Pendurava-me nas cordas da tristeza, sentia-me
distante das pontes em madeira, algumas já em avançado estado de
decomposição, de cheiro nauseabundo, também cansadas, ensonadas,
como um esqueleto deformado pelas hélices das vertiginosas flores de
Primavera, lá fora caminham pássaros que começam a aprender os
primeiros passos, ainda não voam, mas... brevemente...
ausentar-se-ão de mim, como se ausentaram milhares de estrelas, como
se ausentaram centenas de sonhos, conversa fiada, uma feira de
vaidades procurando abrigo debaixo do aquário nocturno da solidão,
pendurava-me afinal sem perceber que em vez de cordas, eram correntes
de insónia que eu durante o sono prendia ao meu corpo, e sentia-me
pesado como rochas em queda livre em direcção ao abismo, abria o
postigo e via coisas sem nome, coisas como simples objectos
desproporcionais que o tempo encolhe, come, vomita como sendo corpos
em aços, em fila, esperando a entrada no auto-forno, e entre
cambalhotas e simples anedotas, eu escutava na paciência dos anjos
femininos, os pássaros bebés em construções de areia, enquanto os
olhava, recordava as aventuras de Fernão Capelo Gaivota, e
imaginava-me um dia dentro de uma velha panela com arroz, algum
feijão, e de sabor inconfundível a sonho, sonhar quando todas as
grandes muralhas que a vergonha deixa das escadas para o patamar do
terceiro esquerdo, a varanda cambaleava-se, embriagada pela vodka que
os marinheiros Russos tinham deixado sobre os carris dos lençóis
depois da ejaculação de palavras, que posteriormente, davam vida a
poemas, e dos poemas, crianças, algumas pareciam vampiros com lenços
de seda enrolados na cabeça, ouvia-se o desgraçado milagre da chuva
de pérolas que todas as noites, sem horário definido, caía
desordenadamente em nós
Sabia-te dormindo na cama do quarto encurralado
entre a cozinha e a casa de banho, sem janela, e apenas uma porta de
pano dividia-nos, quando te deitavas, imaginava-te sobre mim, nua,
como um cobertor de lã em noites frias e que tínhamos desistido dos
sonhos que esboçávamos conforme a mesma varanda, quando sóbria,
deixava que nos sentássemos, com a condição, de, “Proibido
Fumar”,
caía desordenadamente em vós os desejos das
paralelas linhas azuis que circulavam em redor de um jardim com
árvores, e confesso-o, as únicas que até hoje conheci, e que
voavam, como os pássaros que eles imaginavam nas pequenas
brincadeiras enquanto, os mesmos, tentavam voar com a ajuda dos papás
e das mamãs, eles, aqueles que apreciavam o desgraçado milagre da
chuva de pérolas que todas as noites, sem horário definido, caíamos
diziam eles, caíamos das nuvens incolores que um artista plástico
tinha pintado no tecto da cidade dilacerante, uma cidade velha com
pessoas vestidas de negro, com pessoas voando como os pássaros, uma
cidade...
Há tanto tempo que não sei o significado de
cidade, de rio, de mar, de barcos, jangadas e beijos, e abraços, e
lanternas mágicas, slides nas paredes encastradas que o velho João
tinha deixado por esquecimento numa noite em princípios de Setembro,
faziam-se apostas sobre o término do mês, e enquanto uns, os mais
optimistas acreditavam que terminaria com flores sobre as mesas de
granito, outros, os outros, os não optimistas, apenas que nunca
terminaria o desgraçado mês de Setembro, para mim, e se eu
mandasse, ainda hoje, ainda hoje
(setembro, o mês dos beijos debaixo das palmeiras)
Era setembro, sem dúvida, alguma, sempre Setembro,
sempre... o eterno mês dos beijos debaixo das palmeiras, e a Ilha de
Faro parecia um ponto de luz no centro do Oceano,
E de longe, via os aviões estacionados na pista,
via o mar, via os barcos, mas esqueci-me da cor dos olhos do Sábado
e do nome de cada palmeira junto à marina...
acordou a noite
E voamos entre os lençóis do verdadeiro amor.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha