quarta-feira, 17 de julho de 2013

O belo, que tu transportas nos lábios, chega-me...

foto de: A&M ART and Photos

O belo transforma-se em floresta e das palavras, das palavras crescem andorinhas com sorriso encarnado, um mar de rosas invade os alicerces da cidade... e eu, cambaleio entre sombras nocturnas que o medo absorve... e os candeeiros solitários, onde uma penumbra emerge sobre os bancos em madeira com ripas de inveja, olho-te, meu amor, e as tuas mãos tocam-me, e do meu rosto, da minha face decalcada numa chapa de estanho uma mísera garganta embrulha-se nas vozes desgovernadas, há palavras mortas, há flores de tempestade à porta da Igreja, e tu, meu amor, sempre, sempre que me encontras perguntas-me pela música, pelas palavras... e eu, minto-te, porque nada tenho para te oferecer... apenas miséria, apenas fome,
O belo, que tu transportas nos lábios, chega-me, confesso que nunca quis ser rico, ter fortuna, confesso-te que o meu sonho era ser artista de circo, desde criança que sonho com o circo, andar de terra em terra, de País em País, de Planeta em Planeta..., ir à luar, uma semana em Marte, três dias em Saturno..., e aos Sábados, as famosas matinés de areia molhada, deitavas-te e uma língua de fogo adormecia em plena praia imaginária, um molde sobrevivi às marés, e quando entrasse a noite em nós, preenchíamos o respectivo molde com beijos e sorrisos,
E três dias depois,
Nova cidade, montar toda a estrutura, o palco, as luzes, eu, o palhaço frustrado e diminuído, habitante do patamar inferior da Sociedade, porque existem intelectuais de fim-de-semana, os ditos inteligentes com cabeça de vidro, e das omoplatas vagueiam as sibilantes listras abelhas com coração de manteiga, o filho da puta do mendigo, acaba de cuspir no meu próprio pão, e de duas sardinhas, uma para mim, a a outra, reparto-a por ela e pelos dois filhos, nunca percebeu quem eram os respectivos pais..., abríamos a janela da roulote, os vizinhos do lado, um casal de trapezistas, faziam o amor sobre o arame que prendiam de uma ponta da dita até ao infinito... e havia cordas penduradas do piano de cauda que o músico de serviço transportava como se fosse o único objecto palpável, de valor, a única riqueza,
Nunca quis ser rico,
Os intelectuais de fim-de-semana, sentam-se aplaudidamente nas primeiras cadeiras do circo, eu, o pobre, o miserável, o inculto desta terra, rodopio sobre uma bicicleta de madeira que um velho há cerca de vinte e cinco anos me ofereceu num bar no Bairro Alto, vomitávamos as palavras e nem tempo tínhamos de as escrever, havia gajas com asas de cristal e gajos com cérebros envoltos em serrim, cheira intensamente a merda, são eles, os do fim-de-semana quando descem até às raízes invisíveis das omoplatas dos cortinados dos intelectuais ditos espertos, tão... tão espertos e mergulham na burrice e acordam na estupidez, tenho fome, preciso da tua boca e dos teus seios e das tuas coxas, preciso dos alicerces da cidade, de todos os vãos de escada onde se prostituem intelectualmente alguns gajos, poucos, quase nenhuns, preciso, precisava... que da noite viessem as vísceras infames dos livros sobre as mesas de cabeceira, se eu quiser, eu consigo, porque sou um miserável, empobrecido, intelectualmente pobre, dizem-no, parvalhões com serrim envolto no cérebro, asas sobre as omoplatas, cristais nos olhos, e rodas dentadas onde devia existir um cérebro, deixavam de pensar, e aplaudiam fugazmente as palhaçadas dos artistas conceituados, na roulote em frente, o amor
Fazem-no como se ainda estivessem sobre o arame de sémen que atravessa o espaço exíguo de um lado ao outro,
Foda-se, ouviam-se-lhe os sons menstruais das Primaveras amarfanhadas, e a carroça, ou quase carroça, balançava como um plátano sobre o rio da saudade, descíamos a encosta, sentávamos-nos sobre os joelhos do desejo,
Parvalhão, tens a mania...
Sobre os joelhos do desejo, fotografias a preto-e-branco na parede da rolete, um fino tique nos dedos com sabor a chocolate emergia das fundações da ponte que ligava a cidade nova à cidade velha, e nunca, nunca mais vi o velho nem a bicicleta de madeira, mas nos meus tempos livres, o mesmo número de sempre, só que agora sem a bicicleta, sem o velho, sem o Bairro Alto... apenas um sofá com as molas sofrendo de bicos de papagaio e espondilose, perdizes, perdizes masturbam-se com as cadeiras vazias do espectáculo, murchos, os candeeiros, e das lâmpadas, nem o esqueleto, e apenas finos orgasmos de poeira vagueiam sobre a plateia..., o belo, que tu transportas nos lábios, chega-me, confesso que nunca quis ser rico, ter fortuna, confesso-te que o meu sonho era ser artista de circo, desde criança que sonho com o circo, andar de terra em terra, de País em País, de Planeta em Planeta..., ir à luar, ir e não regressar.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de julho de 2013

A última vez de nós

foto de: A&M ART and Photos

Ambos o sabíamos, todas as noites, uma caneta prateada, iluminada com tinta preta, misturava-se nas ranhuras do papel, macio, do aparo, algumas vezes, gotas minúsculas de um líquido não determinado, descia, lentamente, até que de muitas gotas minúsculas de líquido... nascia uma poça longínqua de um líquido... não determinado,
Sangue, não o era,
Suor?
Não acreditávamos,
Ambos ouvíamos o rosnar da locomotiva da cama suspensa sobre quatro velhos tijolos, tínhamos nascido pobres, continuávamos pobres, e amanhã, pobres seremos, sentados a uma mesa com quatro pernas, range, ouve-se um estranho gemido de areia, provavelmente, o mar a rondar-nos a casa, provavelmente, o homem do chapéu de palha para saciar a sua sede, ele beberá de nós o mosto disfarçado de silêncio, e não acreditávamos
Suor?
Os cigarros morriam no cansaço da tarde, gemias como uma raposa quando prensada nas ranhuras das portas com vista para o mar, víamos da fechadura um líquido esguio... e de seguida vinha a noite, fazíamos amor debaixo dos cobertores de madeira que embrulhavam a caixa onde o avô escondia a farinha de milho, recordo-te recheada naquele intenso cheiro, ao longe, víamos o rio Sul travestido de curvas com olhar de fonte de água sulfurosa, o enxofre fazia-nos arder os olhos, e das nuvens de espuma, brancas migalhas de saliva rodeavam-nos, e sentíamos no corpo a tristeza da chuva ante de desfazer-se sobre os telhados da aldeia...
Sangue, não o era,
Suor?
Não acreditávamos,
O sino anunciava-nos o silêncio que acompanhava a noite, tínhamos algumas horas para permanecermos juntos, e nunca sabíamos se era a última, a última vez de nós, ela, a caneta, introduzia-se vagarosamente nas entranhas coxas do papel de arroz, sentia-se o perfume do rio Sul subir até sobrevoar a Cárcoda..., e imaginávamos homens, e imaginávamos mulheres, e imaginávamos... madrugadas voando entre pinheiros mansos e carvalhos ensanguentados pelo desejo que o sono provocava em nós, escondidos
(de dentro da caixa da farinha sentia o teu corpo em banhos de sol, mergulhavas nas ondas que a fonte sulfurosa das Termas deixava nos teus seios de rosa encarnada)
E escondidos vivíamos os cigarros, e escrevíamos ao toque do fumo a dilacerar-se nas asas de uma gaivota que se prostituía lá para as bandas de Cais do Sodré, antes, muito antes de entrarmos dentro da caixa da farinha, ainda antes de ser dia, antes o enxofre provocar-te lágrimas no rosto que escondias do espelho do quarto do meio, diziam que a prostituta era uma velha carruagem que costumava transcrever no papel de arroz o percurso Cais do Sodré a Belém, e por aí permanecia, até que uma magala aparecia, vestia-se de mergulhador e descia às profundezas das linhas circunflexas da vaidade,
E não acreditávamos
Suor?
E no próximo apeadeiro permaneciam até que fosse dia, até que as gaivotas levantassem voo... fugissem para o mar, até que renascias do interior da caixa da farinha, víamos o rio Sul, e sentávamos-nos sobres as restantes pedras do Castro da Cárcoda... olhavas-me, e segredavas-me que a solidão era sem qualquer dúvida
Amor, a solidão é a maior prova de amor que uma flor como eu pode ter,
E de dentro da caixa da farinha, ambos, ouvíamos os sons que todos ouvimos quando habitamos apartamentos defeituosos em cidades defeituosas...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola


segunda-feira, 15 de julho de 2013

A paixão de PI

foto de: A&M ART and Photos

Invejo-te os olhos de púrpura amanhecer
quando te sentavas sobre as sombras da madrugada
sem o saber sem o perceber
amanhã envio-te as cartas prometidas com as flores desenhadas
ruas e prédios e penumbras fachadas
no jardim do silêncio à espera da tua chegada,

Amanhã prometo regressar aos teus braços
e a vela transatlântica é engolida pela insónia cristalina das tuas mãos
amanhã
engolida toda a matéria disforme numa equação desnecessária
proibida
cansadas?
maltratadas janelas com pequenos grãos de areia...
e a vã maternidade dos recortes em papel voando sobre ti,

Invejo-te os olhos
e as persianas dos teus olhos como uma fotografia a preto-e-branco caminhando junto ao mar
transformas-te em alga adormecida
e desces pelo meu corpo até te acorrentares ao meu peito aprisionado pelo medo...
invejo-te os seios perfumados como estrelas tricolores suspensas na saudade
e percebo que passou por nós... imenso tempo tempo demais...

Tempo perdido quando rectas paralelas se encontram no infinito...
acreditas, não acreditas, meu amor?
a paixão de PI quando começa o vómito de 3,141592654... no teu púbis onde desenho gráficos,
equações, máximos, mínimos... e os zeros da função...
e a função alimenta-se dos teus gemidos como vidros partidos sobre as flores das searas...
prometidas?
Invejo-te os olhos
e as tuas coxas com sabor a gaivota estonteante...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 14 de julho de 2013

Planeta vermelho

foto de: A&M ART and Photos

Percebíamos que a nossa vida era um imaginário baloiço
sobre o mar de esplanadas com lábios de silêncio mergulhados em nadas...
percebíamos que da janela víamos os cadáveres esqueléticos das murchas flores de sémen
e havia no pátio restas lágrimas de luz com sabor a saliva ensanguentada
percebíamos que o amor éramos nós disfarçados de velhos esqueletos
com cristais silábicos pigmentados nas loucas chaminés ao longe olhando-nos
sentados sobre a cidade dos sonhos... percebíamos que o desejo
aparecia nas clarabóias dos sótãos onde se escondiam os amantes do Planeta vermelho,

Percebíamos que éramos nós quando o guarda-fato ressonava nocturnamente
como abelhas dentro de uma colmeia vagueando sobre os sorrisos da perdiz desnorteada
perdida na montanha descia-se até ao rio
e um afogado homem vestido de medo deitava a cabeça no teu colo de xisto
ouvíamos um leve suspiro
um finíssimo gemido com sabor a Primavera
percebíamos que éramos nós
porque quando nos tocávamos
porque quando nos beijávamos
o odor das estrelas estrábicas caíam sobre as searas verdejantes dos olhos de prata
carícias minguadas sobre os teus cabelos de maré criança
menina dos Domingos que o calendário absorve como insónias de papel,

E agora, meu amor por descobrir?
que farei quando abrir a porta da noite
entrar em ti sabendo que não entendes a minha presença e a minha sombra
correm em cigarros invisíveis os sofrimentos das árvores dos pássaros negros...
percebíamos que hoje éramos duas vozes que o rio há muito engoliu
e sobrevivemos a olhar os baloiços dos versos saltitando no quintal dos livros apaixonados
como nós
percebíamos... meu amor por descobrir... que o Planeta Vermelho éramos nós.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Sítios com sabor a ardósia da tarde

foto de: A&M ART and Photos

Um pouco de silêncio não faz mal a ninguém, segredavas-me quando nos sentávamos sobre a pedra de xisto junto ao rio, e ficávamos, apenas sós, e olhávamos um para o outro, inventávamos desenhos, porque são mais belos que as palavras, e assim, apenas nós, permanecíamos um em frente ao outro, de olhos verdes para olhos castanhos, sem palavras, sem cortinados de fumo, sem geometria descritiva, que às vezes, poucas, utilizávamos para transformarmos a solidão em pedacinhos de insónia, e lá vinha o eterno abraço... caía a noite sobre o teu doirado corpo, percebia-se pelos teus seios os socalcos íngremes descendo a montanha... até que os carris em aço entranhavam-se-te nas mãos tristes, tuas, ao longe, ouvíamos um sonolento comboio com rota para o Porto..., e adormecíamos como duas crianças no colo da inocência, não percebi que chorasses, e sabia que a tua tristeza era real, estava viva dentro de ti, eras como uma seara de trigo suspensa no vento vindo do mar, um pouco de silêncio, não, a ninguém como éramos espelhos côncavos dos jardins de Belém, ouvíamos o assobio do rio em todos os finais de tarde, hoje, o mesmo silêncio, o mesmo decalque do último final de tarde, o cheiro do teu corpo que sobejou e permanece intacto nos arbustos perto do rio, e recordamos os sítios com sabor a ardósia da tarde, a nossa tarde
Choviam-nos sílabas recheadas com marinheiros embriagados, dizias que amavas todos os peixes, percebi por não ser eu um peixe... que não me amavas,
Tu és diferente,
Porquê, perguntava-te,
Respondias-me que adormecíamos como duas crianças no colo da inocência, não percebi que chorasses, e sabia que a tua tristeza era real, estava viva dentro de ti, eras como uma seara de trigo suspensa no vento vindo do mar, um pouco de silêncio, não, e corações enublados avançavam pelas trincheiras do desejo, gemias quando lias os poemas de AL Berto, como se estivesses a ser penetrada por um vulcão de pétalas pintadas de encarnado,
Eu que era diferente,
Porquê?
AL Berto, sorria-nos enquanto inventávamos posições sobre o colchão manchado de tinta permanente de uma velha caneta de sexo,
Havia em nós,
O quê?
Havia em nós sítios de areias brancas, palmeiras, ao longe, machimbombos rosnavam quando o avô Domingos com um cordel os puxava pelas ruas, depois chegava a casa, cansado, abraçava-me e tombava sobre a cama, como um sonâmbulo depois de passear-se pelos rochosos sexos de sal que era cuspido pelo mar do Mussulo até que uma criança, ele, em pequenas rotações, cambaleava e experimentava o estado de embriaguez de algumas plantas, flores, pedras...
Que às vezes, poucas, utilizávamos para transformarmos a solidão em pedacinhos de insónia, e lá vinha o eterno abraço... caía a noite sobre o teu doirado corpo, percebia-se pelos teus seios os socalcos íngremes descendo a montanha... até que os carris em aço entranhavam-se-te nas mãos tristes, tuas, ao longe, ouvíamos um sonolento comboio com rota para o Porto..., e adormecíamos nos braços da tarde, éramos loucos, diziam-nos..., loucos porque amávamos os corpos nus que dormiam dentro dce nós,
Porquê?
O quê? Gemias quando lias os poemas de AL Berto, como se estivesses a ser penetrada por um vulcão de pétalas pintadas de encarnado,
Eu que era diferente,
Porquê?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Fui crescendo

foto de: A&M ART and Photos

Fui crescendo como uma erva daninha
percorri oceanos invisíveis com bonecos de pedra
fui ouvindo vozes misturadas com débeis amanheceres
em lábios de gaivotas cansadas
fui crescendo
fui habitando o teu corpo de espuma
que dorme num cubo de vidro
fui teu
fui dele
fui...
vou sem regressar voando sobre os teus cabelos de amêndoa...
fui crescendo até que o amor me aprisionou aos teus abraços de água salgada,

Fui mendigo dormindo na calçada
fui poeta sem escrever
leitor
carcereiro onde havia livros em prisão perpétua...

Fui poeta
leitor desgovernado debaixo dos plátanos emagrecidos
fui banco de jardim onde te sentaste
e beijaste
a mim
crescendo,

Fui habitante do teu coração
onde brincávamos com as palavras das marés de Sábado à noite
fui crescendo
crescendo...
sem escrever no teu corpo versos de cacimbo
entre o som dos mabecos e os pobres telhados de zinco...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha