foto de: A&M ART and Photos
|
O belo transforma-se em floresta e das palavras, das
palavras crescem andorinhas com sorriso encarnado, um mar de rosas
invade os alicerces da cidade... e eu, cambaleio entre sombras
nocturnas que o medo absorve... e os candeeiros solitários, onde uma
penumbra emerge sobre os bancos em madeira com ripas de inveja,
olho-te, meu amor, e as tuas mãos tocam-me, e do meu rosto, da minha
face decalcada numa chapa de estanho uma mísera garganta embrulha-se
nas vozes desgovernadas, há palavras mortas, há flores de
tempestade à porta da Igreja, e tu, meu amor, sempre, sempre que me
encontras perguntas-me pela música, pelas palavras... e eu,
minto-te, porque nada tenho para te oferecer... apenas miséria,
apenas fome,
O belo, que tu transportas nos lábios, chega-me,
confesso que nunca quis ser rico, ter fortuna, confesso-te que o meu
sonho era ser artista de circo, desde criança que sonho com o circo,
andar de terra em terra, de País em País, de Planeta em Planeta...,
ir à luar, uma semana em Marte, três dias em Saturno..., e aos
Sábados, as famosas matinés de areia molhada, deitavas-te e uma
língua de fogo adormecia em plena praia imaginária, um molde
sobrevivi às marés, e quando entrasse a noite em nós, preenchíamos
o respectivo molde com beijos e sorrisos,
E três dias depois,
Nova cidade, montar toda a estrutura, o palco, as
luzes, eu, o palhaço frustrado e diminuído, habitante do patamar
inferior da Sociedade, porque existem intelectuais de fim-de-semana,
os ditos inteligentes com cabeça de vidro, e das omoplatas vagueiam
as sibilantes listras abelhas com coração de manteiga, o filho da
puta do mendigo, acaba de cuspir no meu próprio pão, e de duas
sardinhas, uma para mim, a a outra, reparto-a por ela e pelos dois
filhos, nunca percebeu quem eram os respectivos pais..., abríamos a
janela da roulote, os vizinhos do lado, um casal de trapezistas,
faziam o amor sobre o arame que prendiam de uma ponta da dita até ao
infinito... e havia cordas penduradas do piano de cauda que o músico
de serviço transportava como se fosse o único objecto palpável, de
valor, a única riqueza,
Nunca quis ser rico,
Os intelectuais de fim-de-semana, sentam-se
aplaudidamente nas primeiras cadeiras do circo, eu, o pobre, o
miserável, o inculto desta terra, rodopio sobre uma bicicleta de
madeira que um velho há cerca de vinte e cinco anos me ofereceu num
bar no Bairro Alto, vomitávamos as palavras e nem tempo tínhamos de
as escrever, havia gajas com asas de cristal e gajos com cérebros
envoltos em serrim, cheira intensamente a merda, são eles, os do
fim-de-semana quando descem até às raízes invisíveis das
omoplatas dos cortinados dos intelectuais ditos espertos, tão... tão
espertos e mergulham na burrice e acordam na estupidez, tenho fome,
preciso da tua boca e dos teus seios e das tuas coxas, preciso dos
alicerces da cidade, de todos os vãos de escada onde se prostituem
intelectualmente alguns gajos, poucos, quase nenhuns, preciso,
precisava... que da noite viessem as vísceras infames dos livros
sobre as mesas de cabeceira, se eu quiser, eu consigo, porque sou um
miserável, empobrecido, intelectualmente pobre, dizem-no, parvalhões
com serrim envolto no cérebro, asas sobre as omoplatas, cristais nos
olhos, e rodas dentadas onde devia existir um cérebro, deixavam de
pensar, e aplaudiam fugazmente as palhaçadas dos artistas
conceituados, na roulote em frente, o amor
Fazem-no como se ainda estivessem sobre o arame de
sémen que atravessa o espaço exíguo de um lado ao outro,
Foda-se, ouviam-se-lhe os sons menstruais das
Primaveras amarfanhadas, e a carroça, ou quase carroça, balançava
como um plátano sobre o rio da saudade, descíamos a encosta,
sentávamos-nos sobre os joelhos do desejo,
Parvalhão, tens a mania...
Sobre os joelhos do desejo, fotografias a
preto-e-branco na parede da rolete, um fino tique nos dedos com sabor
a chocolate emergia das fundações da ponte que ligava a cidade nova
à cidade velha, e nunca, nunca mais vi o velho nem a bicicleta de
madeira, mas nos meus tempos livres, o mesmo número de sempre, só
que agora sem a bicicleta, sem o velho, sem o Bairro Alto... apenas
um sofá com as molas sofrendo de bicos de papagaio e espondilose,
perdizes, perdizes masturbam-se com as cadeiras vazias do
espectáculo, murchos, os candeeiros, e das lâmpadas, nem o
esqueleto, e apenas finos orgasmos de poeira vagueiam sobre a
plateia..., o belo, que tu transportas nos lábios, chega-me,
confesso que nunca quis ser rico, ter fortuna, confesso-te que o meu
sonho era ser artista de circo, desde criança que sonho com o circo,
andar de terra em terra, de País em País, de Planeta em Planeta...,
ir à luar, ir e não regressar.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha