domingo, 29 de agosto de 2021

Sete rosas

 

Tenho sete rosas na minha mão

Entre palavras e gemidos,

Palavras ao vento,

Palavras nos socalcos erguidos,

Palavras de alimento

Alimento dos corpos esquecidos.

Dos teus seios

Nasce uma canção,

São palavras então,

São palavras do coração.

Ao púbis do desejo

Lancem as feras da savana,

Acaricio-te nas palavras,

As palavras da cama.

E os beijos?

O beijo silêncio

Que nasce no teu olhar,

Palavras,

Palavras de amar.

Sete rosas na minha mão,

Sete pecados no meu peito,

São palavras então,

São palavras sem jeito.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29/08/2021

sábado, 28 de agosto de 2021

As palavras de amar

 

Tenho dias.

Todos os dias

Todas as horas

Todas as manhãs,

Onde moras,

Habitas,

Descansas

E dormes.

O amor.

As palavras

Nos livros da paixão

Do corpo

Na mão

Do silêncio

Que vive neste mar;

Os olhos descansam

Nas montanhas sem ninguém

Debaixo

Acima

Entre linhas

O desejo.

Amar

As nuvens do teu sorriso

Numa imagem

Sem juízo

A ira

O grito

Às gaivotas dos teus seios;

Nenhum pássaro

Estúpido

Se deita em ti,

Como assim?

Em ti,

Planície congelada

Do corpo que jaz na minha mão

Ao de leve

Levemente

Entre nós.

Um copo.

Quase ninguém presente

Ausente

De mim

Neste esconderijo branco.

O nojo.

A morte em forma de nojo.

O amor de ti

Em mim

Nesta gaivota sem nome;

Ontem

Uma criança

Hoje

Um livro de poesia.

Assim

Serei

Não sei

Talvez o número de polícia mais estranho do meu bairro.

Sobre as pálpebras

As imagens de quatro cantos

Numa tigela

A sopa dorme

E suicida-se

Contra a colher da saudade.

Depois.

Vem a noite

Atira-se para cima da cama,

Pronto

Sempre

Nesta casa de ninguém.

A janela

À janela

Há janela;

Todas.

Em minha casa.

Sempre

Que há o amor.

Desejar

Não desejar

Que um dia deseje a morte;

E no entanto

Não me canso

Nem durmo

Sempre que a tua boca absorve o meu corpo.

Caso contrário

Limito-me a escrever

Em ti

As palavras de amar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28/08/2021

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Todas as palavras da laranja

 

Quando a saudade habita na montanha do mar,

E o amar,

Desce pela escadaria do vento,

Esconde-se numa mão invisível,

Cresce,

Se liberta e,

Morre na maré da insónia.

Se eu pegar nesse cabelo,

Se eu abraçar a sua boca,

O poema se escreve,

Dança,

E se deita na calçada.

Serão todas as palavras que te escrevo

Pedacinhos do poema

Em formato de beijo?

Pergunto-me enquanto olho o vento

Embrulhado nos seus entrelaçados degraus,

Alvenaria de incenso,

Betão que dorme na tua mão;

Oiço.

Habito em ti

Como se fosse uma criança desenhada no sono da escuridão,

Um panfleto de sono

Suspenso nas paredes da madrugada.

Chamo pelo silêncio,

Pego docemente na esferográfica da alegria e,

Escrevo.

Escrevo-te

Todas as palavras da laranja.

Sei que lá fora uma página obscura

De um livro obeso

Se suicida na tarde junto ao mar;

Amar.

Canso-me das ruelas desta cidade

Prateada,

Pincelada de cigarros e,

Marmelada.

O orvalho;

Palavras, sílabas, páginas doentes…

Deste livro sem nome.

Amanhã,

(Quando a saudade habitar na montanha do mar,

E o amar,

Descer pela escadaria do vento,

Esconder-se-á numa mão invisível,

Crescerá,

Se libertará e,

Morrerá na maré da insónia).

Todos somos esqueletos de vento

Na sombra do silêncio.

vi.

vivi.

Ontem, era uma pedra.

Hoje,

Algures,

Sou um pedaço de rosa,

Deitada sobre a mesa-de-cabeceira da insónia.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/08/2021

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

O poeta das quatro pedras da insónia

 

O tempo alimenta-se dele, dei-me conta, há pouco tempo, quando o relógio de pulso entrou em desespero e, em vez de mostrar as horas, começou, manhã cedo, a pincelar-me o pulso com lágrimas.

Os sonhos acordaram em mim quando pela janela observei uma flor em papel que ardia no meu jardim; e dela dissipavam-se as quatro pedras da insónia.

O poeta morre nas mãos daqueles onde semeou as palavras embebidas no nylon envenenado pela tempestade,

Dizia-se

A vagina é uma máquina fotográfica.

E a tempestade foi andando, havia dias que pincelava o céu de um encarnado vivo, sinal de riqueza pelo olhar das sílabas de uma Lisboa em fios de sangue. Colocaram-no num jardim sem nome, vivia de esmolas e, vendia palavras embrulhadas em lábios de medo, sabia que à sua volta, todos as tardes, um imbecil lhe segredava que a terra é de quem a trabalha,

Pois. E deixou escrito numa caixa em cartão

O Fruto é de quem o colhe.

Abriram o caixão e dentro dele apenas pedras, as quatro pedras da insónia. Antes de morrer, escreveu na terra húmida de Luanda

Um dia vou regressar.

Nada. Nunca regressou e vomitou flores do átrio da igreja matriz.

Rezava quantas vezes possíveis, comia as próprias palavras que escrevia, não sabia que havia tantos imbecis nas catacumbas da insónia,

Como recordo as quatro pedras,

Simples.

Corres vivas,

Alimenta-se do orvalho, caminha sobre as pedras finas da memória e, transforma sonhos em pesadelos, pela manhã, ao acordar.

Sentava-se sobre uma pedra de luz, lia AL Berto e Pacheco e, escreviam nas paredes da casa de banho pública

O gajo é louco.

A ira, o tédio das tardes de Inverno e, mesmo assim, sobreviveu às quatro pedras da insónia; triste, meu filho.

Triste, meu pai; muito triste.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/08/2021

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

A menina da ilha adormecida

 

Abraçava-se à lua

Quando a noite dormia na montanha e,

Os seios de um rio

Em pedacinhos de sorriso

Fatiava o luar em finíssimas lâminas de desejo.

Pegava nas palavras mortas

Do texto suicidado pela neblina,

(Ai, menina,

Menina da ilha adormecida.)

Folheava cada pétala de prazer

No abraço das pequeníssimas sílabas…

Dos livros, observava o mar,

O mar a arder.

Abraçava-se à lua

Quando a noite embriagada,

Triste

Nua…

Acorrentava à madrugada

A ilha adormecida,

Da menina,

Da menina mimada

À menina despida.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 18/08/2021

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Que nos teus seios Habitem as papoilas da minha infância,

 

Escolho a noite para desejar o teu silêncio,

Beijar a tua boca de amêndoa

Nas planícies tempestades de Inverno.

Escrevo o poema

No teu corpo

Quando a fotografia do teu sorriso,

Manhã cedo,

Me alimenta ao pequeno-almoço.

Abraço-te como se fosses a única flor do meu jardim,

A última palavra que escrevo na minha lápide…

Sendo assim,

Amar-te é fácil; desejar-te sabendo que um desenho

Dorme na tua mão.

Desejar-te sabendo que tens no olhar

A maré de prata dos silêncios incandescentes

Da madrugada;

e. beijo-te.

Escolho a noite

Para acariciar a tua pele pergaminho,

A equação resolúvel das tuas coxas

Num qualquer caderno quadriculado,

Sabendo

Que nos teus seios

Habitem as papoilas da minha infância.

Pego nos meus olhos,

Transcrevo em mim

As palavras proibidas do meu vocabulário;

Assassinos,

Todas os monstros da noite.

Dos teus lábios

A insónia cigarrilha

Que se funde na minha mão;

Serei capaz de te amar como mereces?

Das palavras,

O meu silêncio

Numa noite em desejo.

Amar-te.

Escrever-te.

Sabendo que lá fora o mar espera por nós.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17/08/2021

domingo, 15 de agosto de 2021

Da paixão. O meu poema voando como uma serpente,

 

Todas as horas são palavras para adormecer. Despe-a solenemente enquanto ao longe a quebrar o silêncio dos uivos, ROUGH AND ROWDY WAYS semeia nas pequenas gotículas da paixão o poema em construção. Beija-a, abraça-a, escreve-lhe no copo o desejo em pequenos pergaminhos e, sabe que dentro dela, todas as noites, urgem as pequenas sílabas da paixão.

Transportas no púbis o pôr-do-sol, cintila no olhar o silêncio da noite, quando todos os livros danças ao som de BOB DYLAN e, ambos sabemos que a paixão fervilha nos socalcos cansados de uma enxada de luz.

Pinta no corpo o amanhecer, da pele lúcida e transparente adivinham-se as canções nocturnas do rio e, todas as horas são horas para amar.

Alicio-a

Canso-me nos beijos, canso-me nas palavras imaginadas por uma máquina fotográfica e, o retracto de desejo absorve-se como se fosse uma lâmina de gemidos dentro do túnel com acesso ao mar. Os barcos brincam na sua mão, na boca, os pequenos uivos e gemidos da tempestade, depois

Alicio-a,

Danço no seu corpo de tela inacabada, sempre que me sento nesta pedra, imagino-a saindo dos seios do mar, como se ela fosse uma página em branco, em que todas as noites escrevo o meu poema

Da paixão.

O meu poema voando como uma serpente dentro de um buraco negro; as estelas olham-se no espelho da manhã, os cigarros fumam-se a cada pequeno passo nas planícies do silêncio e, o amor

Alicio-a e dispo-a.

Aos poucos, deixo de ouvir ROUGH AND ROWDY WAYS, o som mistura-se com as palavras embebidas no prazer,

Sinto-a dentro de mim,

E, eis os gonzos da noite.

Sinto-a nas palavras entre relógios de pulso e sombras de luz nas profundezas das palmeiras junto à baía e, vem até mim o cheiro das algas acabadas de acordar.

Poisa os seios no parapeito olhar de uma janela de hotel, urgem as pequenas sílabas da paixão e, eles olham o veleiro que zarpa das suas coxas. Enveneno-me de luz, embriago-me de silêncios gemidos depois de perceber que fui palavra no útero de minha mãe,

As saudades, eles percebem-me.

E, devem estar muito felizes.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15/08/2021

sábado, 14 de agosto de 2021

A insónia de Deus

 

Uma abelha de luz poisa no teu olhar. Haverá sempre noite; mesmo que a lua se suicide no teu olhar, haverá sempre luar na tua vida,

O cansaço,

Nos dias que se perdem, nas horas em que nasce e, morre uma estrela, mesmo assim, haverá sempre Primavera na esplanada da saudade.

O esqueleto rangia como os gonzos do silêncio e, nunca percebeu que lá fora, junto ao rio, um fio de nylon tentava regressar à velha fotografia; tinha na mão a imagem de Cristo crucificado.

Em cio, avança o exército de gaivotas em direcção ao mar; os barcos da minha infância são hoje objectos raros, distantes de uma cidade envergonhada pelo passado.

Pedacinhos de linha, anzóis despedidos pelo velho pescador e, junto ao cais

Uma criança inventa electrões, protões e a tomografia por emissão de positrões e, eu desconhecia que o PET lhe vasculhava tudo até aos ossos; amores e paixões, flores e jardins, sumo de laranja e bacalhau com natas. No final

A sentença. CONDENADO.

Ela

CONDENADA.

Hoje, há quem me diga que são muito felizes, os dois e, vão amar-se eternamente.

O dia e anoite,

A lua e o luar,

Ambos, ambas, condenados

Condenadas pela insónia de DEUS.

Hoje são pequenos grãos de areia na mão da tempestade. Vivem num cubo de vidro, alimentam-se de pequenos nadas e, lêem as escrituras divinas. Nada a fazer, digo eu

Tudo a fazer, dizia ela

CONDENADA pelo oxigénio abstracto da manhã.

 

 

Alijó, 14/08/2021

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Um gajo com mau feitio

 

Sou um gajo de mau feitio, pensava eu enquanto me entretinha a olhar o espelho convexo da noite, olhava pela janela,

Em voz alta,

Ela parecia ter saído dos banhos nas Termas de S. Pedro do Sul,

Em criança,

O livro comprado no Café Tavares, em frente ao rio, lia o sorriso dos patos bravos acabado de acordar e, mal sabia o que era a paixão.

Duas coisas eu já sabia; ser filho único e com mau feitio,

A noite trazia-lhe as mentiras das montanhas adormecidas, sexo só à noite, junto aos pinheiros e, ela sempre que acordava,

Ele,

Não sabia nada à cerca do ciúme. Tinha fome. Alimentava-me de cigarros adormecidos, café envenenado por uma cidade esquecida na tempestade e, debruçava-me no parapeito da forca, estendia a cabeça, colocam-me a corda no pescoço e, voava até ao infinito.

Morreu de quê?

A saudade da mãe, os dias intermináveis junto a um rio ancorado na neblina, folheava todas as fotografias e, nada a dizer; amanhã ele estará melhor.

O avô questiona-o se já tinha terminado a tropa e, com sorrisos embrulhados em mentira

Já, avô, já estou em casa.

Não sabia o que era a geada, tinha medo da neve e, pensava que as primeiras botas calçadas pertenciam às forças especiais de qualquer ramo das forças armadas. Feridas. Dor. Das mãos regressavam as aldeias em frieiras,

Calça as luvas, Luisinho!

Podia ter nascido em Trás-os-Montes, mas não era a mesma coisa.

Olhei este vosso, meu, Rio Douro. Mais tarde mostravam-me os encantos do Tua e, nunca mais chorei por ela.

Uma cidade abandonada, musseques engasgados no capim envelhecido, ao longe, o velho Zacarias, fumava pedras da calçada,

Tão lindos os mabecos!

Numas longínquas férias da Páscoa apaixonei-me por uma trapezista de um circo sem nome, no seu enlace,

Caminhei até às proximidades do Ujo, perdi-me,

E, talvez hoje fosse Presidente do Conselho de Administração do Circo sem nome, além, as gaivotas dormem nos braços das mães que espreitam as mãos nocturnas da montanha, chovia derradeiramente e, não havia nada a fazer; pelos vidros invisíveis das janelas regressava até mim o silêncio travestido de frio, a porta de entrada sempre aberta, alguém tinha furtado a fechadura e, em dias de geada, ao descer as escadas embebidas no fino oiro geada, tombava e, rebolava até ao chafariz.

Na praça. Da praça.

Fotografaram-me junto à Gricha, sentei-me em cima do burro e, tombei.

Todas as manhãs navegava nas gavetas da paixão, escrevia palavras nas paredes do quarto, levei nos cornos da minha mãe e, pedia ajuda ao meu pai: estava salvo. Mais um livro que trazia na algibeira, quase sempre adquirido na papelaria Grifo. O hiper dos anos 40, 50…, sentado na parte mais estreita do meu corpo, sentia o baloiço dos meus ossos contra a manhã, dias seguidos enclausurado nas paredes amarelas da hepatite.

À noite, percebia que de trapezista eu nada percebia, chegar um dia a Presidente do Conselho de Administração, pior ainda.

Sou um poeta.

- Novamente atrasado, Sr. Fontinha

Sou um gajo de mau feitio, pensava eu enquanto me entretinha a olhar o espelho convexo da noite, olhava pela janela,

Em voz alta,

Ela parecia ter saído dos banhos nas Termas de S. Pedro do Sul,

Em criança,

Foi o trânsito, meu Capitão, as mulas estavam furiosas.

O avô Domingos espetava pregos nos machimbombos, nos bolsos guardava a fotografia das filhas, mulher e netos, sem que eu percebesse, que junto a eles e a elas, habitava um ascendente que tinha nascido em Lisboa e era cocheiro. O meu bisavô.

Hoje, quase todos, pó.

Eu, transeunte modificado geneticamente, espero que acordem as ruas de Carvalhais.

Fui. Disse ele.

E, nunca mis regressou à cidade da saudade.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/08/2021

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Um menino de porcelana

 

Em criança, os meus pais, ofereceram-me um barco com motor,

Passava tardes intermináveis a construir vestidos para um estúpido boneco que baptizei numa qualquer igreja clandestina, numa tarde em Luanda; o “chapelhudo”.

Colocava uma enorme bacia com água e deliciava-me com o meu barco em pequenos círculos com olhos verdes, nos bracinhos tinha uma pequena almofada embebida em ar para não afundar, e divertia-me até que as pilhas falecessem.

Nada a fazer, perguntava-me,

Sempre fui apaixonado por barcos, papagaios em papel e, vestidos para o meu amigo “chapelhudo”. Do mar, um imenso cardume de estrelas, verdes, encarnadas e, cinzentas,

Extintas as portas de entrada, aos poucos, o paquete ausentava-se de mim, mar adentro, confinado pela tempestade, segredava ao meu pai,

- Tenho fome,

Os cigarros engasgavam-se na garganta inflamada pela nafta, do outro lado, na piscina, meninas brincavam com bóias de sabão, o mar fugia e, Luanda desparecia no horizonte; alto mar.

Tenho fome do Mussulo, das palmeiras eternas nas noites recheadas de neblina e, como sempre, nos meus versos, uma saudade enorme de um rio que mais tarde me viu suicidar; junto ao Tejo,

Passei uma noite debaixo da ponte Oliveira Salazar, quase não me lembro das estrelas, manhã cedo, em direcção ao Porto de Lisboa, vi um magala dilacerado pelo silêncio, suicidava-se aos poucos com shots de Vodka e Uísque, mais tarde,

Ontem,

Percebi que aquele palhaço era eu, vinte anos depois.

Sentei-me, peguei-lhe na mão e, com pequenos toques infundados por debaixo da mesa, sem que ninguém percebesse, ia escrevendo o poema da saudade,

E, da saudade,

Um menino de porcelana, loiro com caracóis que o pai resolveu numa tarde dizimar (cabelo à homem),

Coisas dele,

Minha sina foi ser caixeiro-viajante, de terra em terra, de Oceano em Oceano, percorri todas as palavras escritas com o olhar,

Amanhã

Amanhã reescrevo o poema da saudade,

Pincelados de cinzento, nos olhos a nostalgia do silêncio, olhos rasgados pela tempestade, ao longe, S. Tomé e Príncipe, Las Palmas de Gran Canaria e, Ilha da Madeira, Lisboa aproximava-se, dentro dos caixotes em madeira, coisa nenhuma, meia dúzia de tarecos e saudades.

- Tenho fome do Mussulo, uma saudade enorme de um rio que mais tarde me viu suicidar; junto ao Tejo, conheço-te desde sempre, aqui, acolá, além-mar,

Âncoras ao pescoço, drageias de incenso para adormecer, porque nas mãos trazia sempre a cartilha da sanzala abandonada,

Dorme.

Ai que dorme.

E, dorme desde então; dizem que abraçado ao pescoço dela.

Chorou. Dentro das lágrimas viam-se os botões de rosa da madrugada, da pensão, alguns gemidos, friestas no gesso apodrecido e, apagou-se nos braços da amante.

O coração tinha recusado horas extraordinárias e, no pulso, o relógio do sono.

O mar.

A mãe segurava-o enquanto ele desenhava gaivotas coloridas em papel envelhecido; notícia de última hora!

O mar, também ele, tinha morrido nas lágrimas envergonhadas das manhãs junto à Fortaleza; barcos e canhões limitados, com sede na Rua do Azeite, número quatorze.

De herança, deixou três búzios e uma enxada de prata.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/08/2021