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sábado, 11 de novembro de 2023

Olhos do mar

 

Estaciono o meu corpo

Nesta cadeira inventada

Nesta cadeira

Cansada.

Estaciono o meu corpo

Sabendo que a madrugada

Tem sorriso de feiticeira

 

Tem de olhar a sílaba abandonada

Em cada segunda-feira…

Estaciono o meu corpo

Nesta cadeira imóvel e desassossegada

Quando o dia morre

Quando o dia absorve o teu olhar

E a noite aparece à janela do meu silêncio

 

Estaciono o meu corpo

Nesta cadeira sem mar

Sem marés…

Quando o meu corpo de menino

Se despede do luar

Quando o meu corpo se despede

Dos olhos do mar

 

 

11/11/2023

sábado, 4 de novembro de 2023

Partida

 

Podíamos partir em direcção ao mar

E levar connosco todos estes livros,

Todas estas memórias.

Podíamos brincar no mar

E desenhar na areia o sorriso do silêncio,

Podíamos escrever na espuma do mar…

O quanto mar existe nos teus olhos,

Do mar Oceano das tuas mãos,

Podíamos regressar a Ítaca

E resgatar o soldado infeliz,

Conversávamos com a esposa de Zenão…

(o paradoxo de Zenão)

Podíamos voar sobre as árvores,

Podíamos cantar junto ao rio…

Podíamos aprisionar o vento

E a chuva,

Podíamos partir em direcção ao mar

E levar connosco todos estes livros,

E todas estas sombras.

 

 

04/11/2023

domingo, 15 de outubro de 2023

Nuvem


 O cachorro não cessa de latir

A janela do quarto

Deixou de abrir

A chuva cai

A chuva traz vinho

E pão

Também

E às vezes

A chuva vai

Depois vem

E rima

Com ninguém

 

Ninguém à mesa

De alguém

Que já foi tudo

E hoje

E hoje entretém-se a comer chocolates

Coisas raras e boas

Castanhas assadas

E viagens sem fim ao fim-do-fim

Entre parêntesis

E a rima

E a rima com noite desgovernada

 

Que tinha não mão uma granada

E a rima

E pimba

A bala disparada

 

Contra o peito do magala

 

O cachorro não cessa de latir

A janela do quarto

Deixou de abrir

A chuva cai

A chuva traz vinho

E pão

E a chuva vai

E a chuva vem

Sem saber que do tecto cai

Que do tecto também

Uma nuvem sai…

E uma nuvem vem

Aos braços de alguém.

 

 

15/10/2023

sábado, 14 de outubro de 2023

Flor de fumo

 

A meio da noite, meu amor, a meio da noite acorda a luz no teu corpo, a meio da noite, meu amor, a meio da noite, deita-se a luz no teu corpo, abraça-se a luz às minhas mãos, que poisam no teu corpo as primeiras sílabas da manhã,

A meio da noite, meu amor, a meio da noite acordam os pigmentos de cor, com que pincelo o teu ombro, a meio da noite, ele sonolento, tão sonolento como as predizes da madrugada,

A meio da noite,

Meu amor,

A meio da noite acorda a luz no teu corpo, ergue-se o livro esquecido no chão, poesia de uma afegã, a meio da noite, os teus olhos, meu amor, a meio da noite vestem-se de estrelas, e passeiam-se nos meus lábios, quando o meu beijo desce suavemente sobre o teu ventre, a meio da noite, o incêndio, a fogueira da noite, que a meio da noite enrola no teu cabelo, e voa sobre um ninho de cucos, perdidos na noite,

Meu amor,

A meio da noite, fogem de mim as diáfanas águas da ribeira dos sentidos, que a meio da noite, trazem as pedrinhas com que construo a minha noite, quando a meio da noite,

Sobre ti, lábios de luz, sobre ti, silêncios de ti,

A meio da noite,

Acorda,

Ergue-se o livro da poetisa afegã…

Que perdeu a noite,

Que nunca teve noite, como eu, quando procuro no teu corpo o poema mais belo do céu nocturno em “Flor de Fumo”,

E querida Nadia Anjuman, a meio da noite, porque te assassinaram, quando possivelmente as tuas noites eram como são as minhas noites, sonhar com poesia, respirar poesia, snifar poesia…

A meio da noite, uma flor se aproxima de ti, se deita no teu colo, e recorda-me a infância com muitos meios da noite, eu olhava as estrelas, pedia um desejo,

E voava,

Sobre ti a meio da noite,

Porque te assassinaram?

Flor de Fumo…

 

 

14/10/2023

Vida


Talvez a vida tenha começado no espaço

Frio e escuro

Dizem eles

Os cientistas

Talvez a vida tenha vindo do espaço…

Mas eles dizem tanta coisa…

Que eu não sobrevivia aos primeiros meses de vida

E cá estou eu

Sentado numa cadeira

Em frente ao mar…

À espera

À espera de que o mar me leve

E a escrever parvoíces.

 

Talvez a vida seja apenas uma imagem

Reflectida no espelho da insónia

Talvez a vida tenha começado fora

Fora da Terra

E eu

Aqui

A queixar-me da vida.

 

Talvez a vida tenha começado na tua mão

Também ela

Reflectida no espelho da insónia

Também ela

Perdida em frente ao mar

À espera

À espera da minha vida

Da minha mão.

 

Talvez a vida tenha começado na minha rua

Em frente à minha casa

No número quinze

Terceiro esquerdo

Talvez a vida

Talvez a vida tenha começado no teu silêncio

Quando me olhas…

E nem bom dia me dizes

Talvez a vida…

Eles dizem tanta coisa…

 

Talvez a vida tenha vindo dos teus olhos

Também eles reflectidos no espelho da insónia

Que existem para me acordar

Que existem para eu contemplar…

Quando acorda a manhã

Quando se deita a noite nos teus braços

E dos teus lábios

Emerge-se a vida

A vida que começou no espaço

Frio e escuro…

 

 

14/10/2023

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Sábado

 Sábado

Meu amor

Sábado vou desenhar-te

Junto à ribeira,

Sábado vou escrever-te

Enquanto a lua está desgovernada,

Sábado

Meu amor

Sábado vou lançar ao rio

Esta fogueira,

Sábado

Meu amor

Vou desenhar os teus olhos

E esperar

Que acorde

A madrugada.

 

Sábado

Meu amor

Sábado vou pedir ao teu cabelo

Que me empreste o vento,

Meu amor

Sábado

Vou esconder-me no teu pensamento…

Meu amor

Sábado

Sábado vou amar-te

Como quem ama uma flor,

Sábado vou contemplar-te

Como quem contempla uma flor…

Sábado

Meu amor…

Sábado vou reler este poema

E pedir

Que sábado

Acordem nos teus lábios

O sabor da chuva

E o silêncio da manhã…

 

Sábado

Meu amor

Sábado vou desenhar-te

Junto à ribeira…

Sábado

Meu amor

Sábado vou escrever-te

E abraçar-me ao mar

Que não tendo sabedoria

Tem artimanha…

Tem estrelas coloridas,

Sábado

Meu amor

Sábado vou subir à montanha

E gritar

Que no próximo sábado

Meu amor

Eu seja uma pedra cinzenta…

Junto à ribeira

Onde vou desenhar-te…

 

 

13/10/2023

domingo, 8 de outubro de 2023

Castelo

 

Sentamo-nos.

Suicidamo-nos com o fumo deste cigarro

Quando dispara sobre a manhã

A bala de prata.

Suicidamo-nos com as lágrimas do mar

E sentamo-nos nesta pedra cinzenta,

Velha,

Ferrugenta,

Sentamo-nos e suicidamo-nos pelo entardecer,

Junto ao rio,

Quando o teu corpo não se cansa de arder

E chorar,

O veneno que nos vai matar,

 

No verbo de escrever.

Sentamo-nos no chão com o odor do teu corpo,

Suicidamo-nos com as flores da Primavera…

Voamos para o castelo do silêncio,

Quando os teus lábios se transformam em pigmentos de luz…

Em pedacinhos de amanhecer,

E suicidamo-nos quando acordar o dia,

Quando o sol nascer,

E nos oferecer,

Ao pequeno-almoço…

Poesia.

 

Sentamo-nos.

Suicidamo-nos com o fumo deste cigarro,

Nutriente do meu corpo viver,

Sentamo-nos sobre esta pedra, esta pequenina pedra de veludo…

E suicidamo-nos com as primeiras lágrimas da manhã,

Nós

Sentados…

À espera de que o mar nos leve.

 

 

08/10/2023

sábado, 7 de outubro de 2023

Cansaço

 

Desenhar-te,

Cansa.

Sonhar-te,

Cansa.

Desenhar-te nos meus braços,

Cansa.

Desejar-te,

Cansa.

Amar-te…

Cansa muito.

No entanto,

Desenho-te,

Sonho-te,

Desenho-te nos meus braços…

Desejo-te

E amo-te muito

Tanto o quanto te odeio….

 

 

07/10/2023

domingo, 1 de outubro de 2023

O carrasco

 

Tragam o carrasco

Estou pronto para ser castigado

Sempre estive pronto

Tragam o carrasco

Com os seus alicates

Com as suas garras

Tragam o maldito carrasco

Do dia que nasce

Ao dia que morre

Pronto

Sempre estive pronto para as suas garras

 

Tragam o carrasco

E o saco com os pecados

Tragam vinho

Tragam pão

Uísque

E charros

Tragam o carrasco e castiguem-me

Me atormentem

E me matem

Se Deus quiser

 

Quando cair a noite

Tragam o carrasco

E os seus métodos de tortura

Na fome que dura

Que dura na mão do carrasco

Tragam o carrasco

Tragam a chuva

Que eu mereço

O castigo

Do carrasco

 

 

01/10/2023

sábado, 30 de setembro de 2023

Vénus do fogo

 Neste livro

Onde escrevo todos os dias

Onde escondo o dia

E as tristezas da noite

Dentro deste livro

Uma mulher em suicídio

Sucumbe à deliria loucura

Nos olhos do mar

 

Deste livro

Sem olhos de mar

Neste livro onde escrevo todos os dias

Onde escondo o frio

De onde liberto aquele rio

Que se perdeu no nome

Que não dorme

Que tem fome

 

Este livro

Que ninguém lê e que ninguém percebe

Porque da janela deste quarto

Se vê o mar

E se ouve o mar

Com barcos de papel

E de brincar

 

Dentro deste livro

Uma mulher

Que grita

Chora

E se revolta com a vida

Com o poema

Com a poesia

E com o cabrão do poeta

Que sou eu

Aquele que escreve este livro

 

Aquele que finge gostar do dia

Este livro

Este pequenino livro

(o vinil termina, levanto-me e continuo mergulhado em Mão Morta)

Que se faz tarde

Dentro deste livro

Pequenino

Para a menina e para o menino

Neste livro

Onde escrevo

E escondo

O que escrevo

 

Vénus do Fogo

Livro das pérolas de ninguém

Este livro que todos o têm

Menos eu

Que sou fidalgo

Que o escrevo

E que nunca o vou ter

Neste livro

Onde habita a Vénus do Fogo

E os monstros de querer

Um dia

Talvez

Que este livro seja gente

Talvez esta cidade seja este livro

E aquela gente

Filhos deste livro

Nas mãos de Deus

Ou nas mãos de um outro qualquer impostor

 

Que este livro seja sempre um livro

A luz nos teus olhos

Que este livro seja a bala

Que rompe pela madrugada

E cai na cama de um coitado magala

 

Que este livro além de ser gente

Seja a gente

Que lê este livro

Que limpa o cu às folhas deste livro

Sem o arraial prazer do simplificado parafuso de pressão…

Morreu enfartado com chocolates

Escreveu este livro

E escondia sarna nos tomates

 

E o seu pequenino testamento

Tudo o que tenho

Todos os meus livros

São para alimentar este livro

Onde se esconde a Vénus do Fogo

E todas as putas-flores que não gosto

 

Não gosto deste livro

Mas escrevo este livro

Detesto cebola e alho

E como arroz com letras arroz com palavras arroz com arroz nas mentes…

Desdentadas

Escrevo este livro

Acordo

Aos poucos, este livro

Este pequenino livro

Que escrevo

Onde se esconde a Vénus do Fogo

A fogueira da minha aldeia

E uma candeia com azeite…

 

Liberta-se deste livro

Aquele que é feliz e escreve o outro livro

Porque este livro

Não me pertence

Não me pertence

Escrevo este pequeno livro

Sofrido

Pequenino

Com sono

Às vezes

Este pobre menino

 

Neste livro

Que finge orgasmos na madrugada

Que bate o pé

E abre a janela

E lança-se da janela

E voou e voa

Sobre o mar

E sobre ti

Deste livro

No livro que senti

O peso do papel

O motor a estibordo

Lançando fumo para a cabine do Comandante

Sobre a ponte

Um morto e três feridos graves

 

Deste neste livro

Que livro que dia em livro no desenhado livro

Foi-se

Morreu

E acordou três dias depois

Mais bêbado do que quando tinha adormecido…

Sofrido

Sorrindo a corações de areia

A janela coitada

Deixou pendurada a cabeça

E foi até à varanda fumar um pobre cigarro de sono

Sentou-se finalmente este livro

Finalmente em frente ao altar da vergonha

Onde reza este livro

Onde grita este livro

Sofre este pobre livro…

 

E sente ronha deste livro

Escrevo este livro

Dou vida a este livro

Papel engomado com o ferro de engomar

Vincos nas calças

Camisa do avesso

Por causa das bruxas

E lá vem este livro

Que ainda à pouco

O foi

E o será

Vadio

Sem nome

Mergulhado naquele rio

 

Despeça-se do menino

Se faz favor

Olhe que nunca mais vai ver o menino

Escreva que dia é hoje

Sábado

À lareira do sono

Sábado minguante enrolado numa lua luz

Abraçado a uma lua luz

Que bate à porta

Truz

Truz truz

Truz truz truz

Caiu-lhe a porta sobre o pé

Descreveu um círculo de luz com olhos verdes…

E zás

Hoje é o Comandante deste Navio apelidado de LIVRO.

 

 

30/09/2023