia... desapareceram, ruíram como
castelo de xisto descendo socalcos embriagados...
Tinhas na boca...
E perdia a paciência para mordiscar os teus lábios,
hoje, rochas, ontem, ontem chovia, e trazias todas as lágrimas
embebidas no teu vestido de chita, com rosas encarnadas, havia em
ti... círculos, cubos de gelo na tua boca, e não sinto saudades da
Primavera, e não sinto saudades das tardes debaixo das mangueiras...
Tinhas na boca,
Tinhas,
As âncoras de silêncio dos finais de tarde dentro
de mim.
@Francisco Luís Fontinha
(não revisto)